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Zeca Baleiro homenageia Sérgio Sampaio

Sérgio Sampaio no traço de Batistão

Zeca Baleiro recuperou músicas perdidas de Sérgio Sampaio, o mais “maldito” dos artistas da MPB dos anos 70. Comparando-se com Sampaio, Raul Seixas se considerava careta

JOSÉ TELES

Se há um músico brasileiro que merece o adjetivo “maldito” é o capixaba Sérgio Sampaio. Descoberto por Raul Seixas, em 1972, Sampaio emplacou seu único sucesso nacional, com Eu quero botar o meu bloco na rua. Além de um álbum com Raul Seixas, Miriam Batucada e Edy Starr, ele fez um compacto de dois LPs. Problemas pessoais, mau relacionamento com gravadoras, escantearam Sérgio Sampaio para a margem do show business. No início de 1994, ele pretendia gravar Cruel, seu primeiro CD, pelo selo paulistano Baratos & Afins. Em maio, Sérgio Sampaio morreu em conseqüência de uma pancreatite.

Em 1997, Zeca Baleiro foi um dos artistas que participaram do CD-tributo Balaio do Sampaio. Sérgio Natureza (amigo e parceiro de Sérgio Sampaio) passou para Baleiro um cassete com oito composições inéditas para que ele escolhesse uma para gravar. Zeca Baleiro preferiu cantar Tem que acontecer, que dá nome ao segundo LP de Sérgio Sampaio. A participação no disco fez com que ele fizesse amizade com Ângela, ex-mulher, e João, filho de Sérgio Sampaio. Dela recebeu a fita original do disco que o artista deixou incompleto.

Fã de Sampaio, que conheceu quando ainda vivia em São Luís (pediu-lhe uma entrevista para uma revista que ajudava a editar), Zeca Baleiro saiu em busca de canções perdidas do ídolo. Nos arquivos de Ângela encontrou velhos cassetes, quase inutilizados. Deles conseguiu resgatar outras 12 músicas. Mais uma canção foi descoberta. Estava na entrevista que Sérgio Sampaio enviara para a revista, e que continuava inédita (o cantor demorou a responder, e a revista saiu sem a entrevista). Uma canção chamada Maiúsculo, gravada na casa da mãe de Sampaio, em Cachoeiro do Itapemerim (mesma cidade de Roberto Carlos).

Resumo: 14 dessas canções inéditas de Sérgio Sampaio foram restauradas, instrumentos foram adicionados, e, produzido por Zeca Baleiro, Cruel, o terceiro álbum de Sérgio Sampaio, finalmente chega às lojas, pelo selo Saravá Discos, criado pelo próprio Baleiro.

DISCO – As canções deste CD são as mais bem-acabadas de Sérgio Sampaio, que em suas composições dos anos 70 fazia uma espécie de tropicalismo defasado (influência que se estendia à sua forma de cantar, muito em cima dos maneirismos de Caetano Veloso). Harmônica e melodicamente ele também havia evoluído da simplicidade dos acordes perfeitos das primeiras composições.

O que permaneceu foi a poesia contundente, inquieta e confessional: “Eu vejo mofo verde no meu fraque/e as moscas mortas no conhaque/que herdei dos ancestrais/e as hordas de demônios quando eu durmo/infestando o horror noturno/dos meus sonhos infernais”, versos de Roda morta, que denunciam suas leituras dos Rimbaud, Baudelaire e Augusto dos Anjos.

A produção é muito boa, deixa o cantor e seu violão bem na frente, e os instrumentos adicionados, colorindo as canções com sutilezas (tocam entre outros, Bocato, Marcos Sacramento, Tuco Marcondes e Lui Coimba). Não esperem os que cultuam Sérgio Sampaio a facilidade de uma Meu bloco na rua (feita para o Festival Internacional da Canção de 1972). As melodias são discretas, dividindo-se entre baladas, Em nome de Deus, ou sambas cadenciados, Polícia, bandido, cachorro, dentista (uma das melhores faixas do disco).

Algumas canções têm som precário, Zeca Baleiro ressalta no encarte o valor documental deste lançamento. Uma destas é Cruel, a faixa-título. Porém a maioria é de boa qualidade, e aponta para um artista que atingiu a maturidade artística, porém tardiamente, numa época em que, mesmo que não vivesse à margem da sociedade, a indústria do disco mudou tanto que dificilmente ele conseguiria novamente a fugaz popularidade que desfrutou há 34 anos.

(© JC Online)


Ele lutou contra o sucesso

Sérgio Sampaio foi o maldito dos malditos da MPB. Diante dele, Raul Seixas, o Maluco Beleza, considerava-se careta. Foi, aliás, o próprio Raul, quando era produtor da CBS, que apostou no talento daquele capixaba magérrimo, que havia saído, em 1967, da casa dos pais, em Cachoeiro do Itapemirim, para tentar a carreira artística no Rio de Janeiro. A desenvoltura e uma voz clara e bem-empostada renderam-lhe alguns bicos como locutor de rádio. Mas nada que durasse muito tempo.

Sem dinheiro, alimentava-se como podia, e dormia onde fosse possível. Debaixo de viadutos, marquises, em casas de travestis, em aparelhos de militantes de esquerda, em covis de bandidos. Raul Seixas salvou-lhe, literalmente, a vida. Sérgio Sampaio o conheceu quando foi à CBS tocar violão numa gravação de Odibar (um dos pioneiros do Black Rio, e parceiro de Paulo Diniz). Raul Seixas não apenas ofereceu um contrato de gravação a Sérgio Sampaio como o hospedou em sua própria casa.

MAR REVOLTO – Na biografia Eu Quero é Botar Meu Bloco na Rua, do músico e pesquisador carioca Rodrigo Moreira, Sampaio fala deste período atribulado: “Nessas condições você torce para que haja um velório na casa de um conhecido só para ter um lugar para passar a noite. Várias vezes me aconteceu de estar num bar e as pessoas irem saindo, uma por uma, e o garçom me pedir licença para fechar. Essa é uma das barras mais tristes que podem acontecer a qualquer um”.

O compacto produzido, em 1971, por Raul Seixas, com Coco Verde e Ana Juan, não emplacou. Raul Seixas arriscou seu estável cargo na CBS (atual Sony Music) para produzir o álbum Sociedade da grã-ordem kavernista apresenta sessão das dez.

O disco trazia ele, Sérgio Sampaio, Miriam Batucada e Edy Starr. A ousadia irritou os diretores da CBS e custou o emprego a Raul Seixas. Sérgio Sampaio chegaria finalmente ao sucesso, na Phillips (atual Universal), com a marcha-rancho Eu quero botar o meu bloco na rua, defendida no Festival Internacional da Canção, de 1972. Foram 500 mil compactos vendidos, e o estrelato imediato.

SEM GRANA – O dinheiro que ganhou com esta música ele deixou escorrer pelo ralo. Continuou a freqüentar os pardieiros decadentes da Lapa e a consumir álcool e cocaína em doses cavalares: “Naquela época as coisas estavam tomando rumos que eu não queria: muito sucesso, muita televisão, muito São Paulo. Eu estava preocupado com o meu tempo. Sou um compositor intuitivo, que faz músicas que falam da minha sensibilidade com relação às coisas da vida. E eu estava sem tempo para sentir e, obviamente, para compor. Fui embora para o Espírito Santo, largando tudo. Fiquei lá por um tempo, me casei e um dia voltei a fim de reestruturar todas as coisas”, explicou-se Sérgio Sampaio, numa entrevista ao extinto Jornal de Música, em 1976.

Não apenas drogas e bebida, mas as pressões que recebeu levaram o frágil Sérgio Sampaio voltar para a casa dos pais. Em 1973, a indústria fonográfica ansiava por novos ídolos. A imprensa tentou ungir Sérgio Sampaio como sucessor do conterrâneo Roberto Carlos. Na revista Contigo saiu uma foto de Roberto Carlos com a frase: Sérgio Sampaio é meu sucessor, “Nem Roberto disse isso, nem tampouco houve isso da minha parte. Nunca imaginei uma coisa dessas, porque o que Roberto canta é totalmente diferente do que eu canto”, comentou Sérgio Sampaio na entrevista concedida ao jornalzinho maranhense de Zeca Baleiro.

Depois do segundo LP, as gravadoras colocaram o cantor na geladeira. Ele só lançaria o terceiro álbum dez anos depois do primeiro sucesso. Sinceramente, de 1982, passou despercebido. Sérgio Sampaio saiu de cena. Na época que decidiu voltar a gravar vivia quase anônimo em Salvador. Era cultuado, mas não se enturmava, “Nunca fui pessoa de grandes grupos, de grandes rodas, nunca estive dentro, sempre estava perto”, definiu-se na citada entrevista a Zeca Baleiro. (JT)

(© JC Online)


Disco em Questão

Ode descontínua e remota.../ZECA BALEIRO

No princípio era a mulher

Como a Criação descrita no Gênesis, o disco que cristaliza a parceria entre o cantor e compositor Zeca Baleiro e a poetisa Hilda Hilst - que morreu em 2004, quando os poemas de seu livro Júbilo, memória do noviciado da paixão, já musicados, estavam sendo gravados - também teve seu início no verbo. O verbo profundamente feminino de Hilda ganhou vida na voz das dez cantoras convidadas por Zeca, que traduzem de forma precisa a dor de Ariana e Dionísio, personagens da delicada história de amor imaginada pela poetisa. O compositor soube recriar melodicamente a essência trovadoresca contida nos poemas, que invertem a tradição medieval segundo a qual é o homem quem canta o amor à musa. Dentre as excelentes interpretações, o canto de Maria Bethânia, Angela Ro Ro, Ângela Maria, Zélia Duncan e Ná Ozetti elevam as canções a um patamar que excede os limites da literatura e da música. A junção de todos os elementos contidos no álbum é a celebração de uma arte para ser lida e ouvida. (Nelson Gobbi)

Poética Baleiro-Hilda

A criação de uma poética, da lógica autoral de um poeta, pode seguir caminhos curiosos. Ode descontínua e remota para flauta e oboé de Ariana para Dionísio não é um disco de Zeca Baleiro, nem uma coleção de poemas de Hilda Hirst. Tampouco é uma coleção de canções com grandes cantoras. É uma poética, um sistema. Não só porque, juntos, Hilda e Baleiro conseguiram uma armorialidade que a poética moderna dela não permitia prever (por mais que seja grega a ambientação de seu poema), algo igualmente raro no pós-modernizante compositor. É mais pela singularidade do diálogo entre voz, composição musical e palavra. A análise do funcionamento próprio dessa poética, claro, aqui não cabe. Por agora, então, observações, como dizer que a existência de um sujeito-destinatário – Dionísio, o que poderia dar tom monocórdio à seqüência – produz um efeito dialogal, dramatúrgico, chave para a musicalidade com que Baleiro tratou os belos poemas de Hilda. Provas? As canções II, com Verônica Sabino; III, com Maria Bethânia; e V, com Angela Ro Ro. (Alexandre Werneck)

(© JB Online)

Com relação a este tema, saiba mais (arquivo NordesteWeb)


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