Cineasta
e Patrimônio Vivo Fernando Spencer inaugura série de debates mensais do
Conselho Estadual de Cultura
Marcos Toledo
mtoledo@jc.com.br
Ele tem em
comum com o grande gênio Sir Charles Chaplin o sobrenome materno e a
paixão pelo cinema. Há dois meses, foi contemplado com o título de
Patrimônio Vivo de Pernambuco. A homenagem vem atrelada ao compromisso
de repassar seus conhecimentos ao público geral por meio de programas de
ensino promovidos pelo governo do Estado. Algo que o jornalista e
cineasta Fernando Spencer já faz durante toda sua vida, seja escrevendo
artigos, fazendo filmes ou promovendo a atividade cineclubista. De
qualquer forma, hoje o diretor foi escolhido para, no cumprimento de sua
missão, inaugurar os debates do Conselho Estadual de Cultura (CEC).
A
iniciativa faz parte de uma série de atividades que o Conselho pretende
promover mensalmente, na capital e no interior, voltada para a discussão
de temas locais da atualidade, especialmente nas áreas de literatura,
artes cênicas e audiovisual. Na estréia, o cineasta convidado exibe
filmes premiados de sua autoria na sede do CEC (Avenida Oliveira Lima,
813, Boa Vista), das 10h às 12h, e, em seguida, conversa com os
espectadores.
Para a
exibição desta quinta-feira, Fernando José Spencer Hartmann, 81 anos,
selecionou cinco curtas-metragens rodados em bitola Super 8 nos anos de
1970 – todos transcritos para o formato do DVD, pois temia que os
títulos se degradassem com a ação do tempo. A começar com As corocas se
divertem (1977, 4 minutos), sua primeira tentativa de fazer cinema de
animação. Apesar de bem-sucedida, foi também a última.
A exemplo
de todas suas demais produções, este curta é cercado de histórias
curiosas sobre os bastidores. Spencer lembra que voltava de mais uma
participação no festival de cinema Jornada da Bahia, acompanhado pelo
também crítico de cinema e amigo Celso Marconi, quando avistou uma série
de bonecas de agave (artesanato produzido com fibras naturais da planta
homônima) e resolveu comprar algumas. Ele conta que Marconi disse: “Vai
perder tempo com isso”. Porém, o cineasta já sabia muito bem o que fazer
com os brinquedos. Em seu apartamento, na época, no Edifício Santa Cruz,
no bairro da Boa Vista, filmou 340 quadros em Super 8, um a um. O
esforço lhe valeu o prêmio de Melhor Filme de Comunicação em um festival
de cinema em Sergipe.
Para
rodar Farinhada (1977, 10 min.), curta baseado no poema Casa de farinha,
de Marcos Accioly (atual presidente do CEC), o diretor escolheu um
telheiro localizado nas terras do líder camponês Francisco Julião, em
Bom Jardim. “É um documentário bem primitivo”, define o autor. E, no
mesmo ano, outro tipo de literatura serviu de inspiração para mais um
filme com a mesma duração: o cordel. A eleição do Diabo e a posse de
Lampião, adaptação do texto de Severino Gonçalves de Oliveira, teve no
elenco os atores Hugo Caldas, Cleto Mergulhão e Ozires Diniz, e foi
filmado no município de Bom Jardim e nos teatros Santa Isabel e do
Parque, no Recife.
Sempre
antenado e procurando diversificar a abordagem da cultura do Estado em
sua obra, Spencer rodou Toré, a Nossa Senhora das Montanhas (1976, 10
min.). A produção mostra a dança dos índios xucurus na vila de Cimbres,
no município de Pesqueira, local do senado da Câmara fundado em 1762.
Por fim, completa a mostra Bajado, um artista de Olinda (1974, 10 min.),
filme sobre o artista plástico Euclides Francisco Amâncio (Bajado)
dirigido a quatro mãos com Celso Marconi.
(©
JC Online)
Urso é tema de seu 45º trabalho
Autor de 44
produções, Fernando Spencer continua em plena atividade. Agora, além de
dirigir seus próprios trabalhos, presta consultoria para novos
realizadores. Apesar de atuar como jornalista profissional por várias
décadas, é a conversa sobre cinema que mais empolga este cinéfilo
inveterado.
Casado, pai
de seis filhos e avô de seis netos e uma bisneta, Spencer nasceu na
antiga Rua Augusta, no trecho demolido do bairro de São José. Em 1939,
foi morar com a família em Casa Forte, bairro com o qual criou uma forte
ligação motivada pela Sétima Arte e onde voltou a viver anos mais tarde.
O
cineasta recorda que, ainda adolescente, ajudava o zelador lavando e
espanando o antigo cinema Odeon, na famosa praça do bairro. Em troca,
recebia pedaços descartados dos filmes e tinha acesso gratuito às
sessões. “Foi onde surgiu a paixão por cinema”, conta. “Eu via dois
filmes por dia.” Na época, o que as crianças viam no cinema (Zorro,
faroeste, séries) reproduzia nas brincadeiras de rua. “Cinema de bairro
sempre foi uma atração. Era onde se criavam os cinéfilos”, afirma o
cineasta. “Quando vou à praça, tenho muitas lembranças. Parece que estou
me vendo menino.”
Se por um
lado, a TV e o home video surgiram como ameaças ao cinema, especialmente
o de bairro, por outro facilitou a propagação da Sétima Arte. “Naquela
época, era muito difícil manter um cineclube. Hoje é mais fácil, por
causa do DVD”, diz. O vídeo, aliás, devido à facilidade provocada
principalmente pelo baixo custo, também tem garantido a continuidade da
realização dos projetos do diretor, que rodou oito obras neste formato.
O mais recente foi o curta Almery, a estrela (2007).
Atualmente, Spencer dirige, com produção da Página 21, o documentário
Nossos ursos camaradas, contemplado no programa Preservação e Memória,
da Petrobras. Com base em uma pesquisa do historiador Mário Souto Maior,
o filme narra a trajetória deste típico personagem de brincadeiras do
Estado, especialmente no Carnaval. Algumas cenas foram gravadas durante
o último período de Momo.
Outro
projeto de Spencer, sobre a vinda do cantor Orlando Dias a Pernambuco,
ele passou para o iniciante Nelson Sampaio, autor do documentário A
última diva, que teve o veterano cineasta como consultor. (M.T.)
(©
JC Online) |