Foto: JC
|
Zabé
da Loca |
Aos 84 anos, a pifeira lança o seu segundo disco e tem sua vida contada em
documentário
José Teles
teles@jc.com.br
“A senhora já
havia ido ao Rio de Janeiro antes?”. A pergunta é feita, por telefone, à
pifeira dona Zabé da Loca. Ela afirma que não. A pergunta seguinte é sobre o
que ela achou da cidade: “Boa toda!”.
Aos 84 anos,
Zabé da Loca está lançando o segundo disco, em 73 de carreira (começou a
tocar aos sete anos), cujo título vem de sua expressão preferida: Bom todo
(Crioula Records, distribuído pela Rob Digital). São 16 temas, a maioria
composta por ela, o restante de autores como Severino Biano (da Banda de
Pífanos de Caruaru, desde a década de 70 em São Paulo), um clássico de Zé
Marcolino e Luiz Gonzaga, Sala de reboco, e até o Hino Nacional Brasileiro
(Joaquim Osório Duque Estrada e Francisco Manuel da Silva).
O disco foi
feito parte no sítio em que ela mora, em Santa Catarina, distrito de
Monteiro (PB). Parte foi gravada no Recife, no estúdio Fábrica. Para o Rio,
ela foi registrar cenas para um documentário, dirigido por Sérgio Abragia,
para a Lume Arte e Marketing Cultural. A produtora Lu Araújo diz que o
documentário está em fase de finalização. “Não sabemos ainda quando será
concluído, porque dependemos de captação. Comecei este trabalho com Zabé da
Loca com recursos próprios, depois fizemos uma captação junto à Petrobras,
mas a grana acabou. Estamos procurando patrocínio para finalizar, mas acho
que o documentário deva ter uns 45 minutos de duração”, esclarece a
produtora.
Dona Zabé da
Loca é um destes fenômenos isolados, que surgem de tempos em tempos. Ela foi
descoberta em 1994, pela Coordenação de Ação Cultural da Secretaria de
Reordenamento Agrário, que vem mapeando as manifestações culturais do
semi-árido nordestino, com assessoria da Fundação Quinteto Violado. O disco
de estréia foi lançado em 1995. Recebeu críticas entusiasmadas, teve faixas
saídas na coletânea japonesa Nordeste atômico. Porém, o que mais despertou
curiosidade na pifeira não foi sua inegável habilidade no instrumento, mas
por morar com os filhos, durante 25 anos, na Serra do Tungão numa caverna.
Sua idade é presumível, porque nem ela mesma sabe a data exata de
nascimento. Sabe que nasceu nos arredores de Buíque (PE), e que veio com 16
anos para a Paraíba. O apelido lhe foi dado pela sua peculiar habitação,
caverna é chamada de “loca” no Sertão.
“Onde cair o
disco vai cair uma flor, porque esta linguagem é universal”, preconiza
Carlos Malta, virtuoso tocador de pífano, que foi levado a aprender o
instrumento depois de ouvir a gravação de Pipoca moderna com a Banda de
Pífanos de Caruaru, em 1972, no disco Expresso 2222. Anos mais tarde, ele
formaria o festejado grupo Pife Muderno.
Carlos Malta
é o diretor musical de Bom todo e se revela um fã de dona Zabé da Loca. “Ela
é incrível, do alto dos meus 48 anos, eu admiro uma tocadora que aos 80 anos
continua na maior vivacidade. Claro que a idade pesa, mas imagino o que não
deveria tocar quando estava na flor da idade”, comenta Malta. Lembrando a
vivacidade de dona Zabé da Loca, ele diz que chegou a ensaiar umas paqueras
com ele: “Nos tornamos parceiros, e até compus um xote para Zabé”, conta.
Perguntada sobre o que achou do músico carioca, dona Zabé da Loca não se
finge de tímida: “Ele é bonito todo!”.
O disco tem
as participações especiais do próprio Carlos Malta, de Escurinho (nascido em
Serra Talhada, mas radicado em João Pessoa), e Maciel Salú: “No começo Zabé
da Loca estranhou a rabeca, disse que não dava certo pífano com rabeca, mas
terminou concordando”, conta o diretor musical. A pifeira confirma:
“Estranhei, mas achei que a rabeca ficou boa toda!”. Os demais músicos de
Bom todo são os filhos e o neto de dona Zabé da Loca, River Douglas
(zabumba), Pito (prato) e Júnior (caixa). Durante as gravações faleceu o
pifeiro e compositor Beiçola, filho adotivo dela.
(©
JC Online)
Sopro moderno cheio de energia e
surpresas
Custa a
acreditar, ouvindo Bom todo, que o o pífano principal deste CD seja
tocado por uma senhora de 84 anos, analfabeta, com problemas de audição.
Isto acontece já na faixa de abertura, Queima, composição da pifeira,
executada por ela e o quarteto que a acompanha. Aqui o andamento é
allegro, sem a indolência, uma certa melancolia, que caracteriza os
ternos de pife, mesmo nos temas mais acelerados. A alegria de dona Zabé
da Loca irradia para suas músicas. Mas apenas este fator não seria
suficiente para fazer deste um disco de uma banda de pífanos tão
moderna, ou até mais, do que o próprio Pife Muderno de Carlos Malta. A
sonoridade que lhe foi imprimida por Malta, e Fabrizio De Francesco
(responsável pela mixagem e masterização) é o que o diferencia.
Não se
repete em Bom todo a linearidade da grande maioria dos grupos do gênero,
este quadro é alterado quando, por exemplo, Carlos Malta toca uma flauta
baixo, em Santa Catarina (Zabé da Loca, River Douglas e Pitó), fazendo a
ponte entre o som do sertão ao urbano do carioca.
Pifada da
loca (Zabé da Loca) arma outra ponte, desta vez entre o Semi-Árido e a
Zona da Mata, com a rabeca de Maciel Salú num contraponto com os
pífanos, levando a música supostamente rude, soar como a melhor música
erudita barroca.
A voz de
Zabé da Loca flauteia na introdução de Sala de reboco, que tem percussão
em levada de um xote meio maracatu, neste disco curiosamente subversivo,
em que o Hino Nacional é tocado em andamento de marcha, com a caixa
fazendo marcação de frevo. A única canção do disco é Saí de casa, de
Escurinho, que canta, e toca alfaia., com acompanhamento de Zabé da Loca
e seu grupo, mais Carlos Malta, na flauta, e um coral de seis vozes.
Balaio da
onça é uma recriação em cima do tema mais tradicional dos ternos de
pífanos, a Briga do cachorro com a onça, reescrito por Zabé da Loca,
River Douglas, Pitó e Carlos Malta, que improvisa um baião em cima da
linha mestra do tema.
Bom todo
será lançado dias 22 e 23, no Sesc Pompéia, em São Paulo, com Carlos
Malta, Maciel Salú e Escurinho. Zabé da Loca diz que quer lançar o CD no
Recife, quem se habilita? (J.T.)
(©
JC Online)
|