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 Poesia popular ganha memorial

 

 

Repentistas populares
 

Conhecida como berço de poetas e cantadores, município revela também nova geração de artistas e ganha espaço para preservar a tradição

Sebastião Araújo
Especial para o JC

Durante muito tempo, São José do Egito, no Alto Sertão do Pajeú, a 412 quilômetros do Recife, padeceu com a falta de um espaço que congregasse a memória poética do município. Referência até mesmo internacional, na cantoria de viola e na poesia, a cidade começa a se preparar para abrigar o Memorial da Poesia Popular. Poetas e repentistas terão suas histórias contadas e arquivadas. Iniciativa parecida até que foi testada, lá pelos idos dos anos 90, mas não vingou. Agora, tudo o que foi produzido ao longo de décadas, como livros, cordéis, gravações de cantorias, fotos, objetos pessoais serão expostos e alguns produtos comercializados no novo espaço.

“O local será uma espécie de síntese da história poética e também um ponto de encontro de declamadores, repentistas, trovadores, cordelistas e apologistas”, prevê o padre Luizinho Marques, que capitaneia o projeto mais o empresário Antônio Andrade com o apoio da Secretaria de Cultura. A intenção é também tornar o Memorial num local de pesquisa e ponto turístico da cidade.

A criação do espaço surgiu num momento em que a poesia popular em São José do Egito ganha um ânimo novo. Uma verdadeira revolução cultural está sendo promovida por uma nova geração de poetas, a maioria jovens universitários. Um deles, Vinícius Gregório Nogueira Gomes, 20, estudante de Direito, passa ao largo de possuir descendência famosa, mesmo assim vem sendo considerado a nova revelação na poesia e declamação. “A poesia em São José do Egito está no sangue, independente de sobrenome”, diz Vinícius. “Cresci acompanhando os grandes poetas. Apreciava, gostava e um dia comecei a também fazer poesia-de-bancada”, relembra.

As histórias dos jovens poetas e declamadores são mais ou menos parecidas. O ideal deles também: perpetuar a herança deixada pelos antecessores. “Não é fácil dar continuidade, mas não podemos fugir à nossa alma de poeta”, revela Gustavo Enio da Silva Siqueira, 17, filho do poeta Sebastião Siqueira, conhecido artisticamente por Beijo. O estudante de Direito José Gomes do Amaral Neto, 19, por conta da família – conhecida no linguajar regional como os Lulu – também segue os passos dos antepassados. “Quando conto na faculdade que faço poesia as pessoas acham interessante. Apesar de jovem, sou valorizado por conta do meu dom”, enfatiza Neto.

Os novos poetas se expõem sem ter receio de preconceito. “É raro sermos rejeitados pela nossa arte. Pelo contrário, somos enxergados como a reafirmação da poesia na região”, comenta o universitário de educação física Renan de Menezes Cabral, 23. Jovens, bonitos e inteligentes, os representantes da nova safra de poetas exploram temas que vão do romantismo ao social, não se prendendo apenas a falar de assuntos regionais como fome e seca, que outrora deram o mote a tantos declamadores. “Somos poetas do nosso tempo”, sintetiza João Gustavo Pereira de Andrade, 25. “Queremos mostrar que não só temos gel no cabelo. Além da aparência temos conteúdo”.

Do grupo também faz parte o agricultor José Cláudio de Souza Santos, 21, um autodidata no repente. “Comecei a ir com meu pai nas cantorias e ficava observando o jeito dos cantadores tocarem. Aos poucos fui aprendendo, me aperfeiçoando e hoje toco e canto do meu jeito”, observa Santos.

Mesmo quem é jovem e não vive da poesia, caso do universitário de Direito Daniel Siqueira Aragão, 18, nutre uma profunda admiração pelos poetas contemporâneos. “Eles não deixam a poesia nem a nossa cidade serem esquecidas”, destaca Aragão. “Estão escrevendo um capítulo atual da história egipciense”.

Parte desses artistas, juntamente com o padre Luizinho Marques, montou o espetáculo No Rio dos Versos, que poderá ser visto de graça, ao ar livre, no próximo sábado, dia 8, às 21h, diante da matriz de São José, no Centro da cidade.

(© JC Online)


Poeta Zé Catota, 90 anos, é um patrimônio vivo

Foto: Sao José do Egito Capital da Poesia

O cuidado com a tônica da sílaba e com a musicalidade da poesia e obediência ao estilo clássico ainda são traços marcantes no poeta de 90 anos. Um dos últimos remanescentes da geração pioneira da poesia popular em São José do Egito, José Lopes Neto, o Zé Catota, é considerado patrimônio vivo da cultura popular. Com dificuldade de locomoção, ele passa o dia sentado numa cadeira de balanço, em meio à solidão e recordações dos tempos em que era recebido nos lugares pelo título de Metralhadora do Repente, tamanho o domínio da poesia e da viola.

Longe do convívio com outros poetas – o que o deixa triste -, Zé Catota é dono de uma memória prodígio. Consegue lembrar com nitidez de quando começou a tocar viola pelos sítios da região entre 13 e 14 anos de idade. Era o início de uma carreira que o levou a tocar em lugares como Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, entre tantos. Ao seu lado nomes que fizeram a história da poesia popular, como Antônio Marinho e Pinto do Monteiro.

“O cantador de viola é o cantador do povo”, diz, relembrando os áureos tempos em que com versos e viola “enchia o prato” de dinheiro nas apresentações. “A poesia foi um dom que Deus me deu”, orgulha-se. Se deixar, Zé Catota pensa e fala no ritmo da poesia, como se tivesse declamando o tempo todo. Às vezes pára para lembrar de algum fato ou para organizar os versos e fazer uma poesia de improviso.

“Eu hoje assisti um drama/e me horrorizei da cena/uma senhora de idade/com uma criança pequena/chorava a filha com fome/e a mãe com fome e com pena”.

Apesar de ter tido muita fama, não ficou rico e vive humildemente numa casa simples na principal avenida da cidade. Reverenciado pela nova geração de poetas, Zé Catota é um símbolo de uma das coisas que São José do Egito tem de melhor: a autêntica poesia popular.

(© JC Online)


Município é berço de autores famosos

Há uma frase muito conhecida em São José do Egito. Dizem que na cidade quem não é poeta é louco e quem é louco faz poesia. É como se em cada casa houvesse alguém fazendo a chamada poesia-de-bancada (o poeta senta diante de uma mesa e começa a escrever a poesia). Daí o município ter gerado ou ter sido abrigo para grandes poetas e cantadores. Entre os que tiveram sua carreira ligada a São José do Egito estão nomes como Rogaciano Leite – também jornalista e ganhador de vários prêmios Esso -, Antônio Marinho – conhecido como primeiro cantador de viola do município e que tem, inclusive, um busto erguido em uma das principais ruas -, os irmãos Batista – Lourival, Dimas e Otacílio -, Job Patriota – tido como o rei do lirismo-, Bil de Crisanto, Zezé Lulu, Pedro Leite e as poetisas Rafaelzinha e Severina Branca, entre tantos.

A poesia caminha lado a lado com a cantoria de viola, originalmente batizada de pé-de-parede. Esse nome surgiu pela forma como os poetas se apresentavam ao público, sentados próximos a uma parede com uma bandeja colocada à frente. Ali era colocado dinheiro como forma de pagamento pela apresentação.

Com a profissionalização da cantoria, essa forma mais tradicional de improviso ao pé-de-parede cedeu lugar aos festivais, onde as disputas entre os participantes geralmente ocorrem por meio de duplas.

A cantoria se desenrola em torno de diversos estilos poéticos. Os mais utilizados pelos cantadores atualmente são a sextilha, o decassílabo, o mourão voltado, a sete linhas, a gemedeira e as décimas, entre outros.

A poesia popular e a cantoria estão inseridas na disciplina Literatura Sertaneja, ministrada num colégio particular do município. São também abordadas como tema transversal nas escolas da rede municipal de ensino. Também ganharam o altar, introduzidas na liturgia das missas dedicadas aos cantadores e aos vaqueiros, realizadas anualmente na matriz de São José.

(© JC Online)

Com relação a este tema, saiba mais (arquivo NordesteWeb)


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