NOITE
VAZIA
Alceu Valença
Madrugou, raiou o dia
E ele ainda não voltou
Faz um ano, um mês, um dia
E ele ainda não voltou
Helena
Acorda linda e preguiçosa
O sol batendo na vidraça
Na sala, no quarto,
Na roupa branca no varal
Helena não lembra nada
Da noite anterior
Entre o silêncio do quarto
E o ronco do elevador
Entre o espelho e a pia
Helena chorou de dor
Helena pensou bobagens
Sentindo as horas passar
Se arrastando na noite
Colada em seu calcanhar
A noite negra vazia
Querendo lhe sufocar
NO TEMPO QUE ME QUERIAS
Alceu Valença
Em maio eu montava um cavalo
Chamado de Ventania
Lembrei olhando o calendário
Do tempo que me querias
Lembrei olhando o calendário
Do tempo que me querias
Em junho estava em São Paulo
Naquela noite tão fria
Teu corpo foi meu agasalho
No tempo que me querias
Teu corpo foi meu agasalho
No tempo que me querias
Em maio eu montava um cavalo
Chamado de Ventania
Lembrei olhando o calendário
Do tempo que me querias
Lembrei olhando o calendário
Do tempo que me querias
Em julho estava em Havana
Sonhando com utopias
Agosto Brasília, Goiânia
Belô, Salvador, Bahia
Agosto Brasília, Goiânia
Belô, Salvador, Bahia
Em maio eu montava um cavalo
Chamado de Ventania
Lembrei olhando o calendário
Do tempo que me querias
Lembrei olhando o calendário
Do tempo que me querias
Setembro estava riscado
Eu nunca mais te veria
Rasguei o velho calendário
Do tempo que me querias.
Rasguei o velho calendário
Do tempo que me querias.
NOITE DE SÃO JOÃO
Alceu Valença/Ceceu
Valença/Dino Gaudêncio Maia
Fiz uma prece
Hoje é noite de São João
Tanta saudade já não dá pra segurar
Meu coração tá queimando feito brasa
Ela foi, bateu asas sem dizer se vai voltar
Você não sabe como é grande o sofrimento
E o meu lamento é esse jeito de cantar
Sou sabiá voando no firmamento
Canto, choro, me lamento pra fazer meu bem voltar
Sou sabiá
Sou sabiá
Sou sabiá
Sou seu sabiá
NAS ASAS DE UM PASSARINHO
Don Tronxo/Alceu Valença
Descendo a ladeira da Sé
Meu amor dance comigo
Ciranda, côco de roda
Maracatu e caboclinho
Andei muitas léguas a pé
Naveguei mares e rios
Procurando quem me quer
Nas asas de um passarinho
Nas asas de um passarinho
Sobrevoei a cidade
Eu te via tu fugias
Como se fora miragem
Bem te vi no Viradouro
Na ribeira, no mercado
No bloco da flor da lira
Nos carnavais do passado
Nas asas de um passarinho
Avistei velhos telhados
Uma janela entreaberta
De um conhecido sobrado
Foi um rasgo de lua
Tomei teu quarto de assalto
Das asas de um passarinho
Caí todinho em seus braços.
NA PRIMEIRA MANHÃ
Alceu Valença
Na primeira manhã que te perdi
Acordei mais cansado que sozinho
Como um conde falando aos passarinhos
Como uma Bumba-Meu-Boi sem capitão
E gemi como geme o arvoredo
Como a brisa descendo das colinas
Como quem perde o rumo e desatina
Como um boi no meio da multidão
Na segunda manhã que te perdi
Era tarde demais pra ser sozinho
Cruzei ruas, estradas e caminhos
Como um carro correndo em contramão
Pelo canto da boca num sussurro
Fiz um canto demente, absurdo
O lamento noturno dos viúvos
Como um gato gemendo no porão
Solidão.
NUMA
SALA DE REBOCO
Luiz
Gonzaga/José Marcolino
Todo tempo quanto houver
Pra mim é pouco pra
dançar com
Meu benzinho numa sala
De reboco
Enquanto o fole
Tá tocando, tá gemendo
Vou dançando e vou
dizendo
Meu sofrer pra ela só
e ninguém
Nota que eu estou lhe
Conversando
E nosso amor vai
aumentando
Pra coisa mais melhor
Só fico triste quando o
Dia amanhece, ai, meu
Deus,
Se eu pudesse acabar
A separação
Pra nós viver igualado
a
Sangue-suga e nosso
amor
Pede mais fuga do que
essa
Que nos dão
NOVENA
Geraldo Azevedo/Marcus Vinícius
Sei que são nove dias, nove apenas
Enquanto espero, aumentam...
O mundo se faz esquecido
Na terra dos homens de luzes
Coloridas
Enquanto família reza a novena
As notícias
Que montam cavalos ligeiros
Vão tomando todo o mundo
Na casa, no lar
Esquecidos, todos ficam longe
De saber o que foi que aconteceu
E ali ninguém percebeu
Tanta pedra de amor cair
Tanta gente se partir
No azul dessa incrível dor
Enquanto a família reza
Alguém segue a novena no abismo
De preces divididas
Do sossego de uma agonia
Sem fim
Nessa hora, se Deus, amém
Padre, Filho, Espírito Santo
Essa é a primeira cantiga
Que nessa casa eu canto
Enquanto a família reza a novena
Nove dias se passam marcados
Sem tempo e sem nada, sem fim
No meio doido do medo
E de mim despedaçado
Tanto verso então
De orações a fala se faz
E lá fora se esquece a paz
Uma bomba explodiu por lá
Sobre os olhos de meu bem
E assim me mata também
Enquanto a novena chega ao fim
Bambas, bandeiras, benditos
Passando pela vida
E a novena se perde esquecida
De nós
Nessa hora, se Deus, amém
Padre, Filho, Espírito Santo
Essa é a última cantiga
Que nessa casa eu canto
NO
BALANÇO DA CANOA
Toinho de Alagoas
Dona Maria cuidado na saia
No balanço da canoa
O vento pode ‘alevantá
O canoeiro só rema na proa
Cuidado canoeiro pra canoa não virar
No alto mar
Tem muita coisinha boa
Tem jangada, tem canoa
Pra quiser passear
O canoeiro só rema na proa
Cuidado canoeiro pra canoa não virar
Meu navio deu um tombo
Ôi ele bambeou
Bambeou mas não virou lá no alto mar
NO ROMPER DA AURORA
A Dom Troncho
Com várias doses de mojito
Quando o sol beijar a lua
E a lua for embora
Entro na Rua do Sol
Dobro na rua da Aurora
Meu amor, eu vou chorando
É chegada a nossa hora.
Meu bem já vou embora
Vou e voou
No romper d'aurora
Vou e vou
Vou carregando no fundo dos olhos
Teus olhos de onça pintada
Vou remoendo segredos, saudades
Na boca
Como faz o gado
Vou farejando no fundo das ventas
Teu cheiro
Como um cão de caça.
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