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05-06-2008
Do JC OnLine Morreu nesta quinta-feira o compositor e escritor Luís de França. O corpo do artista, que estava com 92 anos, foi velado nesta sexta-feira pela manhã e enterrado por volta das 11h no cemitário de Santo Amaro. Artista - Luís de França, que também era conhecido como Luís Boquinha, iniciou sua carreira ainda adolescente no bairro do Torreão, onde ganhou fama. Ele compôs músicas de sucesso, como Eu Vou Pra Lua, gravada por Ari Lobo, Jackson do Pandeiro, Genival Lacerda e Elba Ramalho. Outras canções conhecidas do compositor são Filho do Rico, gravada por Genival Lacerda, Mulher Peixão, que ganhou a interpretação da dupla Tonico e Tinoco, e o frevo Panorama do Folião. Além das músicas, Luís de França ainda escreveu 16 romances e os folhetos de cordel "O Caranguejo que perdeu a cabeça por causa da camarada" e "A Discussão de Luís Boquinha e Zé Henrique Alagoano". (© JC Online)História cantada em ritmo de coco por José Teles Aos 89 anos (noventa agora em 2000), o cantor e compositor Luís de França é o que se pode chamar de “testemunha ocular da história”, não apenas dos Carnavais, como da vida artística do Recife nos últimos 70 anos. A memória, que ele se queixa de estar fraca, é prodigiosa. Luís de França é capaz de cantar um coco que compôs na década de 20, louvando as maiores edificações da Capital Pernambucana na época: “Quando levantaram o prédio do Grande Hotel, com seis andares, ali em frente da pracinha, todo mundo só chamava de arranha-céu, aquilo causava admiração. Então fiz o coco Vinte prédios bonitos, que Nelson Ferreira sempre vivia me pedindo para gravar (ele canta, em seguida, o coco, fazendo o ritmo tamborilando com os dedos no braço da cadeira de balanço, onde se espalha). Relembrando os compositores do passado, cita Pedro Cego, do bloco Lira do Charmion, e faz uma revelação, que mexe com um ícone da música popular brasileira. Falava-se da prática comum, que perdura, com menor intensidade, até hoje, de se vender composição, e ele cita uma das mais conhecidas canções da MPB: “esta música, Carinhoso, aqui todo mundo conhecia o choro, que nem tinha nome, e que foi feito por Pedro Cego. Este Pedro Cego era um grande compositor, depois ele foi para o Rio de Janeiro, conheceu Pixinguinha e o choro dele acabou como Carinhoso”. Curioso é que Carinhoso, embora composta em 1917, segundo o próprio Pixinguinha, somente foi gravada, pelo intérprete Orlando Silva, em 1930. Coincidentemente, Pedro Cego mudou-se para o Rio de Janeiro em 1929) “Desde os seis anos que fiquei conhecido por Luís Boquinha. Um dia eu tava comendo umas bananas e coloquei duas de uma só vez na boca. Então, os colegas me apelidaram assim, eu quis brigar, mas não adiantou”. Música, Luís Boquinha começou a fazer com sete anos, na base do improviso: “Eu ficava sentado, lavando os pés numa bacia e danava a cantar. Mamãe não gostava porque eu descobria os podres dos vizinhos”. Autor de cerca de 500 composições, a maioria inédita (que ele teve a precaução de registrar em fitas cassetes), Luís de França incursionou por todos os gêneros, mas a marcha, assim ele chama o frevo-de-bloco, e o coco são a maioria de sua obra. Panorama de folião, uma de suas marchas mais conhecidas, composta para o clube Inocentes do Rosarinho, foi campeã num concurso em que o segundo lugar ficou com Valores do passado, de Edgar Morais: “Eu ganhei, mas se fosse votar, votava na marcha de Dega, que eu achava mais bonita do que a minha”, admite, modesto. Luís Boquinha não tem modéstia é na sua perícia como improvisador de coco: “Eu era capaz de fazer um coco por quatro horas, sem parar nem repetir um verso”, garante. Os olhos já quase não vêm, mas a memória compensa a deficiência. HISTÓRIAS – Ele viaja no tempo. Vai do bairro de Cajueiro, onde vive, para a bucólica Olinda, de 1930, no dia em que João Pessoa foi assassinado: “Fui para Olinda e encontrei um pessoal numa roda de coco. Naquele tempo, o cantador de coco precisava tirar licença na polícia. Então a gente tava na roda quando apareceu o delegado Zé Alves. Ele disse que dava o consentimento para o coco continuar se eu improvisasse sobre a morte de João Pessoa. Eu fiz na hora: Mataram covardemente o maior homem do Brasil/ A Paraíba de loa, cobriu-se toda de luto/Pela sombra do teu vulto, adeus João Pessoa". Contemporâneo dos lendários blocos Apois Fum, Bobos na Folia e Pirilampos de Tejipió, Luís Boquinha fez marchas para vários deles. O Magnólia, ele conta que, só de marcha-regresso, teve seis composições de sua autoria. Raras delas no entanto chegaram ao disco, já que poucos compositores pernambucanos conseguiram, na época, serem gravados. O Bode de brederode foi a primeira música de Luís França registrada em disco, já na era da Rozemblit, e ele acabou sendo mais conhecido como autor de meio de ano, sobretudo pelas músicas que fez para Ary Lobo: “Ele era um monopólio danado, não deixava ninguém gravar coisas minhas. Tem um disco de Ary, na RCA, que tem sete músicas minhas. Tem Vou pra lua, Padrinho Cícero, Mulher da saia justa, Cosme e Damião, Baião do Acre...” Vou pra lua (“Eu vou pra lua/ Mamãe eu vou morar lá/Vou no meu Sputnik, no campo do Jequiá”) foi a música que mais lhe rendeu direitos autorais: “Até hoje recebo um dinheirinho dela. Foi gravada por Genival Lacerda, na Mocambo, mas o sucesso foi de Ary Lobo”. (© JC Online, 13.03.2000) Saudades dos Carnavais de outrora Marceneiro, civil, da base aérea por 35 anos, Luís de França ainda conseguia tempo para participar de programas de rádios, que o tornaram bastante popular no Recife, nas décadas de 50 e 60. Um dos seus quadros de maior audiência foi o Reportagem do Dia, na Rádio Clube, em que ele criava um coco em cima do assunto do momento. Luís de França aliava a arte do improviso a um impagável senso de humor. Antônio Nóbrega, recentemente, gravou a divertida Mulher peixão, música de França que havia sido gravada, no início dos anos 60, por Osvaldo de Oliveira e pelo comediante Lilico. Hilário mesmo, e praticamente desconhecido, é o coco O cachorro tarado, lançado, sem repercussão, por Ivan Ferraz, na Mocambo, e merecedor de uma nova (e imediata) gravação. Luís Boquinha, do alto das suas nove décadas, esbanjou ritmo cantando as peripécias do endiabrado cachorro. O Carnaval atual, o velho folião não vê e nem gosta: “Dos blocos, o melhor é o da Saudade, mas no coro tem só tem umas 30, 40 moças, enquanto antigamente eram umas duzentas, trezentas mulheres cantando. Carnaval de hoje é muita apelação, o pessoal só quer pular. Antigamente era que se fazia passo. Este Nascimento do Passo, que ganhou título de cidadão do Recife e um bocado de coisa, não chega nem à metade de Sibila, que jogava futebol e era gazeteiro. Nem Sibila, nem Zé Burrão. As notas da música, eles faziam com o pé. Aquilo é que era passo”. Mesmo se desculpando pela ‘memória fraca’, ele poderia discorrer durante horas sobre os áureos tempos do rádio pernambucano, sobre as batalhas que aconteciam quando se encontravam Vassouras e as Pás (“sempre ficavam pelo menos uns três no chão”); jingles políticos (“Cordeiro é o homem do povo/ Salvação de Pernambuco/Que precisa sangue novo/Este grande brasileiro/Que tem nome de cordeiro e coragem de leão”, para a campanha de Cordeiro de Farias a Governador); músicos dos anos 30, como Antônio Sapateiro; noitadas cariocas com Nelson Cavaquinho. O curioso nisto tudo é que Luís Boquinha parece ter sido ‘deletado’ da história da música pernambucana. Para receber as merecidas homenagens, como aconteceu com o Mestre Salu, ele precisa ser redescoberto pela turma do manguebeat? (© JC Online, 13.03.2000)
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