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Leruaite bregoriano

05-06-2008

 

Falcão debutou. No Natal de 2003, completou 15 anos de carreira desde que passeou com um peru na Volta da Jurema, posando para a foto do cartaz de divulgação do show de estréia. Em entrevista, do alto de seus 1,93m, o menestrel de Pereiro confessa que frescou e admite que todo castigo pra corno é pouco

Ethel de Paula
da Redação

   Nadas a ver com humorista. Marcondes Falcão Maia, 47 primaveras, é cantor brega, a um passo da MPB. Tipo vocacionado para a esculhambação, manga dos outros, fresca consigo, mas não rasga dinheiro - que não é tudo, mas é 100%. Em 15 anos de carreira, joiado em seus paletós quadriculados com aplicações florais, o filho maior de Pereiro, interior do Ceará, brada do alto de seus 1,93m de altura que todo chifre tem seu valor. Não fosse ele próprio assumidamente chifrudo, o canto bregoriano jamais teria tomado de assalto o Brasil, chegando aonde houvesse fé e dúvida. Defensor da máxima ''quanto pior, melhor'', Falcão confessa que frescou: na infância, entre amigos, em cima do palco, em festas e rodeios. Seu oitavo CD sai ainda este ano, mas o popstar brega está sem gravadora. Não faz tantos shows como antes, vende algo em torno de 100 mil discos. Mas segue popular, bendito entre gaiatos. No próximo dia 30, faz show comemorativo no Pirata, com direito a valsa. Entre os convidados, o amigo Fagner, o ídolo Waldick Soriano e As Tigresas.

O POVO - Você nasceu em Pereiro, interior do Ceará. As presepadas começam por lá, ainda na infância?
Marcondes Falcão Maia - Fiquei em Pereiro até 11, 12 anos. Até hoje volto lá sempre que possível. É uma cidade diferente, em cima de uma serra. Não é verde mas faz frio. E na época em que morei lá dava pra fazer um time de basquete só com habitantes com mais de um metro e noventa. Eu sou um deles, tenho 1.93m. E como eu tinham outros. Quer dizer, no Ceará é uma coisa muito difícil. Tem muita gente grande lá. Até hoje não sei por quê. Pode ser a água (risos). Mas foi uma infância muito infantil mesmo, solto na buraqueira. Na época não tinha nem energia elétrica, então não havia interferência de nada de fora a não ser o rádio. E o resto era mato mesmo, correndo atrás de jumento (ri)... quer dizer, a intimidade era de longe mas sempre tive um apreço pelo animal (ri). Depois de 10, 12 anos é que soube que existia revista em quadrinho, carrinho de brinquedo manufaturado. Inclusive foi um baque na nossa família quando tivemos que sair de lá para vir morar em Fortaleza. Meu pai era farmacêutico da cidade e passou a ser caixeiro viajante. Mas acho que muito da esculhambação vem de lá, porque é uma cidade irreverente, quase todo mundo tem esse espírito sacana...

OP - Quem, em particular, você destacaria?
Falcão - Ah, meu pai, Zé Maia! É uma das pessoas mais sacanas de lá e até hoje é cultuado por isso. Era presepeiro. Por exemplo, a cidade só tinha lamparina e ele saía com a baladeira derrubando as lamparinas e deixando tudo no escuro. Todas as casas tinham quintais com galinha, porco, bode, carneiro, e, de madrugada, ele saía com os amigos e trocava os animais, pegava o porco de um e trocava pela galinha do outro, de manhã tava a confusão no mundo.

OP - Suas primeiras referências musicais vêm de casa?
Falcão - O meu pai foi quem apresentou música pra gente. Talvez fosse o único lá em Pereiro que tinha uma radiola, com uma coleção grande de discos, de gosto muito eclético. Já ouvia Waldick Soriano, Núbia Lafayete... Mas também música italiana, Nelson Gonçalves, Orlando Silva, esse pessoal todo. E através do rádio, lá pegava rádio do Sul, Rádio O Globo, Nacional, Tupi... ouvia Beatles e a Jovem Guarda. A gente curtia muito.

OP - Em Fortaleza você acaba cursando a Faculdade de Arquitetura. A relação com música começa na Faculdade?
Falcão - Com 15, 16 anos eu e meus irmãos já éramos autodidatas em violão. Nosso padrasto trouxe um violão pra dentro de casa, a gente começou a bater, começamos a conhecer as pessoas que tocavam violão no colégio Júlia Jorge, onde estudei, na Parquelândia, e, entre estes, estavam Tarcísio Matos, Tarcísio Sardinha... Costumo dizer que era um celeiro mesmo, porque tinha ainda Belchior, o maestro Gleidson, irmão do Sardinha, B.C. Neto... Mas só me tornei amigo e parceiro do Tarcísio Matos durante a faculdade, quando surgiu o jornal Sem Regras. Lá também tivemos um embrião de um grupo musical, o Bufo-Bufo. Era eu, Tarcísio, Flávio (Paiva), Eugênia Nogueira, Marta Aurélia, Assis Silvino, Marcos Fonseca, hoje músico da Orquestra Sinfônica da Paraíba. Fizemos muita música, nos reuníamos uma vez por semana, publicamos no jornal Sem Regras as letras e depois que fiquei famoso gravei algumas. Um tipo de música irreverente, mas que não era besteirol, tinha consciência política e tal. O Tarcísio e o Flávio queriam fazer uma coisa mais séria, mais MPB e eu esculhambava tudo, mudava a letra deles e os coitados entravam na onda.

OP - E o cantor brega Falcão, já surge aí?
Falcão - Com visual e tudo surgiu em 1988, quando fui me apresentar no Festival da Canção Bancária, que era no BNB Clube. Até então nunca tinha cantado em lugar nenhum. E como o Tarcísio era bancário e meu parceiro a gente se inscreveu. Foi a primeira vez que vesti uma indumentária bregoriana, a música era um bolerão brega. Me lembro que foi alguém da banda quem sugeriu a roupa brega. E causou um grande impacto, até porque todos cantavam aquelas músicas sérias de festival e a gente entrou com uma música totalmente doida, falando da igreja, eu sem saber cantar direito, com uma voz que não tinha nada a ver e um coral chamado Filhos de Maria. O júri todo deu zero, mas a platéia delirou e ficou aquela confusão quando saiu o resultado. Gritaram que era marmelada, quiseram quebrar mesa, aí tiveram que me chamar para fazer uma apresentação especial na final. Foi quando eu fiquei mais ou menos conhecido na cidade. Isso foi em outubro de 1988. Quando foi em dezembro foi que fiz o famoso show no Pirata que completou 15 anos agora. Era o Natal Brega. Um show na noite de Natal, exatamente à meia-noite. A idéia foi minha, do Júlio Trindade, dono do Pirata e do jornalista Rogaciano Leite Filho. Fizemos uma sacanagem, eu tinha que tirar uma foto agarrado com um peru, e o Tarcísio Matos, que trabalhava no Banco do Brasil, disse que o gerente dele criava uns perus. Pediu emprestado um pra gente fazer a foto do cartaz lá na Volta da Jurema. Arranjamos uma coleira e eu fiquei passeando com esse peru (risos). De repente, o peru fugiu no meio do povo... O Tarcísio: ''Rapaz, o peru do gerente! Não posso voltar sem esse peru!'' (risos). Ele ia perder o emprego mesmo se chegasse sem o peru. Correu atrás e, quando finalmente pegou, arrancou o rabo do bicho! (risos). O fato é que a gente prometia uma ceia com o peru depois de meia-noite... E teve. Mas eram perus da Sadia.

OP - É bom ser brega?
Falcão - A melhor coisa do nosso povo é a breguice, essa coisa autêntica de ser passional, apaixonado. Embora eu não seja muito romântico, sempre gostei dos bregas. Me apropriei disso porque percebi que era uma música fácil e, como eu não era músico, não podia fazer nada muito elaborado. Com relação às letras, tudo bem. Eu sou até letrado e meu parceiro Tarcísio é ainda mais letrado do que eu, então dava pra elaborar um pouquinho... Acho que esse é o segredo. E nós brasileiros devíamos assumir nossa breguice mesmo, porque é melhor do que tentar ser chique sem ser, né?

OP - Alguns críticos já o classificaram como filósofo popular. Você lê Filosofia?
Falcão - Não tenho muita disposição pra ler filosofia não. Claro que as orelhas desses livros todos eu já li, né? Karl Marx, Schopenhauer, Pascal, mas só pra esculhambar em cima. Às vezes a gente até usa nos encartes do disco o palavreado desses caras e o povo pensa que a gente leu mesmo. O Tarcísio talvez tenha lido mais do que eu, não sei... (ri) O que eu li e gosto de ler é Rubem Fonseca, Machado de Assis, José de Alencar... Aliás, compro livro quase todo dia, embora não leia todo, mas entro em toda livraria de aeroporto e vou lendo no avião. De Paulo Coelho a Audifax Rios. Por exemplo, tô lendo a biografia de Leonardo da Vinci, que era um cara como eu, multimidia (risos)...

OP - Como aconteceu o estouro nacional? Alguém deu um empurrãozinho?
Falcão - Fiquei de 1988 até 1990 fazendo show aqui, toda semana, sexta, sábado e domingo. Por isso me chamam de humorista, comecei na época em que começou a aparecer figuras como Meirinha, Rossicléa, Lailtinho, Ciro Santos e Paulo Diógenes. O Tom Cavalcante já tinha saído... E eu fiz muitos shows nos mesmos lugares que eles, o circuito era London, London; New York, New York; Pirata, as barracas da Praia do Futuro. O pessoal pedia muito para eu gravar um disco... E, quando lancei, em 1991, em dois meses já estava no Brasil todo. Beto Barbosa (cantor e dançarino de lambada), que na época tava fazendo aquele sucesso todo, levou meu disco pra Continental, a gravadora me chamou pra assinar contrato e aí comecei a fazer os programas de televisão todos em São Paulo. Fiz primeiro o Aqui e Agora, do SBT, um programa policial (risos). Foi assim: o Ciro Gomes era o governador recém-empossado do Ceará, ia a quase todos os meus shows e quando foi fazer inauguração de uma obra em Juazeiro do Norte me convidou para uma apresentação. Lá tinha um cara, o Bulhões, que era correspondente do Aqui e Agora. Ele filmou o governador discursando, eu cantando, e numa hora lá era nós dois cantando juntos, o Ciro gostava muito da música da Caixa Econômica. Colocaram aquilo no ar e foi um sucesso, o telefone não parava, era o pessoal pedindo pra reprisar... Foi aí que a produção do Jô Soares viu e me chamou. Eu nem era conhecido, mas quando terminou o programa que saí nas ruas em São Paulo todo mundo apontava: o cara que tava no Jô...

OP - Nessa época, falcão virou febre. Mas hoje, como está sua relação com o mercado e a mídia?
Falcão - Acho muito interessante porque embora passe um, dois, três anos sem gravar disco a mídia não me esquece. O pessoal de televisão sempre me chama, existe um namoro legal. Rádio não, nunca foi de tocar minha música. Agora, naquela época do estouro de ''I'm not dog no'' a gente lançou o disco Dinheiro não é tudo mas é 100% e o pessoal não acreditava naquilo! Depois as pessoas se acostumaram mais comigo. Mas sempre persegui uma estabilidade no sucesso, porque quem sobe muito cai rapidamente também. Hoje em dia, quando lanço disco, vendo uma média de 100 mil cópias. E já são sete discos lançados. O que mais vendeu foi o terceiro A Besteira é a Base da Sabedoria: 240 mil cópias. O mais recente foi um que lancei pela Somzoom, do Emanuel Gurgel. Não sei quanto vendeu, mas Do Penico à Bomba Atômica já não existe no mercado. Agora estou sem gravadora, mas deve sair um disco novo ainda este ano.

OP - Como começa a ode à cornagem? Tem um chifre memorável na sua história?
Falcão - Realmente teve um chifre que fiquei desnorteadinho, na época. Eu namorava com uma criatura lá pelas bandas da Barra do Ceará e levava a sério o negócio, batia ponto todo fim de semana. Mas aí peguei uma virose, passei um tempo sem ir. Quando voltei, bati palma na porta da casa e a mãe dela me disse: ''Você não soube não? Fulana casou''. Em 15 dias a mulher arranjou um noivo e casou! Aí comecei a deduzir: ''Pô, em 15 dias não tem condição, o chifre já vinha rolando...'' (risos).

OP - Por que cearense tem essa obsessão por chifre?
Falcão - Acho que é porque realmente rola um chifre grande aqui, não é só no Zé Walter não. Todo cearense gosta de brincar com esse negócio de corno. Tinha um cantor em especial que falava sobre isso muito bem, o Alípio Martins. Fazia um sucesso danado com as músicas de chifre: ''Lá vai ele, com a cabeça enfeitada...'' Até regravei essa. Houve um tempo em que era muito ruim ser corno, o cara partia pra vingança e tal... Mas graças a nós, principalmente Alípio Martins e Waldick Soariano, isso virou brincadeira, é muito comum. Conheço caras que vêm relatar o caso pra ver se dá pra fazer uma música... É coisa de cearense mesmo. No Sul, se você chamar o cara de corno dá briga mesmo. Aqui é mais evoluído nesse sentido. E a fama do Zé Walter acho que é porque foi um dos primeiros conjuntos habitacionais da cidade e era aquele negócio de dormitório, os caras iam trabalhar em Fortaleza, as mulheres ficavam sós durante o dia...

OP - Qual o valor de um chifre?
Falcão - Bom, quem vai ditar o valor é o portador, o hospedeiro (risos). Pra mim é algo inestimável. Por incrível que pareça, depois que passa toda aquela desilusão, raiva, desgosto, tal, o cara fica mais sensível, mais humano. O chifre pode ser um alerta também, pro cara decidir a vida dele... Eu, pelo menos, quando estou começando a ficar muito careta, muito triste, fico esperando um chifre pra reanimar. As pontas do chifre atraem energias cósmicas, ajudam até na criatividade... e quem quiser fazer essa música mais passional mesmo tem que ser chifrado. Por exemplo, Waldick Soriano, Roberto Carlos, esses caras não existiriam não fosse o chifre.

OP - Quais os mais famosos cornos do Brasil, aliás?
Falcão - Quando fui lançar o disco 500 anos de chifre pela Abril Music comecei a pesquisar. Descobri que o chifre veio de Portugal, porque os índios eram poligâmicos então não tinha sentido isso pra eles. E realmente Pedro Álvares Cabral não entendia nada de navio. Ele só pegou aquele emprego porque o Rei tava interessado na mulher dele, li sobre no livro do Eduardo Bueno e na internet. Qual foi a grande jogada do Rei, que estava dando em cima da mulher do Cabral? Afastar o mala. De Portugal pra cá foram dois meses de viagem. Então, quando ele pisou aqui já era corno. Foi o primeiro. Outro foi José de Alencar. Na verdade, a mulher dele era cortejada por Machado de Assis, por isso os dois nunca se deram bem. O Machado de Assis nunca teve filho com a mulher dele, mas segundo dizem, o filho da mulher do José de Alencar era do Machado de Assis (risos). Quem mais? Antônio Conselheiro, esse só foi o que foi por causa do chifre. Ele era um cidadão normal lá de Quixeramobim, igual ao Fausto Nilo, não tinha nada de santo, nem de beato. Até o dia em que a mulher dele fugiu com um soldado. O chifre foi tão violento que ele ficou meio perturbado, começou com essa história de que era o enviado... Pergunte ao Fausto Nilo que ele sabe. Aliás, pra quem não sabe, Fausto nasceu na mesma casa do Conselheiro. Tem até aquele jeito de corno, mas acho que não é não (risos).

OP - Euclides da Cunha é outro caso clássico e trágico, né?
Falcão - Euclides da Cunha todo mundo sabe. Inclusive foi assassinado pelo Ricardão, um corno muito injustiçado. Hoje em dia isso não aconteceria. Se ele ouvisse nossas músicas, soubesse de toda essa distensão em torno do chifre... (risos) Outro recém-descoberto é Lampião, ele sempre cruzando o rio São Francisco e numa noite vacilou e deixou Maria Bonita atravessar sozinha numa barca com um coiteiro. Aí, crau, dentro da canoa! O mais recente da história mundial foi o príncipe Charles. É o patrono dos cornos na atualidade! (risos).

OP - Você já frequentou cabaré?
Falcão - Cabaré não. Aliás, nunca fui muito boêmio. Bebo assim só pra dar uma satisfação à sociedade (ri). Mas tinha o Senadorzão aqui, que era famoso, cheguei a ir lá uma vez pra ver como era, levei meu violão e fiz uma festa até de manhã com as raparigas. E canto essa figura do raparigueiro justamente pra mostrar esse costume, o camarada ser raparigueiro no Ceará conta ponto pra ele. Tanto é que fizemos a música ''Profissional Raparigueiro''. Que enaltece o papel da rapariga na sociedade. (Canta): ''Desde o início da modernidade / nenhum povo viveu sem rapariga / ajudando o jovem a construir sua vida no sertão ou na cidade / por isso arranje logo uma rapariga / antes que se apaixone por sua esposa / seja homem forte, seja homem decente / respeite sua rapariga mais do que o presidente'' (risos). E tem o refrão: ''Raparigueiro eu sou / raparigueiro és / raparigueiro somos / Vós sois / Eles são''.

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