|
Os maestros Duda (à
esquerda) e Spock
|
Duda, Cléber Silva e Fábio César comandam
orquestras na folia reverenciando o passado e
abertos a transformação do ritmo pernambucano
José Teles
teles@jc.com.br
Na década de 90, temia-se que o frevo fosse sofrer
solução de continuidade pela aposentadoria de
grandes maestros como Clóvis Pereira, Guedes
Peixoto, Mário Mateus e Zé Menezes. Mas eis que
surgiu Inaldo Cavalcanti, Spok, mexendo e dando
maior visibilidade ao frevo, com uma roupagem
ousada, com arranjos que permitiam que as
composições, sempre executadas visando à dança,
fossem degustadas como música de câmera, num teatro.
Em seguida, surgiu Francisco Amâncio, o maestro
Forró, da Orquestra Popular da Bomba do Hemetério,
mesclando frevo, com jazz, coco ou samba.
Spok e Forró não são os únicos que formam a nova
geração de maestros comprometidos com o futuro do
frevo. Pelo menos dois deles têm o mesmo objetivo:
Fábio César, da Orquestra Raízes Pernambucanas, do
Vasco da Gama, e Maestro Dudinha, da Dudinha
Orquestra. Pode-se acrescentar à dupla, o
trombonista, da Spokfrevo Orquestra, Cléber Silva,
que está levando o frevo às ruas, no Bairro do
Recife e em Boa Viagem.
Fábio César, tem 35 anos de idade, e 22 de música.
Como quase todo mundo de sua geração passou pela
escola do maestro Duda e Ademir Araújo, e foi
companheiro do maestro Spok, no Quarteto
Pernambucano de Sax. Embora ainda relativamente
pouco conhecida, a Orquestra Raízes Pernambucanas
existe há 14 anos, tem até disco gravado, com frevos
inéditos, compostos por associados do Museu de
Música Carnavalesca de Pernambuco. O “raízes” no
nome da orquestra não está ali por acaso: “A gente
toca o autêntico frevo pernambucano. A inovação que
fazemos é repetir o que acontecia antigamente.
Percebi que a gente estava perdendo aquela tradição
do frevo no chão. Então descemos do palco e tocamos
no meio do povo, com uma ótima resposta do público”,
diz Fábio César.
O repertório da Orquestra Raízes Pernambucanas
capricha nos compositores do período, digamos,
clássico do frevo-de-rua: Levino Ferreira, Zumba,
Antônio Sapateiro, João Santiago, Alcides Leão:
“Considero Nelson Ferreira um grande compositor de
frevo-de-rua, mas também toco compositores mais
novos, autores de belos frevos como Nilson Lopes ou
Beto do Bandolim”.
Para o maestro, o frevo-de-rua Transcendental, de
Cláudio Almeida (vencedor do festival Recife frevoé,
de 1996), é equivalente em importância a Divisor de
águas, do maestro Zuzinha: “Se Divisor de águas
marca a passagem da marcha-polca para a
marcha-frevo, Transcendental divide o frevo
tradicional do frevo moderno e me orgulho de ter
tocado na gravação deste frevo com a orquestra de
Duda”, elogia.
Fábio César trabalha durante o ano com banda de
música, está apresentando com sua orquestra uma
história dos 100 anos do frevo, todas as
quarta-feiras, às 19h, no Pátio de São Pedro.
HERDEIRO
No ano passado, o maestro Duda, convidado por
Carlinhos Brown, tocou no Carnaval de Salvador. Foi
a deixa para seu neto, Bruno, 28 anos, reger a
orquestra do avô, na qual toca trompete. “Dudinha”
não e limitou a tocar o repertório de Duda, mesmo
que confesse se preocupar em manter a tradição:
“Empreguei uma linguagem nova, com releituras dos
clássicos, incrementando a instrumentação com
efeitos de teclados, e outros ritmos nossos, como o
coco”.
Dudinha preparou também um arranjo para um
pot-pourri de composições de Chico Science,
lembrando os dez anos da morte do cantor: “Fiz uma
seleção de músicas conhecidas dele, como A praieira,
Manguetown e Da lama ao caos, e saímos um pouco do
frevo, com os músicos usando aquele chapeuzinho de
Chico, e a percussão com alfaias”, continua Bruno,
afirmando que o maestro Duda aprovou a heresia, de
“Dudinha”.
Bruno pegou o apelido Dudinha do avô, que compôs um
frevo-de-rua. “Senô fez Duda no frevo, e ele fez pra
mim Dudinha no frevo, uma música que está no
repertório orquestra que formei – a Dudinha
Orquestra. Filho de Nino, que também é nome de frevo
de Duda, Nino o pernambuquinho, “Dudinha” é cunhado
do maestro Spok, em cuja orquestra foi trompetista.
Cléber Silva, 32 anos, não exerce ainda a profissão
de maestro, pelo menos no sentido tradicional. Toca
trombone na Spokfrevo Orquestra, integra a
Trombonada, de Nilsinho, e toca, sempre que
convidado, com Silvério Pessoa, Elba Ramalho,
Antonio Nóbrega, Alceu Valença, Calypso. O que ele
tem feito é, simplesmente, levar o frevo para a rua
e praias da Zona Sul do Recife, para os turistas no
Marco Zero pela manhã. “A gente foi contratado pela
prefeitura. E estou achando um projeto bem
interessante apresentar o frevo às pessoas de fora.
Pega, por exemplo, um grupo de turistas do Rio
Grande do Sul, e faz um arrastãozinho com eles.
Ficam todos abestalhados depois”, diz Cléber.
O repertório é didático, formado por frevos bem
óbvios, Vassourinhas, Cabelo de fogo, É de tirar o
sapato, o Hino do Galo da Madrugada. Músicos, apenas
nove (dois trombones, dois trompetes, um sax tenor,
um alto, surdo e caixa). O sucesso, principalmente
entre os turistas tem sido tão grande, que já
aconselharam que Cléber continuasse o projeto mesmo
sem patrocínio: “Depois que a gente toca, o pessoal
sempre quer pagar, mas dispensamos porque já estamos
recebendo por isto”.
Aos sábados e domingos, pela manhã, a “orquestra” de
Cléber anima os banhistas de Boa Viagem e do Pina:
“Eles gostam, mas não dançam não, nem acompanham os
músicos. Moradores de prédios descem para a calçada
para ver o frevo”.
Há dez anos tocando com Spok, Cléber confessa que,
particularmente, prefere tocar do que chefiar
músicos: “Pense numa dor de cabeça! A gente marca
com os músicos às 9 horas, tem uns que só chegam às
10 horas, tem outros que para achar é a mão-de-obra,
e o trabalho que estamos fazendo é todo com hora
marcada”, diz o “maestro”.
(©
JC Online)
Livro conta história da
folia em Olinda
José Teles
teles@jc.com.br
Quando o assunto
é frevo, é impossível dissociar Olinda do Recife, as duas são unidas pelo
Carnaval e se valem do mesmo repertório. Assim o centenário do gênero é
documentado pela prefeitura olindense no livro Olinda 100 anos de frevo, de
Weydson Barros Leal, produzida pela Publikimagem, em parceria com a
Prefeitura Municipal de Olinda e incentivo do Ministério da Cultura. O
lançamento acontece amanhã, às 19h, na Livraria Cultura.
Baseado em
pesquisa do historiador Renato Phaelante, o livro (com textos em português e
espanhol) é fartamente ilustrado, com imagens da folia nas duas cidades. A
história do Galo da Madrugada está no primeiro capítulo, com maracatus,
caboclinhos, enfim, a variedade de ritmos que animam o Carnaval. Vai do Galo
da Madrugada para as ruas estreitas ruas de Olinda, apinhadas de foliões
atrás de algum bloco ou troça.
O livro,
essencialmente comemorativo, se vale do axioma chinês: “Uma imagem vale mais
que mil palavras”. Fotos coloridas, que refletem com precisão o Carnaval
olindense, ocupam a maioria das 152 páginas da obra. Weydson Barros Leal
mapeia, didaticamente, o carnaval de Olinda, nestes cem anos (quase cento e
um) de frevo, em textos concisos, como quando vai à origem dos famosos
bonecos de Olinda, marca registrada do Carnaval, que tem sua origem em
tradições européias, e no Homem da Meia-Noite, de 1931, o pioneiro.
Atenção
especial é dedicada ao Clube Misto Lenhadores Olindenses, nascido no mesmo
ano oficializado como o do nascimento do frevo, 1907: “O nome do bloco
revela uma curiosidade. Os lenhadores que inspiraram o batismo, na verdade,
eram pescadores”. Duas das mais tradicionais agremiações do Carnaval
olindense, naturalmente, recebem destaque no livro: o clube Carnavalesco
Misto Elefante, e a Troça Carnavalesca Mista Pitombeira dos Quatro Cantos,
que arrastam milhares de foliões pelas ladeiras de Olinda, fazendo coro em
dois dos mais antológicos frevos-canção do repertório de Carnaval de
Pernambuco: o Hino da Pitombeira (Alex Caldas), e o Hino do Elefante (Clídio
Nigro/Clóvis Vieira).
Como bônus,
acompanha o livro, um DVD, com uma seleção ecléticas de músicas cantadas no
carnaval de Olinda e do do Recife, entre elas, Energia (Lula Queiroga), com
Elba Ramalho e Quinteto Violado, Balança o saco (Pitangy/Zé Carlos), com Som
da Terra, Vida boa (Fabio Trummer), com a Eddie, e Diabo louro (J. Michiles)
com Alceu Valença.
(©
JC Online)
Elas vão brincar a
folia
Figuras
inspiradas na obra de Abelardo da Hora ganham as ruas do Recife
Olívia Mindêlo
oliviamindelo@jc.com.br
Primeiro foi
Ariano Suassuna, depois Lula Cardoso Ayres e agora são os personagens
criados pelo escultor, desenhista e gravurista Abelardo da Hora que saem às
ruas para brincar o Carnaval. Este ano a maior festa do Recife presta uma
homenagem ao artista pernambucano, espalhando pela cidade uma decoração que
refaz o percurso estético de suas figuras, dando-lhes uma nova cara.
Já era tempo
da lembrança. Poucos talentos das artes plásticas do Estado têm tanta
importância para o registro da cultura local como Abelardo da Hora,
carnavalesco e pernambucano no sangue. Ele cresceu nesse universo, e é irmão
de um dos maiores intérpretes do frevo, Claudionor Germano. Não por acaso,
criou o Monumento ao frevo, peça colocada em frente ao Aeroporto
Internacional dos Guararapes, e o Monumento ao maracatu, ainda sem local
definido de exposição. Mas essas são esculturas recentes numa carreira que
acumula mais de seis décadas.
Nos anos 60,
por exemplo, o artista se debruçou sobre uma série rara de 17 gravuras,
intitulada Danças brasileiras populares de Carnaval. Com traços que
acompanham a tridimensionalidade de sua obra escultórica, ao mesmo tempo em
que ecoam a estética geométrica do modernismo, os desenhos enaltecem
personagens da cultura popular não só pernambucana, mas no seu sentido
amplo, nacional. Estão lá passistas de samba e frevo, rainhas e reis do
maracatu, índios do caboclinho, tocadores de alfaia e até o bloco do Urso
Folião. São justamente várias dessas figuras que foram extraídas para compor
as peças da cenografia momesca de 2008.
As imagens
foram apropriadas mais uma vez pela designer e artista plástica pernambucana
Joana Lira, que procurou imprimir uma marca estética que vem se repetindo
desde o Carnaval de 2001, quando a equipe do arquiteto Carlos Augusto Lira,
pai da artista, foi convidada pela Secretaria de Cultura do Recife para
fazer o projeto da decoração. Fortes traços pretos em volta dos desenhos
preenchidos com estamparias coloridas criadas por ela definem o estilo da
criação que se transformou na identidade visual do Carnaval Multicultural.
Segundo
Carlos Augusto Lira, são as mulheres do escultor o destaque do projeto deste
ano. “Não podíamos deixar de elegê-las como o foco. Elas são marcantes na
obra de Abelardo da Hora”, diz o arquiteto. O artista aprovou, dizendo que a
decoração “fantasiou suas mulheres”. Na verdade, Joana Lira procurou
tatuá-las com estamparias, mantendo a sensualidade que marcam essas figuras
de curvas acentuadas e cabelos ondulados deitadas sob o sol do Recife.
(©
JC Online)