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 Um novo Nordeste, mais verdadeiro

 

 

Açúde de Orós, no Ceará


Washington Novaes

Está programado para maio o I Seminário Nacional de Combate à Desertificação, no qual serão discutidos temas como ampliação sustentável da capacidade produtiva, preservação, conservação e manejo sustentável dos recursos naturais, redução da pobreza e da desigualdade, entre outros temas, com apoio do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Pode ser muito importante, nesta hora em que - felizmente - se discutem mais e mais formatos de convivência com o Semi-Árido, em lugar de combate à seca, puro e simplesmente (que sempre faz lembrar a frase citada por Ariano Suassuna: “Ter um departamento de combate à seca no Nordeste equivale a ter um departamento de combate à neve na Sibéria.”).

O tema não pode ser mais oportuno no momento em que pega fogo, de novo, a discussão sobre o projeto de transposição de águas do Rio São Francisco - um projeto absolutamente dispensável e ineficaz, segundo a opinião do geólogo e hidrólogo piauiense Manoel Bonfim Ribeiro em seu livro A potencialidade do Semi-Árido Brasileiro, publicado em 2007. O autor, que trabalhou em projetos de irrigação, construiu açudes e adutoras e foi diretor da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco, assegura, como muitos outros cientistas já citados aqui, que o problema da água no Semi-Árido é de gestão, não de escassez. O Nordeste tem 70 mil açudes (“é a região mais açudada do planeta”), nos quais se acumulam 37 bilhões de m³ de água (um terço do que o São Francisco despeja no mar a cada ano); um açude a cada 14 km². Só os 27 maiores açudes acumulam 21,54 bilhões de m³ (11 vezes a água da Baía de Guanabara). “O Semi-Árido é uma ilha cercada de água doce por todos os lados”, diz o autor.

Só nos oito grandes açudes do Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, que irão receber 2,1 bilhões de m³ de água transposta, o Semi-Árido já acumula 12,6 bilhões de m³ ou 5,3 vezes o volume de água da Baía de Guanabara. E da água já estocada nos oito grandes açudes, 30% se evapora, cerca de 3,76 bilhões de litros, mais que o dobro da água do São Francisco que será levada para os açudes (1,66 bilhão de m³). Tudo isso sem falar na possibilidade de extrair 20 bilhões de m³ de águas subterrâneas (hoje só se extrai 1 bilhão de m³), segundo a Associação Brasileira de Águas Subterrâneas.

Por essas e outras, diz o autor que “a pobreza do semi-árido não está na terra, nem no clima, nem na pluviosidade, mas no homem”. Mais precisamente, na pouca informação sobre o enorme potencial do Semi-Árido (apesar dos 140 mil km² em processo de desertificação). E, aí certamente, está o grande valor do livro, na riqueza de informações sobre as potencialidades da região.

Manoel Bonfim Ribeiro divide esse potencial em alguns grandes setores - culturas de peixes, de abelha e mel, caprinos, caju, umbu, carnaúba, fibras vegetais, entre outras. E o volume de informações sobre cada uma dessas possibilidades desvela caminhos para os quais deveríamos estar muito atentos. Na piscicultura, por exemplo, já que 27% dos espelhos d’água brasileiros estão no Semi-Árido, principalmente em mega e pequenos açudes, nos quais - assegura ele - pode multiplicar-se por dez a produção brasileira de peixes. Na apicultura, outra enorme possibilidade: cada colméia na região chega a produzir de 80 a 100 quilos de mel por ano (20 a 30 quilos na França e na Alemanha), graças à profusão de flores nas chuvas. “O Semi-Árido pode ser o maior produtor de mel, própolis, pólen e geléias do mundo.”

A caprinocultura (a que se dedica Ariano Suassuna) é outro vasto campo, para carnes, queijos, leite, peles e couros para artefatos, que os nordestinos aprenderam a cultivar há 350 anos. Na cultura do caju já há 800 mil hectares (CE, RN, PI), que produzem 250 mil toneladas anuais de castanhas, no valor de US$ 200 milhões. Com variedades cada vez mais precoces e produtivas, os estudos mostram que a produção pode decuplicar. Também na cultura do umbu, há muitas possibilidades - na produção de doces e geléias, forragens para caprinos e na produção de medicamentos para combater anemia, escorbuto, carência de vitamina C -, sem falar que a raiz do umbuzeiro é uma pródiga fonte de água para épocas de escassez.

A cera da carnaúba - que chegou a ser importante durante a 2ª Guerra Mundial e depois entrou em declínio com a descoberta da cera sintética - está voltando como isolante em componentes eletrônicos e na informática, além de selo protetor de frutas na exportação. E pode servir para a indústria farmacêutica, como para a produção de filmes, graxas e tintas. Também estão voltando fibras vegetais, como a do caroá, que chegou a ter 27 milhões de hectares no início da década de 1940, mas quase desapareceu com a invasão do Nordeste pelas fábricas asiáticas de tecidos sintéticos subsidiadas por bancos oficiais brasileiros. Como ela, ressurgem com vigor o sisal (tapetes, carpetes, estofados, cordoalhas e até cortisona) e o algodão,principalmente o algodão orgânico, branco e colorido. Este, certamente, terá futuro assegurado, como já provou o algodão colorido da Colômbia e da América Central, que esteve próximo da extinção, mas retomou o vigor graças a um arqueólogo - que convenceu comunidades indígenas onde ele ainda existia a se organizarem em projetos com escala suficiente para exportação. Hoje, sua exportação chega a muitas centenas de milhões de dólares anuais.

Como diz no prefácio o professor J. W. Bautista Vidal (o “pai do Proálcool”), “é como se Bonfim estivesse redescobrindo um novo Semi-Árido, mais verdadeiro que o anterior, fundamentado em peculiaridades pouco conhecidas, algumas únicas em todo o planeta”. De fato, com tanto território, tanto sol, água suficiente se bem administrada, fauna e flora muito ricas, será um novo Nordeste - se tivermos competência. E estratégias adequadas.

Washington Novaes é jornalista E-mail: wlrnovaes@uol.com.br

(© Estadão)

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