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Cantora baiana lança primeiro DVD ao vivo, com o qual registra o carnaval de rua de Salvador Vagner FernandesSALVADOR - Daniela Mercury é filha de Oxalá, mas, desde que pôs a voz, há dois anos, a serviço de Maimbê Dandá, de Carlinhos Brown, não consegue deixar o palco (ou o trio) sem saudar as crianças, como num ritual de candomblé, cantando os versos Corre, Cosme chegou/ Doum Alabá/ Damião Jaçanã/ Pra levar e deixar/ Alegria de Erê/ É ver gente sambar. O público pede, implora, e Daniela, óbvio, canta. E dança. - Eu não tenho problema com isso, porque no sincretismo religioso tudo remete a Jesus, então está tudo certo. Como brasileira e baiana, o sincretismo sempre esteve presente na minha vida. Eu tenho uma admiração muito grande pelo candomblé. É uma religião em que os santos dançam e eu sou bailarina. Acho lindo culturalmente o candomblé, que originou, inclusive, muitos ritmos - ressalta Daniela, que, às vésperas do carnaval, coloca no mercado o DVD Baile barroco, um registro da folia baiana sob a perspectiva de quem está em cima do trio. Produzido em parceria com a TeleImage, o DVD traz imagens em alta-definição, captadas por oito câmeras, durante o carnaval do ano passado. E, nele, estão episódios curiosos, como o encontro da cantora com Luiz Caldas e o dueto com Gilberto Gil, em pleno desfile do trio elétrico, quando este passava em frente ao Camarote Expresso 2222. O cantor e ministro da Cultura soltou a voz em Vamos fugir, da varanda do seu camarote. Daniela, extasiada, o acompanhou do trio. Outro registro interessante: a cantora, que gosta mesmo de uma novidade, lançou mão do experimentalismo e pôs um piano em cima do trio para que o virtuose Ricardo Castro pudesse evoluir O trenzinho do caipira, de Villa-Lobos, e o Prelúdio nº2 BWV 847 em dó menor do Cravo bem temperado, de Bach. A proposta causou certa polêmica Brasil afora. Os defensores das tradições do carnaval baiano acusaram-na de querer ''elegantizar'' o popular. Chamaram Daniela de arrogante, má fama, aliás, com a qual ela tem convivido há anos devido ao gosto musical depurado. - Alguns não compreenderam bem. Mas, no geral, todos gostaram. Foi uma oportunidade de apresentar o clássico a milhões de pessoas reunidas num mesmo lugar, em uma das maiores festas populares do mundo. Que mal há nisso? Se invisto sempre no samba-reggae, dizem que sou repetitiva, ''axezeira''. Se parto para a MPB como fiz no Clássica (CD/DVD gravado em 2004 com repertório que ia de Tom Jobim a João Bosco) me acusam de prepotente. Se flerto com a eletrônica (CD Carnaval eletrônico), me lançam pedras, afirmando que estou perdida. Eu sou uma cantora de música popular brasileira e tenho o direito de experimentar. Não sou acomodada. Tenho atitude e sei o que quero. As pessoas têm o direito de não gostar, como a Pitty, por exemplo. Ela declarou que não gosta de axé. Eu gosto de rock. E daí? - defende-se. É fato e não há como negar. A maior parte da intelectualidade brasileira torce o nariz para Daniela Mercury. Estigmatizaram-na como a rainha da axé music, um gênero, na verdade, que críticos e até os próprios intelectuais não sabem definir com precisão, mas que pode ser compreendido como uma mistura de bases percussivas (influência dos blocos afros) com guitarra elétrica (reminiscências de Armandinho, Dodô e Osmar), muitos teclados e uma melodia e encaminhamento harmônico que se repetem, repetem, repetem. Uma chatice aos olhos dos puristas. Um ótimo investimento para as gravadoras que apostam em artistas deste segmento. Desde que estourou com seu Swing da cor, no início da década de 90, Daniela já vendeu mais de 10,5 milhões de discos, o que a coloca no ranking dos artistas brasileiros mais consumidos no mundo. Ainda assim, continua a carregar a pecha de cantora que pôs as coisas fora de ordem na Bahia (e no Brasil), subvertendo a música verde-e-amarela, abrindo as portas para uma espécie de ''lixo musical'' propagado por artistas e grupos que estouraram do Oiapoque ao Chuí, como Netinho, Banda Eva (então com Ivete Sangalo), Banda Beijo e, mais recentemente, Babado Novo e Jamil. Neste universo musical baiano em que, pelo menos, quatro mulheres estão no front-row, as comparações são inevitáveis: Daniela seria melhor do que Ivete, que seria melhor do que Margareth Menezes, que seria melhor do que Cláudia Leite, a vocalista do Babado Novo. Mas aí entra o xis da questão. Ivete se rendeu, dos pés à cabeça, passando pela voz, claro, ao marketing estratégico (seu mais recente CD, As supernovas, vendeu de cara 650 mil cópias, porque destes a Avon comprou 500 mil). Margareth corre por fora com sua música mais voltada para o resgate da sonoridade afro-brasileira. Cláudia Leite é a principiante e Daniela, a inovadora, que rompe com os estigmas e mergulha em projetos tão díspares quanto instigantes. De todas, é, sem dúvida, a que mais se arrisca na carreira. Tanto que seu mais recente CD, Balé mulato, lançado em novembro do ano passado, só agora chega próximo da marca das 100 mil cópias. Um ótimo número em tempos de pirataria desenfreada, mas que fica aquém das cifras de álbuns anteriores. Música de rua (1994) e Feijão com arroz (de 1996, com sotaque mais pop), por exemplo, venderam, juntos, cerca de um milhão de cópias e emplacaram uma série de hits: Tem amor, O reggae e o mar, Nobre vagabundo, Rapunzel. Em Balé mulato, produzido por Ramiro Musotto e Alê Siqueira, Daniela resgata Meu pai Oxalá (Toquinho e Vinicius) e apresenta uma versão em samba-de-roda de Aquarela do Brasil (Ary Barroso), duas das 21 canções incluídas no repertório de Baile barroco. - Essas histórias são assim mesmo. Não posso ficar dependendo do trabalho da gravadora X, Y ou Z. Por isso, atualmente, decidi ser dona de meus próprios fonogramas e produzir meus discos de forma independente. A gravadora agora só distribui. Eu ralo muito. Faço shows no Brasil, vou para a Europa, Estados Unidos. Eu trabalho, coloco a mão na massa de verdade - conta. O DVD mostra um pouco isso, traçando um panorama da trajetória da artista. No making of, por exemplo, Daniela narra alguns dos sabores e dissabores da profissão, da batalha pelo estrelato. E, como não poderia deixar de ser, traz de volta canções que a ajudaram na consolidação da carreira, como Ilê pérola negra e Canto da cidade, além de Olha o Gandhi aí, música que estourou na folia baiana de 2005 e acabou sendo eleita a melhor do carnaval de Salvador. - A verdade é que não vou me render ao marketing, apesar de saber de sua importância na carreira de um artista. Não posso me vender ou negociar a minha arte, ainda que tenha de pagar um preço alto por isso. Não vou cantar Pirimrimpompom (música do grupo Um Toque Novo, um dos difusores do gênero Arrocha, verdadeira febre na Bahia). Não faria bem isso. Ivete cantou recentemente no Festival de Verão. Mas Ivete é Ivete. Eu sou eu. Da mesma forma, não cantaria funk. Não gosto da erotização da dança e da vulgaridade das letras, embora também não me identifique com certos grupos de pagode da Bahia que exploram esta vertente - frisa Daniela, que, perguntada se subiria ao palco ao lado de Tati Quebra-Barraco, encerra o assunto de forma categórica: - Não. Não subiria, não. Microfone e a claquete na mão Daniela Mercury dá uma pausa na correria da preparação para o carnaval e fala com exclusividade para a ÉPOCA ONLINE. Ela conta detalhes sobre seus desfiles e afirma que a festa mais popular da Bahia não é feita para a elite Danilo Casaletti Foto: Márcia Tavares/Quem
Ela está em pique total. Definição de repertório, ensaio, prova de roupas e uma maratona de entrevistas tomam todo o tempo de Daniela Mercury, uma das mais importantes representantes do carnaval baiano. Disputando a preferência do público com Ivete Sangalo e Cláudia Leite (Babado Novo), Daniela se prepara para fazer uma festa diferente para os foliões que vão acompanhar os blocos Crocodilo e Expresso 2222 e para centenas de convidados que irão passar pelo seu badalado camarote. A inovação começa com a escolha do tema para seus desfiles: o Cinema Brasileiro. Durante as 30 horas em que passará cantando - cerca de 6 horas seguidas por dia - Daniela vai homenagear a nova safra de filmes nacionais, o Cinema Novo, a obra do cineasta Bruno Barreto e os filmes de Carmem Miranda. Tudo isso estará representado no repertório - canções que fizeram parte da trilha sonora dos filmes - nas fantasias que ela usará, nos abadás dos blocos e na decoração de seu camarote. Ela ainda receberá convidados como Toni Garrido e Cláudia Leite para dividir o vocal de algumas canções. A baiana promete inovar também na parte musical. Daniela comandará, na segunda-feira de carnaval, um trio que contará com a participação da banda Afrosudaka. A idéia da cantora é inovar um estilo que ela vem apresentando há 6 anos: a mistura do axé com a música eletrônica. 'Já que o Fat Boy Slim vem tocar por aqui neste carnaval, eu resolvi criar um novo conceito', explica Daniela revelando que O DJ e a banda farão as intervenções eletrônicas ao vivo durante o desfile. Em uma entrevista exclusiva, Daniela Mercury conta as surpresas que seus fãs vão encontrar em seus desfile, fala sobre a correria que é sua vida durante os dias que antencede o carnaval e nega que o carnaval baiano seja uma festa só para a elite. Confira! PREPARAÇÃO PARA O CARNAVAL 20 ANOS DE TRIO ELÉTRICO HOMENAGEM AO CINEMA BRASILEIRO Sexta-feira (24/02) - Faço uma participação no trio do Gilberto Gil e sigo no trio dele, o Expresso 2222, até o meu camarote. Lá vou homenagear os novos filmes do cinema nacional: Cidade de Deus, Central do Brasil, Eu, Tu, Eles, Lisbela e o Prisioneiro e muitos outros, cantando a trilha desses filmes. Toda decoração do camarote será inspirada nessas obras. Sábado (25/02) - É o dia da 'pipoca' (desfile grátis) e dia de
homenagear Bruno Barreto e filmes feitos a partir da obra de Jorge
Amado. Vou estar fantasiada de Dona Flor e Cláudia Leite - do Babado
Novo - vai estar junto comigo vestida de Gabriela. Só não sei ainda quem
serão os meus dois maridos. Não estava pensando em me casar agora, mas será
amor de carnaval (risos).
Domingo (26/02) - No bloco Crocodilo, eu homenageio Cacá Diegues e relembro filmes como Bye, Bye Brasil, Xixa da Silva e Orpheu do Carnaval. Toni Garrido vai participar e virá vestido do Orpheu. Eu estarei vestida de Xica da Silva e cercada de celebridades e artistas que estarão no meu trio caracterizadas como personagens dos filmes de Cacá. Segunda (27/02) - Será a vez do Cinema Novo de Glauber Rocha e filmes com temáticas nordestinas. Aparecerei vestida de Maria Bonita e vou receber nesse dia a banda Afrosudaka, um grupo novo que está fazendo um trabalho de música eletrônica 'misturado' com percussão. Vamos fazer algo totalmente novo. Será um trio 'eletropercussivo'. A base eletrônica será construída ao vivo, com total liberdade. O DJ também fará interferências. Já que o Fat Boy Slim vem fazer neste ano o que já venho fazendo há 6 anos, eu resolvi mudar, inovar. Terça-feira (28/02) - Neste dia eu estarei vestida de Carmem
Miranda e vou homenagear a chanchada, Oscarito, Grande Otelo,
Emilinha, Marlene, todo o pessoal do rádio que nessa época
participava dos filmes da Atlântida e Vera Cruz. Eu nunca me vesti de
Carmem. Estou muito animada! É lógico que não vou perder a oportunidade de
cantar músicas dela.
TRIO ELÉTRICO NA COPA DO MUNDO |
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