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 Duas grandes meninas

 

 

Maria Bethânia e Omara Portuondo


Riqueza de ritmos do Brasil e de Cuba permite um fértil casamento entre Maria Bethânia e Omara Portuondo, em CD, DVD e turnê que começa pelo Rio

Flávia Guerra

'Eu quero ser menina até o fim da vida. A vida é tremenda. Nada melhor que ser criança sempre', disse a 'menina' Omara Portuondo, anteontem, em uma ensolarada tarde carioca, quando cumpria extensa agenda de entrevista ao lado da mais nova amiga, Maria Bethânia. Pode-se dizer que as duas sempre se namoraram de longe e que se conhecerem por conta de uma 'boa armação dos amigos em comum', em 2006. Hoje, fazem brincadeira de gente grande em sua primeira parceria: Omara Portuondo e Maria Bethânia, que sai em edição dupla pela Biscoito Fino, com CD e DVD, e dá origem à turnê que começa dia 7, no Rio, e segue por dez capitais do Brasil e outros países.

'É uma experiência muito especial na minha carreira. Cresci ouvindo música brasileira. Na minha casa sempre tocou Ary Barroso, Carmen Miranda. Já gravei uma canção de Carlinhos Brown (Casa Calor). Mas sempre tive vontade de cantar com Bethânia. Estou muito feliz, apesar de ainda ficar um pouco tímida de cantar em português', contou a diva Omara, sempre altiva, de sobrancelhas desenhadas, lenço indefectível na cabeça, lábios coloridos e mãos tão expressivas quanto sua voz. Mais que trabalho impecável, em que as raízes comuns entre a música cubana e a brasileira ganham cores novas, o resultado da parceria soa como se fosse brincadeira de roda.

Como Drummond, as duas meninas cantam canções que 'façam acordar os homens e adormecer as crianças', sejam elas crianças grandes ou pequenas. 'Você tem razão quando faz essa comparação. E tudo começou de forma muito natural. Estávamos iniciando a gravação e Omara cantou uma canção de ninar muito antiga. E ela a canta ainda hoje para seu filho Ariel, , que é um rapaz enorme! Na mesma hora, pensei: 'Também vou ninar este menino grande. E a canção (Menino Grande, de Antonio Maria), entrou para o disco', conta Bethânia que, ao contrário de Omara, exibe sempre seus cabelos longos soltíssimos e orgulhosos de começarem a ganhar a coloração branca, o rosto límpido e expressivo, mas as mesmas mãos (e voz) tão expressivas e altivas. 'Os ensaios estão indo muito bem. Mas estamos com pouco tempo. Ela (Omara) tem tanta facilidade. Eu não gosto de cantar em outra língua, mas em espanhol, em reverência a ela, abri uma exceção. É mais caseiro', conta Bethânia. 'Fico com vergonha. Mas a canção que escolhi, Para Cantarle a Mi Amor, tem um tempo especial, com palavras suaves. Nunca pretendi, e acho careta, falar outra língua com perfeição. Eu sou brasileira cantando em espanhol. Ela é uma cubana cantando em português. Sotaque é lindo', acrescenta. Omara discorda: 'Ela é perfeita! Mais que eu. Canto com o coração e faço de conta que entendo.'

Por isso, chavões à parte, seja em português ou espanhol, samba ou bolero, a música é caminho mais curto e mais instintivo de se, ao menos tentar, explicar a identidade de um povo? 'Definitivamente! Cuba e Brasil têm a mesma raiz histórica. Fomos países colonizados. Aqui, os portugueses trouxeram os negros. Em Cuba, foram os espanhóis. Mas eram negros da mesma região. Até mesmo o iorubá nós falamos. Nossa santería é o candomblé de vocês. Temos nossas diferenças, mas a música flui para os cubanos como flui para os brasileiros', sentencia 'la novia del filin' (A noiva do feeling (sentimento), como ela ficou famosa nos anos 50, ao se apresentar no rádio cantando uma espécie de versão cubana da bossa nova, que era chamado de feeling). Eternamente comprometida com o sentimento do mundo, Omara deixa os olhos se encherem d'água e se arrepia quando ouve Bethânia: 'No Brasil, toda arte é representativa de nosso caráter. Mas a música é maior. É como perfume. Vai... A linguagem mais abstrata que há. Não é preciso entender a língua para se entender. Viaja pelos sentidos.'

E são esses sentidos que as duas meninas grandes despertam no CD e no DVD que o acompanha. A chita, o tecido básico, ancestral e, ao mesmo tempo, colorido e rico, recheia o encarte, que conta ainda com imagens de Cuba (retiradas do livro Sí por Cuba, de Tatiana Altberg). O DVD traz um making of dirigido por Bruno Natal, que coloca o espectador dentro do estúdio de gravação, quase como se discutisse com as cantoras e seus músicos se Só Vendo Que Beleza (Marambaia) deve entrar com mais ou menos imponência. Menos é mais nessa brincadeira de gente grande. Os silêncios falam pelas melodias suaves, porém fortes.

FIDEL

Depois da maratona de entrevistas, dona Omara, compreensivamente, não suportava mais falar de Fidel Castro, mas ouviu pacientemente e se posicionou sobre a sucessão do líder cubano. 'Soube da renúncia dele aqui no Brasil. É compreensível. Está muito cansado. Dedicou sua vida a Cuba. Sua família sempre foi o povo cubano. Espero que quando eu voltar (só daqui a meses, quando encerrar a turnê) encontre a mesma Cuba. Mudanças virão, mas quero meu país de sempre.' E cantar juntas em Cuba? 'Ainda não há nada certo. Seria a coroação!' Amém! Que as duas levem o perfume de suas canções para ninar, e também acordar, crianças e homens cubanos.

A repórter viajou a convite da gravadora

(© Estadão)


Encontro afetivo e musical entre Bethânia e Omara

Duas das maiores intérpretes da música brasileira e cubana, elas gravaram um disco em apenas uma semana

José Teles
teles@jc,com.br

Enviado especial

RIO DE JANEIRO – A cantora baiana Maria Bethânia e a cubana Omara Portuondo se conheceram pessoalmente em 1986, num festival de música em Varadero, Cuba: “Foi quando fiz uma entrada triunfal no palco”, diz Bethânia, sem conter o riso, diz Bethânia. E esclarece: “Antes de mim se apresentava um grupo de moças negras lindíssimas, acho que eram africanas. Elas cantavam equilibrando um copo com água na cabeça, e a água, naturalmente, era salpicada pelo palco. Eu entrei descalça, e dei o maior salto. A platéia aplaudiu calorosamente. Só que não sabiam que tinha tomado o maior choque quando pisei na água”. Dona Omara Portuondo completa: “Foi a primeira vez que vi Maria ao vivo. Eu já a admirava, mas quando ela entrou daquela forma, eu pensei, que mulher forte, que ímpeto!”

A conversa acontece na sede da gravadora Biscoito Fino, em Botafogo, Zona Sul do Rio. Elas concedem uma coletiva para falar do CD e DVD Omara Portuondo Maria Bethânia. Mais um disco que Bethânia grava a dois: “Gosto muito de gravar com outros cantores. O ponto primeiro na escolha é o respeito e admiração que eu sinta por esta pessoa. Mas não tem nada premeditado não. Tem que esperar que a vida resolva. Às vezes não acontece nunca, ou então acontece logo”, explica Bethânia.

Com Omara Portuondo aconteceu logo. As duas se encontraram em 2007, num show que a cubana fez no Rio. Conversaram e decidiram fazer o disco: “Gravamos tudo em uma semana. A escolha do repertório foi fácil. Eu puxava umas músicas, ela outra. Ouvi muito música cubana, ela, música brasileira. Conheço o trabalho dela de muitos anos, a primeira vez que a vi foi em Paris, tenho todos os discos”, diz a baiana.

Omara Portuondo tem 78 anos, canta desde os anos 40, mas se tornou mundialmente conhecida por participar do Buena Vista Social Clube, documentário dirigido por Wim Wenders: “Aquele filme foi impactante nas carreira de todos nós do Buena Vista, nos fez bastante conhecidos, com muito convites para shows, foi algo que veio na hora exata” diz a cubana que, ao contrário de muitas cantoras contemporâneas, não deixou a ilha depois da tomada de poder por Fidel Castro, em 1959. Ela permanece castrista e soube da substituição no governo em Salvador. “Fiquei um pouco chocada. Pensei que ele saía por que estava mal, já que a gente sabia que Fidel estava doente. Mas depois fiquei mais tranqüila, porque ele é assessorado por pessoas sábias, e se entenderam que ele tinha que sair é por que isto foi necessário, e nós acatamos a decisão”, comenta Omara.

A reunião é definida por Bethânia como o encontro de duas culturas muito parecidas. As canções têm pontos em comum. “Fizemos, por exemplo, Marambaia (Rubem Campos e Henricão), e dona Omara faz umas divisões que nunca ninguém fez em Marambaia, que ficou com uma ginga maravilhosa”, elogia. E recebe elogios de volta: “Para mim que durante muito tempo admirei Maria, para eu gravar com ela foi uma honra. Fiquei muito feliz em compartilhar com ela não apenas a música, mas também a convivência”, joga confetes Omara.

Perguntadas por que a música cubana é tão pouco conhecida no Brasil, enquanto a MPB é bastante tocada não apenas em Cuba, mas em toda os países hispânicos, Bethânia saiu com a explicação: “O que acontece é que a música do Brasil é tão poderosa que é difícil outra música entrar aqui. Em Portugal eles se queixam disto. O mesmo na Argentina, o Chile, onde os artistas brasileiros são muito populares. Mas a MPB não deixa espaços, é muito imperativa, autoritária. A única cantora portuguesa a fazer sucesso no Brasil foi Amália Rodrigues, mas ela fez sucesso no mundo inteiro. Já trabalhei com outras cantoras, como a portuguesa Mísia, as pessoas gostam mas não pega”.

Omara Portuondo talvez não vá vender muitos discos no Brasil, mas será vista por muitos brasileiros. As duas e suas respectivas bandas saem em turnê na semana que vem (chegam ao Recife em abril). “É uma estrutura simples. Fazemos uma abertura juntas. Depois vem o meu show. Depois cantamos novamente juntas, e aí é o show de dona Omara. No final cantamos juntas”, explica Bethânia. O repertório será formado por todas as canções do CD e mais algumas que têm a ver com o projeto: “Vai ter o Cio da terra, de Milton e Chico, que traduz muito bem o Brasil e Cuba, sua gente, a terra. Vamos cantar também Gente humilde, que pode retratar Cuba e seu povo. Esta inclusive dona Omara vai cantar numa versão que fizemos. Eu também canto em espanhol, mas sem pretensão nenhuma, sem me importar com sotaque. Minha intenção apenas é reverenciar esta senhora e suas canções”, diz Bethânia.

(© JC Online)


Duelo amigável de duas grandes artistas da voz

Na base do cante lá que eu canto cá, Maria Bethânia e Omara Portuondo gravaram um disco de forma lúdica, leve e solta que deixa transparecer o profundo respeito entre elas

Omara Portuondo Maria Bethânia deve ser degustado como uma troca de carinhos entre duas cantoras que se admiram mutuamente. É um disco em que as canções falam, se explicam, num duelo amigável entre duas grandes artistas da voz. Não há aqui nada pretensioso, tudo corre leve como a brisa que beija mares cubanos e brasileiros. As duas se preocupam tão e simplesmente cantar o que gostam, sem compromisso a não ser em se divertirem.

Percussão é o único acompanhamento de Lacho (Facundo Rivera e Juan Pablo Miranda), com Omara Portuondo, contraponto para o acalanto Menino grande (Antônio Maria). O bolero de Pedro Luis Ferrer, é um banho de interpretação de Omara, que não revela na firmeza da voz que já se aproxima dos 80 anos. E é ela que declama o indefectível poema que pontua os discos de Maria Bethânia (da poetisa cubana Dulce Maria Loynaz ), e entra com outro bolero Palabras (Marta Valdés). Bethânia pega a deixa, e canta Palavras, de Gonzaguinha.

O disco segue até o fim na base do cante de lá que eu canto de cá. Tal vez (Juan Formeli) é a primeira faixa em que as duas cantam juntas, num andamento mezzo mambo, mezzo samba. Você, de Hekel Tavares e Nair Mesquita, recebe uma interpretação suave de Bethânia e Omara Portuondo (cantando em português), com acompanhamento dos dois produtores, Jaime Alem e Suammy Jr, nos violões. As duas enveredam pela dor-de-cotovelo, Bethânia em Arrependimento (Fernando César e Dolores Duran), Omara com Mil congojas (Juan Pablo Miranda), mas a canção que traduz esta parceria Brasil/Cuba, e a brejeira Só vendo que beleza, mais conhecida como Marambaia (Rubens Campos e Henricão). Elas cantam de uma forma solta, leve, lúdica. Omara Portuondo até arrisca um rap no estilo “deixe que diga, que pense, que fale”.

Omara Portuondo Maria Bethânia sai em dois formatos. O CD simples, e uma edição especial com CD e DVD (louvável o trabalho gráfico de Gringo Cardia) . O DVD é o making off das sessões de gravação, dirigido por Bruno Natal (o mesmo que fez o DVD do disco Carioca, de Chico Buarque). O DVD reflete com exatidão o que foi (ou é) este encontro de Omara e Bethânia, elas brincam o tempo inteiro, elogiam-se, os produtores comentam como determinadas músicas foram gravadas. Bruno Natal é dono de um bom-humor que faz de um making off (geralmente um enchimento de lingüiça, para atrair o consumidor), um complemento imprescindível do disco. (J.T.)

» Preço sugerido: R$ 33,90 (CD), R$ 52,90 (CD e DVD).

(© JC Online)

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