Foto: Lenise Pinheiro/Folha
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As atrizes Cléo de Paris (sombra, ao
fundo), Silvanah Araújo e Nora Prado em cena da peça
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Diretor Rodolfo García Vázquez relega planos da realidade e da memória
em montagem da peça de Nelson Rodrigues
Norma Bengell é atriz convidada do espetáculo, que enfatiza elementos
audiovisuais e estréia amanhã em São Paulo
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Historiador da obra de Nelson Rodrigues, o crítico Sábato Magaldi pode
surpreender-se -para o bem ou para o mal, dirá depois- com a versão de
"Vestido de Noiva" que a Companhia de Teatro Os Satyros apresenta a partir
de amanhã, em São Paulo, com participação da convidada Norma Bengell.
A começar pela extinção das linhas limítrofes dos planos narrativos da
memória, da realidade e da alucinação na trajetória da personagem Alaíde, a
moça que é acusada de roubar o namorado da irmã, é atropelada e envolve-se
com uma cafetina do início do século 20, para ficar por aqui.
O texto de Nelson Rodrigues (1912-80), segundo de sua lavra para teatro,
apresenta uma profusão de cenas sobrepostas em tempos e espaços. Foi a
partir da montagem dessa peça, em 1943, no Rio, que o polonês Zibgniew
Ziembinski (1906-78) e o cenógrafo paraibano Tomás Santa Rosa ajudaram a
demarcar a fase de modernidade no teatro brasileiro, conforme apontam
historiadores como o próprio Magaldi.
Para assinar seu primeiro Nelson em palcos brasileiros -dirigiu o
monólogo "Valsa Nº 6" em Lisboa, nos anos 1990-, o diretor Rodolfo García
Vázquez quer concentrar "tudo na cabeça de Alaíde", com ênfase no plano da
alucinação.
"Naquele período histórico [década de 1940], não se podia pensar o teatro
como uma alucinação. O Nelson teve de dividir os planos muito claramente. O
que a gente faz é trazer isso para hoje e relativizar o que é o real. Tudo
depende de ponto de vista, de perspectiva."
Segundo o diretor d'Os Satyros, "Vestido de Noiva" é dos textos mais
difíceis que montou, tantas e rápidas são as "quebras" de narrativas no meio
do caminho. "É uma linguagem muito contemporânea, não sentimos necessidade
de corte nos diálogos."
O que Ziembinski e Santa Rosa resolveram por meio da luz (eram mais de
130 efeitos 64 anos atrás), a equipe de Vázquez, que também desenha a luz,
acresce o suporte em vídeo, ora com diálogos inteiros pré-gravados entre
Alaíde (Cléo De Páris) e Madame Clessy (Bengell), ora com clipes.
Vázquez diz que procurou afastar-se "totalmente do elemento brasileiro,
carioca" do universo rodriguiano, reconhecíveis na geografia suburbana ou na
música. "O espetáculo está colocado num plano mais próximo do cinema de
David Lynch", afirma, citando o cineasta norte-americano de "Império dos
Sonhos".
No ensaio de terça-feira à tarde, essa pretendida atmosfera onírica era
sugerida pela valorização audiovisual: imagens projetas num cenário
revestido por tecidos brancos, como o imaculado véu da noiva, e a trilha
etérea puxada por Björk.
Para Norma Bengell, Vázquez é "bastante transgressor" se comparado à
versão "clássica" de Ziembinski, da qual ela fez parte na remontagem
arqueológica de 1976, no mesmo papel de Clessy, em que o polonês seguiu à
risca a sua concepção original. "O Nelson ia gostar dos recursos de
multimídia e das roupas modernas, que na nossa época incluíam espartilho",
afirma a atriz. "Naquela remontagem, ele ia toda noite ao teatro, no Rio de
Janeiro, mas não costumava criticar."
Dizendo-se "bissexta" na arte do teatro, Bengell nunca fez outra peça do
autor. Carrega a vantagem de que, hoje, diz enxergar mais maldade no
subtexto da sua personagem mundana do que há 32 anos. Ela está ao lado de
Ivam Cabral, Nora Toledo, Alberto Guzik, Silvanah Santos e outros
intérpretes nessa produção realizada pelo Itaú Cultural, instituto que em
2007 abrigou leitura dramática da obra pelo grupo.
VESTIDO DE NOIVA
Onde: Itaú Cultural - teatro (av. Paulista, 149; tel. 2168-1777)
Quando: estréia amanhã; serão dez apresentações, todos os dias, às
19h30; até 17/2
Quanto: entrada franca (ingressos distribuídos meia hora antes)
(©
Folha de S. Paulo)