JOÃO
DOMINGOS
BRASÍLIA - O compositor e cantor baiano Elomar
pede a Deus - "expressão em desuso", segundo ele - que o governo Lula dê
certo, mas não crê no sucesso do conterrâneo Gilberto Gil no Ministério da Cultura.
"O Gil, ao lado de Xangai (cantor, compositor e contador de causos também da Bahia),
é o artista com a maior presença de palco que conheço. Daí a ser um sucesso no
Ministério da Cultura, sei não...", disse ele, na noite de terça-feira, para uma
surpresa platéia da capital federal.
O comentário de Elomar foi feito após sua
apresentação única no evento Transgressores, patrocinado pelo Banco do Brasil. Deu-se
um acontecimento inédito nos 65 anos de vida de Elomar. "Recebi uma ordem superior
para polemizar com a platéia. Isso nunca tinha ocorrido depois de uma apresentação,
depois de cantar tantas árias de minhas óperas", afirmou para os fãs, que se
recusavam a ir embora sem ouvir suas opiniões políticas e culturais.
Ele declarou que o mal da cultura brasileira
é o seu apego ao que ocorre nos Estados Unidos, ao rock, ao jazz. "Os Estados Unidos
não têm cultura nenhuma", disse. Criticou também a arquitetura de Niemeyer e disse
que prevê um futuro sombrio para Brasília: "Daqui a 30 anos, isto aqui será uma
selva de prédios, como nas cidades grandes. Será tudo cartucho."
A próxima apresentação de Elomar Figueira
de Melo será no Rio, no dia 18 de março, no Centro Cultural do Banco do Brasil. É uma
das raras oportunidades de vê-lo, porque Elomar é um compositor de obra tão vasta
quanto gigantes são suas óperas. Ainda mais, acompanhado do filho João Omar, ao
violão. Não costuma fazer apresentações - shows, nunca, porque rejeita o
estrangeirismo incorporado à língua portuguesa. Continua a produzir como nunca, na
fazenda onde mora, às margens do Rio Gavião, no sul da Bahia.
Elomar é um viajante do tempo, das
culturas, das artes e das línguas. Já vasculhou tudo o que é sertão. Passou pelo
Piauí, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Goiás e, sobretudo, a Bahia. Em suas
óperas, exalta o retirante, os vaqueiros, o pedreiro dependurado numa corda, a moça que
procura os parentes sumidos na cidade grande, os índios, a miséria, os pobres, os
despossuídos, os desvalidos. Estes são seus heróis.
Trata-se de um fenômeno musical. Compõe
óperas e não músicas de consumo fácil. Embora não grave nada novo há tanto tempo, a
cada dia Elomar incorpora mais e mais jovens ao seu público, que vai ao delírio quando
ataca conceitos históricos de Brecht e de Maiakovski, que falam na necessidade de levar a
arte para o povão. Elomar rejeita essa idéia. Diz que não grava para o povão, mas para
um público pequeno, "porque o povão já tem milhares que produzem para ele".
A prosa de suas letras é toda escrita em
linguagem desconstruída - ou sertaneja, na sua versão. Mas, no debate com a platéia,
regressa à Grécia clássica, a Roma, exalta o latim de Cícero e Virgílio.
Desculpando-se por falar tanto, contou ter lido no original as obras de autores franceses
como Victor Hugo, Rousseau, Stendhal, Molière, e tantos outros. Pula do polígono da seca
para Jung e chega às teorias da física quântica.