BRAULIO TAVARES
Poeta,
autor de Ficção Científica,
colunista de jornal;
músico, compositor, intérprete; teatrólogo,
diretor, roteirista de espetáculos musicais,
roteirista de cinema e TV; estudioso e
pesquisador da cultura popular |
Foto: Iggy Wanderley
|
Conheci
Braulio Tavares há mais de 20 anos, no Recife. Quem primeiro me falou sobre
ele foi o saudoso poeta e crítico musical Héber Fonseca. Braulio aparecera
de repente na cena cultural pernambucana, vindo da Paraíba, como se fosse um
ser "extraterrestre" (refiro-me à Terra Pernambucana, bem entendido), branquelo e cabeludo,
sempre com um violão às costas e um jeito zen, que permitia a qualquer um
nas mesas dos bares - principalmente do Atlântico, em Olinda - pedir sempre
mais uma canção. Braulio, simpático e feliz, atendia.
Essas
sessões às vezes iam até a madrugada, entremeadas, é claro, de muito boa
conversa.
Assim, aos
poucos as pessoas começaram a conhecer a Balada
do Andarilho Ramón e outras
canções, algumas das quais sequer o nome posso citar (mas que estão
circulando ainda hoje pela web). Um belo dia, novamente por artes
extraterrestres, eis que o Braulio desaparece da cena recifense.
Melhor
assim. Pois o Braulio ressurgiu na cena brasileira. Como compositor, como
poeta, como escritor de Ficção Científica (talvez o mais importante do
Brasil, publicado e premiado no exterior), como teatrólogo, como roteirista
de shows, cinema e televisão (em vários programas da TV Globo), como
jornalista. Ressurgiu múltiplo e inquieto, criando canções para tantos
intérpretes - hoje, pode ser apontado como um dos mais importantes parceiros
do trabalho musical do Lenine.
É esse
artista, esse poeta, esse intelectual de variadas facetas - nascido em 1950,
em Campina Grande, na Paraíba - que se dispôs a
conversar com NordesteWeb, num delicioso papo através do e-mail, cujos
principais pontos podem ser conhecidos adiante. Continua simpático e
atencioso, como na época do andarilho.
Braulio
Tavares reabre esta seção do site NordesteWeb que
estava desativada e que, a partir de agora, esperamos que se transforme num
espaço de debate sobre o Nordeste, o Brasil e mundo. Melhor do que ninguém,
o Braulio sintetiza todas as facetas do criador brasileiro.
Curitiba,
1 de fevereiro de 2004.
Romildo Gouveia Pinto - Editor
do NordesteWeb
ENTREVISTA - BRAULIO TAVARES
NordesteWeb: Antes de iniciar esta entrevista,
reli as matérias que re/publicamos sobre você - e outras que
circulam pela internet. A primeira coisa que avulta é o fato de que você é um
intelectual de múltiplos ofícios. Escritor - de coluna em jornal, poesia,
ficção científica, letras de canções; músico, compositor, intérprete; teatrólogo, diretor, roteirista
de espetáculos musicais; roteirista de cinema; estudioso e pesquisador da
cultura popular; autor de TV (não de uma TV qualquer, mas da TV Globo!)...
Haja fôlego para tantas artes...
E a primeira pergunta é
exatamente por aí. Como esses múltiplos Braulios convivem em você? É uma
coisa que flui naturalmente, ou você vive um embate permanente dentro de
si mesmo? Em outras palavras: isso é um dádiva ou um doloroso penar?
Afinal, em você parece que é como se - de um lado -
permanecesse in-resolvido o adolescente dilema "o que eu vou ser quando
crescer?", mas por outro lado é, ao mesmo tempo, um indicador de
maturidade intelectual o exercício de tantos ofícios
culturais... Gostaria de falar um pouco sobre isto?
Braulio
Tavares:
Os "múltiplos Braulios" não são tão múltiplos assim. Eu tenho
muita facilidade para produzir texto, e esse é o centro da minha
atividade: texto para romance, texto para poema, texto para canções, texto
para teatro, texto para TV... O texto está em tudo, porque sou
de uma família de jornalistas e poetas, onde a gente sempre foi encorajado
a ler de tudo, escrever muito, falar muito.
Esse contexto de formação literária vem
desde a infância, eu lia aos 10 anos coisas que a galera lê aos 20.
Meu pai tinha uma coisa meio obsessiva quanto à importância do Livro. Eu e
minha irmã Clotilde, que é 2 ou 3 anos mais velha,
absorvemos isto como se fossem as Tábuas da Lei. O Livro é importante. Ler é
bom, e quanto mais melhor. Escrever é importante, e mais ainda: é
fácil, e divertidíssimo.
O resto foi conseqüência
de uma infância assim. Entre os 15 e 20 anos, surgiram lá de fora duas
outras atividades que eram estranhas aos meus pais: a música e o cinema. Aí
já é adolescência, convivência com amigos. Tocar
violão, tocar sambas e forrós no terraço com turmas de amigos, tocar em
banda de rock fazendo cover dos Beatles, etc.
E cineclube, debates sobre filmes de arte,
primeiras críticas de cinema publicadas. Música e Cinema vieram se superpor,
na adolescência, a uma base que era, em essência, literária.
Taí os múltiplos Braulios.
É um só. Não sinto nisto um "doloroso penar". Não!!! Isto é O
BOM DA VIDA! Fazer muitas coisas. Eu sou feliz! Eu sou o
único cara no mundo que FOI tudo quanto queria ser quando crescesse.
(Nem tudo -- faltou jogar na Seleção Brasileira, mas ninguém é perfeito)
Nossa
sociedade é que é muito inclinada para a concentração de esforços, a
especialização, a busca de ser o melhor, o primeiro de todos. E você
só consegue isso se se dedicar a uma coisa só.
Você pode praticar tênis, atletismo e natação. Ser um bom atleta em
todas. Mas nunca será O MELHOR em todas as três, porque você estará se
dividindo em 3 atividades, e os outros "só pensam naquilo". Admito que eu
poderia ter ficado rico se fizesse uma coisa só. Mas eu me esqueci de
enriquecer!
Em consequência disto, sofro hoje a
dificuldade de trabalhar em 10 profissões diferentes e saber que não sou O
MELHOR em nenhuma delas, mas poderia ter sido, se tivesse me dedicado só a
ela. Mas a vida não teria tido a mesma graça, o mesmo prazer, a mesma
riqueza. E eu não teria conhecido tanta gente interessante quanto
conheço em todos esses "departamentos".
Isto também evita a monotonia. Durante
um ano, digamos que em janeiro eu traduzo um romance, aí em fevereiro faço
um show num teatro para 500 pessoas, de março a maio trabalho como
roteirista num programa de TV, em junho dou uma oficina de poesia num
colégio, em julho me contratam para escrever uma peça de teatro que me ocupa
até setembro, aí em outubro vou cantar num bar de um amigo em Recife...
Ou seja: um ano movimentado, convivendo em ambientes diferentes, etc.
E nas horas vagas vou escrevendo meus poemas
e meus contos de ficção científica. Meu lema é: "A vida presta!"
A nave quando desceu, desceu no morro.
Ficou da meia-noite ao meio-dia.
Saiu, deixou uma gente,
Tão igual e diferente,
Falava e todo mundo entendia
(O dia em que faremos contato)
NordesteWeb:
Você afirmou, em uma entrevista
recente, que aquilo que publicou
sobre cultura popular é muito pouco, se considerado o tempo que você
dedica ao estudo do assunto. Você deixa claro seu afeto em relação à
poesia popular, inclusive em parcerias... Então, como você define
cultura popular e o que ela representa, no seu entender, na sua
formação pessoal e na formação do caráter do brasileiro?
Braulio Tavares:
Não vou definir "cultura popular"; isso é uma
empreitada meio labiríntica. Eu admiro o modo como algumas pessoas
(ricas, pobres, eruditas, analfabetas, não importa) produzem coisas
criativas com uma certa economia de recursos. Gosto de coisas que
são inventivas dentro de seus próprios limites, mesmo que tenham defeitos,
que tenham uma certa rusticidade de expressão. Gosto de músicos de
rua, de atores mambembes, de fabricantes de brinquedos rústicos com
madeira e lata, de pintores de "lameiros" de caminhão, de glosadores e
aboiadores. Não vou comparar isso com a obra de Mozart, de Picasso,
ou de outros figurões. É outra coisa. Agora -- dentro deste
universo, tem duas coisas que eu me dei o trabalho de ler, de pesquisar,
de absorver, de conviver com quem as pratica: a Literatura de Cordel e a
Cantoria de Viola. Procuro deixar isso sempre claro, porque devido à
minha ligação com estas duas Artes alguém acaba me chamando de
"folclorista", coisa que não sou, mas aí me convidam para dar palestras,
participar de debates, e acabo indo, mas sempre deixando claro que minha
área são aqueles dois temas. Não entendo nada de capoeira, reisado,
mamulengos, fandango, maculelê, etc. Admiro, mas não me meto a
conceituar. Só o faço com Cordel e Cantoria.
Acho que as pessoas que
admiram Drummond e Cabral mas menosprezam o Cordel e a Cantoria são como
alguém que gosta de futebol, mas só o futebol da Copa do Mundo, das
grandes decisões de Campeonatos brasileiros e europeus, e se vir no meio
da rua uns garotos jogando pelada com bola-de-meia não vai nunca admitir
que aqueles garotos jogam bem, vão ficar comparando-os com os jogadores da
seleção e dizendo que os garotos não jogam tanto quanto eles. São duas
realidades diferentes.
Os homens se perguntaram,
Porque não desembarcaram
Em São Paulo, em Brasília ou em Natal.
Vieram pedir socorro,
Pois quem mora lá no morro,
Vive perto do espaço sideral.
(O dia em que faremos contato)
NordesteWeb:
Você fez, junto com o Ivanildo
Vila-Nova, uma música que obteve grande sucesso, mas gerou uma razoável
polêmica. Trata-se de Nordeste independente. Nela vocês imaginam
um 'cantador de viola, o presidente'. Duas perguntas: a) um ex-retirante
presidente realiza o sonho do poeta? b) a independência do Nordeste foi um
achado poético ou uma proposta política?
Braulio Tavares:
Na vida cotidiana desses
poetas existe o hábito de "dar motes" o tempo inteiro, durante a conversa.
Qualquer assunto é motivo para um mote. Você está conversando no
balcão de um bar, pede um cafezinho, vem frio, você reclama. O poeta
ao lado ri e dá o mote: "Quem bebe café aqui / pode pegar resfriado", ou
algo assim. É quase um cacoete, uma mania benigna.
Ivanildo Vila Nova é um cara muito opiniático, amante de polêmica, e faz
críticas severas ao modo como o nordestino é tratado no "sul" (leia-se Rio
e São Paulo). Uma vez ele propôs a idéia de "independer o Nordeste",
e eu compus o mote na hora: "Imagine o Brasil ser dividido / e o Nordeste
ficar independente". Ninguém glosou o mote na hora; Ivanildo me
trouxe, dias depois, algumas glosas manuscritas. Como o mote era
bom, era rendoso, eu também fiz várias glosas. Passei a cantá-las
com amigos, em mesas de bar, e por fim Elba Ramalho usou esses versos em
shows e em disco. No disco ela canta 6 estrofes, as 4 primeiras são
de Ivanildo e as 2 últimas são minhas. Mas há pelo menos umas 15
estrofes a mais, muitas delas gravadas pelo próprio Ivanildo em seus
discos.
Eu não levo muito a sério essa letra. Era um
desabafo brincalhão, uma provocação bem-humorada. Dividir o Brasil não
salvaria o Nordeste, se ele continuasse sendo dominado por latifundiários,
políticos corruptos, etc. Como proposta política a sério, seria ingênuo
e impraticável. Mas o verso tem como propósito chocar, impactar, produzir
polêmica, e, mais especificamente, dar uma injeção positiva na auto-estima
do nordestino. Pra mim é só isso. Ivanildo leva estes versos mais a
sério.
Votei em Lula, mas não tenho grandes ilusões com
ele na Presidência. Vai fazer várias coisas boas, vai ficar devendo
outras. Tem um aspecto simbólico positivo. Mas não muda grande coisa.
Pois em toda Via Láctea,
Não existe um só planeta,
Igual a esse daqui.
A galáxia tá em guerra,
Paz só existe na Terra,
A paz começou aqui...
(O dia em que faremos contato)
NordesteWeb:
Você é um importante autor brasileiro
de Ficção Científica, com prêmio obtido na Europa, participação
na conceituada oficina literária Clarion Workshop, nos Estados Unidos e
com livros editados no exterior... Como é essa sua aventura pelo mundo
fascinante da FC? Como foi sua trajetória da aldeia - a cultura popular
nordestina - para o universal? Você se considera reconhecido no Brasil
como autor de Ficção Científica?
Braulio
Tavares: Leio
FC desde criança, sempre li, sempre gostei, sempre achei a literatura mais
fascinante que se pratica no mundo, e sempre me admirei da imensa cegueira
ideológica e cultural das pessoas que teimam em ignorar sua existência.
A FC (a boa FC) é a única literatura que fala sobre o mundo de hoje, o mundo
que está surgindo hoje. A literatura tradicional se debate com temas
que já existiam há 50, 100 anos. É ótima, mas parece que esses
escritores não lêem jornal, não vêem TV. A literatura tradicional é
basicamente psicológica, sociológica e política. Ignora as mudanças
tecnológicas que ocorrem no mundo, as quais em breve irão modificar
totalmente os conceitos do que é psicológico, sociológico e político.
O problema é que 90% da FC é uma porcaria
comercial, com aventurazinhas interplanetárias, guerras nas estrelas,
monstros alienígenas, etc. E os intelectuais, muito compreensivelmente,
não querem se misturar com isto. Mas é só porque são incapazes de
misturar o joio do trigo, e, na dúvida, sem saberem como se orientar,
largam esses livros e vão reler Proust ou Henry James.
A FC tem me trazido um certo renome no Brasil e fora dele, se
não junto ao grande público, mas pelo menos no mundo restrito dos autores,
editores e críticos. Pra mim tá de bom tamanho. Fui
colaborador nas duas principais obras de referência surgidas nos anos 90,
"The Encyclopedia of Science Fiction" (editada por Peter Nicholls e John
Clute) e "The Encyclopedia of Fantasy" (editada por John Clute e John
Grant), onde fiz os verbetes brasileiros. Tenho um conto na
antologia "Cosmos Latinos", de FC hispânica e latino-americana, lançada
por uma editora universitária nos EUA em 2003. Com a FC,
consegui uma projeção que de certo modo compensa a falta de muitos
leitores.
Sete artes e dez mandamentos,
Só tem aqui...
Cinco sentidos, terra, mar, firmamento,
Só tem aqui...
Essa coisa de riso e de festa,
Só tem aqui...
Baticum, ziriguidum, dois mil e um,
Só tem aqui...
(O dia em que faremos contato)
NordesteWeb:
Você transita por fora de movimentos. No
entanto, certamente que você os acompanha e avalia. Parece que o
pós-manguebeat ganha força através de uma série de bandas e intérpretes
que surgem a todo momento, principalmente em Pernambuco e na Paraíba. Como
você vê o movimento musical atual, neste contexto, sobretudo em sua
Paraíba?
Braulio
Tavares:
Acho uma coisa muito boa.
É diferente da MPB tradicional. É diferente do rock. É
diferente da chamada música-de-raiz. E ao mesmo tempo tem
elementos disso tudo. Estou me referindo aos trabalhos como Silvério
Pessoa, Cascabulho, Mestre Ambrósio, Mundo Livre, Nação Zumbi, Lula
Queiroga, etc. (em Pernambuco), e Cabruêra, Escurinho, As Parêa, Totonho e
Os Cabra, Chico Corrêa Electronic Band, etc. (na Paraíba), que são os que
conheço (com exceção do Mundo Livre & Fred 04, que gosto, mas não conheço
pessoalmente, os demais são amigos meus).
Resumindo a fórmula eu diria que esses grupos têm:
1) uma consciência nacional, da cultura brasileira, da importância da
brasilidade e da criação de dentro para fora (ou seja, partir dos
elementos da rua, do bairro, da região, para atingir o mundo). 2) Uma
mistura industrial & primitivo, geralmente expressa na instrumentação
(guitarras, teclados eletrônicos, samplers & loops aliados a formas
primitivas de percussão e solo, como a alfaia e a rabeca). 3) Uma atitude
roqueira, meio difícil de definir, mas diferente da atitude-MPB. A atitude
MPB é mais adulta, mais polida, mais teorizante, mais defensivista (a
chamada cultura-de-resistência); a atitude roqueira é mais adolescente,
mais agressiva, mais ativista e prática, mais irreverente e incorporadora
de elementos internacionais.
É uma síntese nova, não necessariamente superior às
sínteses anteriores -- mas se é o que tá rolando, vamos acompanhar, vamos
participar, vamos tentar dar opinião e incrementar o que tem de bom. É o
que eu faço.
A nave estremeceu, subiu de novo,
Deixou um rastro de luz no meio-dia
Entrou de volta nas trevas.
Foi buscar futuras levas,
Pra conhecer o amor e a alegria
(O dia em que faremos contato)
NordesteWeb: Você, sem dúvida, é um artista antenado. Há muito
que você incorporou a internet ao seu
trabalho e você sempre
divulga seu e-mail (coisa que muitos artistas não fazem). Assim, como você
vê a apropriação meio anárquica do trabalho dos criadores, sem respeito
aos direitos autorais, coisa que a internet propicia e facilita? Suas
poesias circulam pela rede e suas músicas, p.e. no formato mp3, estão
disponíveis gratuitamente. Qual será o futuro dos criadores e de sua obra,
seja literária seja musical, diante disso? Isto é bom ou ruim?
Braulio Tavares:
Romildo, eu passo no
mínimo 3 horas por dia na Internet, visitando os meus saites preferidos,
lendo imprensa internacional, acompanhando resenhas de livros e de filmes
nos cadernos culturais da Europa e dos EUA, olhando os blogs dos amigos...
E toda noite eu penso: "Meu deus, se eu tivesse isso à disposição quando
eu tinha 18 anos e queria beber o mundo!!!!!"
A Internet talvez interfira no conceito de que todo
criador recebe direitos autorais. Eu tinha esperanças de viver de
royalties (canções, livros, peças, etc.) na velhice, e a cada
ano que passa
acho essa possibilidade mais remota. Portanto, sou um que está perdendo
com isto. Por outro lado, sou totalmente a favor da circulação gratuita
de obras e de informações. Até porque isto seria uma maneira de acabar
com o fenômeno paralelo do pirateamento ilegal de obras e informações. No
momento em que uma mercadoria for acessível gratuitamente, ela deixa de
ser pirateada. Gente desonesta aflui somente para onde tem lucro, é como
piranha quando sente cheiro de sangue. No momento em que você reduzir as
possibilidades de comercialização & lucro, pode-se chegar a um nível tal
que desencoraje os mafiosos, e ainda possa pingar um trocadinho de vez em
quando para os autores como eu, que têm preguiça de arranjar emprego.
A nave quando desceu, desceu no morro,
Cheia de "Et" vestido de orixá,
Vieram pedir socorro,
E se derem vez ao morro
Todo universo vai sambar.
(O dia em que faremos contato)
NordesteWeb: A sua geração
(nascida nos anos 50) alimentou, justa ou injustamente, um forte
preconceito contra a TV. Você tem participado de trabalhos na televisão,
sobretudo no segmento da dramaturgia. Como você vê o papel da televisão no
contexto cultural brasileiro?
Braulio Tavares:
A minha geração viu na TV
dois problemas principais: 1) era um canal por onde a produção
norte-americana invadia nosso mercado; 2) era em muitos casos uma espécie
de porta-voz da ditadura militar. Depois, o tempo foi passando, e a
gente relativizou um pouco. Afinal, os americanos invadem na música
popular, no cinema, no mercado editorial, então não há porque crucificar
somente a TV. E com o fim da ditadura, a TV acabou se tornando um
instrumento importante pela liberdade de expressão, e também no
policiamento aos governos, etc. Um instrumento sempre contraditório,
claro, mas existem coisas boas ao lado das ruins, no jornalismo de TV.
Um problema que permanece na TV é a necessidade de
se dirigir a dezenas de milhões de pessoas, então há sempre uma tendência
a nivelar por baixo, a se dirigir ao pior tipo de espectador (sempre um
tipo imaginário, claro), aquele espectador "que não pensa por conta
própria, que só quer a repetição do que já viu, que só se interessa por
"grandes sucessos"... enfim, toda uma massificação que, se você deixar
correr solta, em dez anos mata a própria TV que a pratica. Como existem
sempre os "bolsões de criatividade" na própria TV, são estes que sacodem a
mesmice e conseguem dar saltos qualitativos, fazendo a TV evoluir: na
dramaturgia, no humor, no jornalismo, no esporte, nas novelas, etc.
Na TV-Globo, eu trabalhei em programas de fórmulas
extremamente restritivas e repetitivas ("Os trapalhões", "Sai de baixo"),
programas que cumpriam sem alarde uma função didática necessária ("Globo
Ciência"), programas que procuravam, meio tateando, uma forma nova de
apresentação de temas brasileiros ("Brasil Legal"), e especiais que
procuravam criar uma dramaturgia brasileira para TV ("Auto de N. S. da
Luz" e "Farsa da Boa Preguiça", dirigidos por Luiz Fernando Carvalho,
ambos com Nóbrega no elenco). Como se vê, a Globo não é monolítica.
Dentro dela cabem várias tendências. Há muita coisa boa a fazer dentro da
TV, e pode até ser trabalhoso, mas não é de modo algum impossível. A TV é
feita por pessoas. O conglomerado financeiro Globo é uma coisa, a
programação da rede de TV é outra.
Pois em toda Via Láctea,
Não existe um só planeta...
...Baticum, ziriguidum, dois mil e um,
Só tem aqui...
(O dia em que faremos contato)
NordesteWeb: Você teve vários parceiros, inclusive no segmento da
cultura popular. Mas, atualmente, seu nome parece estar definitivamente
associado ao nome do Lenine. O Lenine, por sua vez, consagra-se fortemente
junto ao público e à crítica, após tantos e tantos anos de trabalho
consistente, mas ignorado pelos formadores de opinião. Pode falar um pouco
sobre sua parceria com o Lenine?
Braulio Tavares:
Conheço Lenine desde o
Recife, por vola de 1979, quando fiquei amigo e parceiro de Zé Rocha, com
quem fiz meus primeiros shows em palco. Zé e Lenine eram parceiros
há muito tempo. Depois que viemos para o Rio, fizemos algumas
músicas de encomenda, mas a parceria só começou a vingar mesmo depois de
1986, 87. O importante numa parceria assim é haver um universo
cultural em comum. Fica esquisito quando o parceiro quer falar num
assunto e a gente não se interessa, ou quando a gente quer compor num
ritmo e o parceiro não sabe ou não gosta daquilo. Ter um
vocabulário em comum é importante.
Eu e Lenine gostamos, cada qual devido a uma
formação diferente, de compor partindo de uma idéia visual ou dramática.
A música, muitas vezes, é concebida de início como de fosse uma história
em quadrinhos, um curta-metragem, um conto de ficção científica... Com
esse ponto de partida, a gente acaba evitando cair em certos clichês em
que cairia se dissesse: "É um pop-urbano", ou "É um forró pé-de-serra".
Partir de uma idéia fora do universo da música ajuda a abrir janelas
mentais.
Eu tenho uma visão musical mais antiga, por assim
dizer. Em matéria de música estrangeira, por exemplo, eu gosto muito de
blues, e do folk-rock tradicional (Bob Dylan, The Band, Dire Straits,
Creedence Clearwater, etc.). Já Lenine é muito ligado nesses grupos
atuais, eletrônicos, hip-hop, ele escuta quem está lançando disco agora, e
eu gosto de ouvir discos antigos. Mas isto também soma, porque cada um
acaba trazendo sonoridades diferentes. E ambos gostamos do forró-de-raiz,
do samba-de-raiz, e da MPB. Não direi que não temos preconceitos, mas tem
mais coisas que a gente gosta "a priori" do que coisa que desgosta.
NordesteWeb: Para encerrar, uma pergunta clássica: quais são os seus projetos
atualmente em andamento? Quais as notícias que leremos sobre você em 2004?
Braulio
Tavares: Projetos são sempre
muitos. Os que têm chance de aparecer em 2004:
1) uma coletânea dos meus artigos diários sobre cultura no "Jornal da
Paraíba", cujo endereço é http://jornaldaparaiba.globo.com;
2) um segundo volume de série de antologias
"Páginas de Sombra", de contos fantásticos brasileiros, cujo primeiro
volume saiu em 2003 pela Editora Casa da Palavra;
3) um volume de poemas (tenho uns 2 ou 3 em
diferentes editoras, pelo menos um deve rolar);
4) um livro sobre poesia e romanceiro popular,
dirigido aos leitores jovens, que já está sendo avaliado pela Editora 34
(S. Paulo).
Tenho gravado coisas para fazer um CD, mas sem
prazo e sem plano de lançamento, estou só curtindo as novas técnicas de
gravação, que surgiram para facilitar o trabalho de sujeitos pouco
musicais como eu.
Saiba mais sobre Braulio
Tavares:
Na Internet:
Leia sua coluna no
"Jornal da Paraíba"
Envie um e-mail:
btavares13@terra.com.br
Visite o site Labirinto de Idéias (da irmã do
Braulio, Clotilde Tavares)
Principais Livros:
A ESPINHA DORSAL DA MEMÓRIA (contos)
“Prêmio Caminho de Ficção Científica 1989”
Editorial Caminho, Lisboa, 1989; Editora Rocco, Rio, 1996 |
A PELEJA DE BRAULIO TAVARES, O RAIO DA SILIBRINA,
COM ASTIER BASÍLIO, O ARQUI-POETA DAS BORBOREMAS (cordel)
Edição independente, 2003 |
O QUE É FICÇÃO CIENTÍFICA (ensaio)
Editora Brasiliense, São Paulo, 1986
Volume da coleção "Primeiros Passos" |
COMO ENLOUQUECER UM HOMEM (humor)
Editora 34, Rio, 1994; Círculo do Livro, São
Paulo, 1997 |
O ANJO EXTERMINADOR (ensaio cinematográfico)
Editora Rocco (Rio), 2002 |
PÁGINAS DE SOMBRA (org.; antologia)
Editora Casa da Palavra, Rio, 2003 |
A PEDRA DO MEIO-DIA, ou ARTUR E ISADORA (cordel)
Edição do autor, 1979; Editora 34, São Paulo, 1998 |
A MÁQUINA VOADORA (romance)
Editora Rocco, Rio, 1994; Editorial Caminho,
Lisboa, 1997 |
O HOMEM ARTIFICIAL (poemas)
Editora Sette Letras (Rio), 1999 |
MUNDO FANTASMO (contos)
Editora Rocco, Rio, 1996; Editorial Caminho,
Lisboa, 1997
RAIMUNDO SANTA HELENA (org.; antologia de cordel)
Editora Hedra, São Paulo, 2003 |
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Músicas
Gravadas (por intérprete):
ELBA RAMALHO:
"Caldeirão dos Mitos", "Temporal", "A volta dos trovões", "Nordeste
independente", "A roda do tempo", "Miragem do Porto", "Amanheceu"
ZÉ RAMALHO:
"Temporal"
MPB-4:
"Virou areia"
LENINE:
"Acredite ou não",
"Tuareg e Nagô", "O que é bonito", "O dia em que faremos contato", "O
Marco Marciano", "Bundalelê", "Eu sou meu guia", "Na pressão", "Sonhei",
"Mais além", "Umbigo"
DIONNE WARWICK:
"Virou areia"
MESTRE AMBRÓSIO:
"Sêmen"
ANTONIO NÓBREGA:
"A viagem maravilhosa", "Carrossel do
destino", "O rei e o palhaço", "Meu foguete brasileiro", "Estrela
Dalva", "Lunário Perpétuo"
NEY MATOGROSSO:
"Mais além"
TIM MAIA & OS CARIOCAS:
"O amigo do rei"
MÔNICA SALMASO:
"Tuareg e Nagô"
MARIA RITA:
"Lavadeira do Rio"
|
Braulio Tavares, no traço de
Cavani Rosas
"Como sempre
acontece nesse tipo de lista, estou colocando apenas os intérpretes
mais conhecidos; tem aqueles outros, muitas vezes amigos nossos, que
sempre acabam ficando de fora, porque pouca gente conhece. A maioria
destas músicas é em parceria (nos casos de Lenine e Nóbrega, com os
próprios)" Braulio Tavares |
Com relação a este tema, saiba mais (arquivo NordesteWeb) |