P
DA PAIXÃO, O
Alceu Valença
O P da paixão
Provoca o poema
E o P do poema
É um parto, é um parto
São poucas pegadas
Nas pedras do porto
E um poema torto
Persegue teus passos
O P do passado
Provoca o presente
É o P do presente
Que importa, que importa
São poucas palavras
Que batem no peito
No fundo da alma
Na porta da porta.
PÉ
DE ROSA
Alceu Valença
O pé de Rosa na sala
O pé-de-serra no pé
No pé de Selma a sandália
Se arrasta no rasta-pé
Se a gente dançar coladinho
Vai sentir o pulsar do coração
Pra quem sofre de dor de cotovelo
O remédio é forró, xote e baião
PIRATA JOSÉ
Alceu Valença
Um marinheiro chegou
No carnaval de Olinda
Em busca de seu grande amor
Uma princesa tão linda
Será que ele vem de Holanda?
Quem sabe de São Salvador?
Lisboa, de Angola, Loanda,
Em busca de seu grande amor?
Que brinca no bloco das flores
Nas virgens no alto da Sé
Seu nome é Maria das Dores
E ele é o pirata chamado José.
PRA EMBALAR VOCÊ
Alceu Valença
Eu vou cantar um côco de embalar você
Eu canto côco pra nós dois nos embalar
A onda vem a onda vai levar você
No balancê da ciranda do mar
A onda vem a onda vai levar você
A maré volta e traz você pra beira do mar
Mas de repente tenho medo de perder
Seria triste nosso amor se afogar
No balancê da ciranda do mar.
PERDEU O CIO
Alceu Valença
Nosso amor definhou, definhou
Perdeu o cio
Eu me sinto tão triste, cansado
Estou vazio
Nosso amor foi ficando tão magro
Era um mar, virou lago
Hoje é braço de rio
Definhou, definhou, definhou
Perdeu o cio
Nosso amor é um nós desatado
De arame farpado,
É ponta de espinho
Definhou, definhou, definhou
Perdeu o cio
Nosso amor sempre foi desatado
Um trem descarrilhado
Entre São Paulo e Rio
Definhou, definhou, definhou
Perdeu o cio
PONTOS CARDEAIS
Alceu Valença
Eu quero um terraço
Com telhas de vidro
Na beira de um lago
De águas azuis
E quatro janelas
Abertas pro mundo
Mostrando a mim mesmo
Os pontos Cardeais
Eu quero meu rádio
De pilha ligado
No mesmo segundo
Em quatro estações
Sentir o bocejo
Da boca do mundo
Ouvir num segundo
Duzentas canções
Não quero esse dedo
No rosto de Pedro
Nem quero pra Paulo
O peso da Cruz
São pontos de vista
De dois olhos cegos
E clara evidência
São pontos de luz
Não quero essa boca
Jorrando pra dentro
Palavras e gritos
E berros e luz
E línguas e lábios
E dentes sangrando
No tapa, no berro,
No braço e no murro
PORTO DA SAUDADE
Alceu Valença (refrão do povo nordestino)
Faz tanto tempo, tempo é rua Soledade
Leia saudade quando escrevo solidão
Quis o destino tortuoso dos ciganos
E as aventuras dos pneus de um caminhão
Que atravessava o riacho de salobro
Deixando marcas desenhadas pelo chão
O vento vinha e varria a minha volta
A ventania e o tempo não têm compaixão
Oh mana deixa eu ir
Oh mana eu vou só
Oh mana deixa eu ir
Pro sertão de Caicó
Faz tanto tempo, tempo é porto da saudade
Praias do Rio de Janeiro no verão
Quero o destino das águas dos oceanos
Me evaporando preu chover no riachão
Mergulharia no riacho de salobro
Levando a culpa como se eu fosse cristão
O vento vinha e varria à minha volta
A ventania e o tempo não têm compaixão
PELAS RUAS QUE ANDEI
Música: Vicente Barreto Letra: Alceu Valença
Na Madalena
Revi teu nome
Na Boa Vista
Quis te encontrar
Rua do Sol da Boa Hora
Rua da Aurora
Vou caminhar
Rua das Ninfas
Matriz Saudade
Da Soledade de quem passou
Rua Benfica Boa Viagem
Na Piedade tanta dor
Pelas ruas que andei procurei
Procurei procurei
Te encontrar
PUNHAL DE PRATA
Alceu Valença
Eu sempre andei descalço
No encalço dessa menina
E a sola dos meus passos
Tem a pele muito fina
Eu sempre olhei os olhos
Bem no fundo
Na retina
E a menina dos olhos
Me mata
Me alucina
Eu sempre andei sozinho
A mão esquerda vazia
A mão direita fechada
Sem medo
Por garantia
De encontrar quem me ama
Nara que me odeia
Com esse punhal de prata
Brilhando na lua cheia
Eu sendo mouro sou um cigano
Eu rasgo o oceano
Eu quebro esse mar
Morena, vem...
PAIXÃO
Alceu Valença
A paixão que queima
A paixão que arde
A paixão que explode no coração
Vem do mais fundo profundo
Onde não cabe a razão
A paixão de amor
A paixão fatal
A paixão carnal
A paixão tesão
Vem do mais fundo profundo
Onde não cabe a razão
A paixão às vezes chega
Vestida de desatino
Muda o jogo, vira a mesa
Pra cumprir o seu destino
Outras vezes joga o jogo
Dos amores clandestinos
PAPAGAIO DO FUTURO
Alceu Valença
Estou montado no futuro indicativo
Já não corro mais perigo
Nada tenho a declarar
Terno de vidro costurado a parafuso
Papagaio do futuro
Num pára-raio ao luar...
Eu fumo e tusso
Fumaça de gasolina...
Quem sabe, sabe, que não sabe, sempre, sobra
Cobra caminha sem ter direção
Que sabe a cabra das barbas do bode
A ave avoa sem ser avião
PLANETÁRIO
Alceu Valença
Esperei no Planetário o meu amor
Ela foi ao analista e ainda não voltou
Esperei no Planetário o meu amor
Ela foi ao analista e ainda não voltou
São mil horas, mil estrelas
Que nos separam dela
O Cruzeiro do Sul
E essa super-novela
Esperei no Planetário o meu amor
Ela foi ao analista e ainda não voltou
Esperei no Planetário o meu amor
Ela foi ao analista e ainda não voltou
Os ruídos dos carros
A moral, a ciência
A psico-neuro-violência
E essa estrela muito branca
De cristal
Esperei no Planetário o meu amor
E essa lua é de gesso ou isopor?
Esperei no Planetário o meu amor
E essa lua é de gesso ou isopor?
Heloísa não viu
Uma estrela caiu
E o som imaginário
Foi tomando o Planetário
E a ursa menor apagou...
PEDRAS DE SAL
Alceu Valença
Esperei meu amor
Com seu brinco mais bonito
Pedra da cor do sol
Esperei meu amor
Com seu riso muito alvo
Como pedras de sal
Esperei meu amor
Com seus olhos muito claros
Brilhantes de cristal
No tempo de Luzia
Maresia mariou
O riso de Luzia
Sem sorrir perdeu a cor
E os olhos de Luzia, ai, ai
PARE, REPARE, RESPIRE
Alceu Valença
Pare, repare, respire
Reveja, revise sua direção
Olhe com todo cuidado
Pra todos os lados do seu coração
Meu amor, escute agora
Há um brilho em nosso olhar
É paixão que nos devora
Volto a te telefonar
Pare, repare, respire
Reveja, revise sua direção
Olhe com todo cuidado
Pra todos os lados do seu coração
Meu amor, estou chorando
Entre o quarto e o corredor
Entre o espelho e a pia
Entre a cama e o cobertor
PÉTALAS
Alceu Valença
As borboletas voam sobre o meu jardim
São cores vivas, pousam sobre as "onze horas"
Nas rosas claras, violetas e jasmins
Um beija-flor traindo a rosa amarela
Beijou a bela margarida infiel
Papoula e dália estão cravadas de ciúmes
E o beija-flor beijando flores a granel
Pétalas, asas amarelas
Pétalas, espinho seco
Folha, flor, lagarta
Pétalas
As florem voam e voltam na outra estação
Só serei flor quando tu flores no verão
PROSA IMPÚRPURA DO CAICÓ, A
Chico César
Ah! Caicó
Arcaico
Em meu peito catolaico
Tudo é descrença e fé
Ah! Caicó
Arcaico
Meu cashcouer mallarmaico
Tudo rejeita e quer
É com é sem
Milhão e vintém
Todo mundo e ninguém
Pé de xique-xique
Pé de flor
Relabucho velório
Videogame oratório
High-cult simplório
Amor sem fim desamor
Sexo no-iê
Oxente oh! Shit
Cego Aderaldo
olhando pra mim, Moonwalkman
PETROLINA
JUAZEIRO
Jorge de Altinho
Na margem do São Francisco, nasceu a beleza
E a natureza ela conservou
Jesus abençoou com sua mão divina
Pra não morrer de saudade, vou voltar pra
Petrolina
Do outro lado do rio tem uma cidade
Que em minha mocidade eu visitava todo dia
Atravessava a ponte ai que alegria
Chegava em Juazeiro, Juazeiro da Bahia
Hoje eu me lembro que nos tempos de criança
Esquisito era a carranca e o apito do trem
Mas achava lindo quando a ponte levantava
E o vapor passava num gostoso vai e vem
Petrolina , Juazeiro, Juazeiro, Petrolina
Todas duas eu acho uma coisa linda
Eu gosto de Juazeiro e adoro Petrolina
PRA CLAREAR
Alceu Valença
Bota fogo na terra, José
Bota fogo no ar, Iaiá
Bota fogo na noite, José
Pra clarear
Seja chama e pavio, José
Pra desvendar, Iaiá
Os segredos do mundo, José
Pra clarear
Falou Drummond
No Sentimento do Mundo
Se eu me chamasse Raimundo
Não seria a solução
Seria rima
Verso, prosa, poesia
E o mundo não mudaria
Eis aí toda questão
Bota fogo na terra, José
Bota fogo no ar, Iaiá
Bota fogo na noite, José
Pra clarear
Seja chama e pavio, José
Pra desvendar, Iaiá
Os segredos do mundo, José
Pra clarear
Pra Carlos Prestes
O mundo se resumia
Todo em ideologia
Em massa, revolução
O Cavaleiro montava sua utopia
Não via, não percebia
Como crescia o Japão
Bota fogo na terra, José
Bota fogo no ar, Iaiá
Bota fogo na noite, José
Pra clarear
Seja chama e pavio, José
Pra desvendar, Iaiá
Os segredos do mundo, José
Pra clarear
Eu que vivi
Com meu peito dividido
Entre a certeza e a dúvida
Entre só ser
E ser não
Sou mais Pessoa
lembro da Tabacaria
Sem a vã filosofia
Sem resposta nem questão
A
culpa
é nossa
A
culpa
é minha
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