Amigos e familiares
acompanharam enterro de Edith do Prato
Cristina Santos Pita | SUCURSAL SANTO ANTÔNIO
A sambista Edith Oliveira Nogueira, 94, conhecida como
Edith do Prato, foi enterrada por volta das 16 horas da sexta-feira, 9,
no Cemitério Campo de Caridade, em Santo Amaro da Purificação (95 km de
Salvador), sob forte emoção de familiares, amigos e artistas, que
acompanharam sua trajetória musical. Ela morreu na noite de quinta-feira,
8, no Hospital Português, onde estava internada desde o dia 18 de dezembro,
quando teve um acidente vascular cerebral (AVC).
O corpo foi velado na capela da Santa Casa de Misericórdia por todo o dia.
Durante o velório, o grupo musical do Núcleo de Incentivo à Cultura de Santo
Amaro (Nicsa) e as senhoras do Vozes da Purificação, coro das oito cantoras
septuagenárias que a acompanhavam no disco e nos shows, prestaram a última
homenagem à sambista. No final do sepultamento, Caetano Veloso cantou “Viola
meu bem”, acompanhado nas palmas de todos os presentes.
Caetano chegou muito emocionado ao enterro, a exemplo dos irmãos dele, de
Nicinha (irmã de dona Edith), da escritora Mabel e do cantor J. Velloso.
Caetano foi quem projetou dona Edith (ela participou de discos do cantor),
mas ela também contou com a ajuda de outros artistas. Caetano resumiu o
significado do adeus. “Uma perda muito grande. Uma perda da história
cultural do Recôncavo”, disse o cantor. A família Velloso tinha laços fortes
com ela, que era mãe de leite de Caetano. Dona Canô, por sua vez, é a mãe de
criação de Nicinha, irmã caçula de dona Edith.
Ainda adolescente, dona Edith começou a tirar os primeiros sons da metade da
cuia de um queijo no quintal de casa. Assim descobriu um som diferente
quando passou a tocar prato. Tocando prato desde a adolescência, dona Edith
lançou seu primeiro CD em 2003. A sambista deixou dois filhos e duas netas.
Dona Edith do Prato
cantando ao lado de Riachão e Jair Rodrigues
Jornal A TARDE
"Toda a vida, fui louca
por samba, fugia escondida de meu pai, pra espiar o samba. Eu ficava
raspando uma cuia de queijo, mas não acertava nada. Um dia, com uma faca e
um prato de doce, peguei o ritmo. Ficou Edith afamada por isso e, todo
caruru, festa de aniversário, me chamavam pra tocar, mas ninguém me
ensinou". O começo da trajetória musical de Edith Oliveira Nogueira, contada
por ela mesma no DVD Dona Edith do Prato & Vozes da Purificação, realizado
em 2004 na Sala Itaú Cultural, em São Paulo, é tão singelo e autêntico
quanto a sua arte, admirada por nomes importantes da música brasileira.
Sua história se confunde com a das animadas rodas de samba do Recôncavo,
tanto que o músico J. Velloso chegou a compará-la às tias baianas do
candomblé do início do século XIX: "Dona Edith foi guardada de uma forma que
é como se ela fosse uma dessas tias. Certamente esses sambas-de-roda
surgiram na cozinha, assim como o hábito de tocar prato".
Amiga, vizinha e praticamente membro da família Velloso, Edith engravidou na
mesma época da amiga Canô e, por causa de uma forte gripe da matriarca dos
Velloso, foi chamada para amamentar o então recém-nascido Caetano. Além
disso, Nicinha, irmã legítima de Edith, foi criada como filha pela própria
Canô. "Eu fui criada aqui desde os três meses de idade. Um dia choveu, a
minha casa era vizinha, mas aí disseram que eu não podia voltar para não
pegar chuva, aí nunca mais voltei", conta Nicinha nos extras do DVD que fez
o registro do espetáculo da irmã.
Por tantos vínculos e, claro, pela habilidade em extrair sons bem
cadenciados do atrito da faca com o prato, Edith surgiu no cenário da música
brasileira pelas mãos do afilhado Caetano, há três décadas, no álbum Araçá
Azul. Ali, ainda como Edith Oliveira, participou das faixas Viola, Meu Bem e
Sugar Cane Fields Forever. Somente aos 86 anos, teve a chance de gravar o
primeiro disco, Dona Edith do Prato Vozes da Purificação (2003), com
sambas-de-roda, pontos de terreiro e temas de domínio público.
Em 2006, pela primeira vez, ela recebeu uma homenagem em sua terra natal,
Santo Amaro da Purificação. Durante o evento, no Teatro Dona Canô, 30
mensagens de nomes importantes da música e da cultura, como Gilberto Gil,
Maria Bethânia, Dona Canô, Roberto Mendes, Capinan, Caetano Veloso, Jorge
Portugal, J. Velloso e outros, foram exibidas em vídeo.
Maria Bethânia -
Edith, irmã de minha irmã [de criação] Nicinha, era uma amiga
querida de todos nós e uma grande mestra. Foi com ela que aprendi o samba de
roda, a alegria do Recôncavo, a venerar os caboclos e que Janaína pode ser
Iemanjá. Foi uma mestra extaordinárina na minha vida. Felizmente, pude
lançar seu CD pelo meu selo. Estou triste porque ela fará falta ao mundo,
mas ela também precisava descansar. Edith gostava de festa e já estava fora
disso [por questões de saúde]. A última vez que a vi, na casa de minha mãe,
ela estava muito bem humorada, fazendo piada direto, aquelas piadas sensuais
que ela adorava. Que Deus a receba, porque ela vai alegrar demais qualquer
baixo astral!
Dona Canô - Quem criou a irmã dela (Nicinha) fui eu, então
era o mesmo que uma parenta nossa. Era considerada nossa igual, uma pessoa
muito distinta e muito boa.
Jorge Portugal - Edith não era apenas uma figura-símbolo de
uma cultura. Era muito mais, era da família. Uma das matrizes vivas da
cultura do Recôncavo, senhora absoluta de todos os ritmos, além de uma
representação física de um belíssimo Recôncavo, uma figura muito bonita.
Marienne de Castro - A Bahia perdeu uma das suas divas.
Dona Edith é um tesouro do samba. Ela me ensinou muito sobre a cultura
popular da minha terra, incluindo tocar prato. Serei, para sempre,
admiradora e grata pelo carinho dedicado a mim e por ter dividido comigo sua
arte. Estou triste pela sua partida, mas guardo a alegria de ter convivido
com ela e homenageá-la em vida durante toda minha carreira. Espero,
sinceramente, que os outros grandes nomes da nossa música popular possam
receber, ainda em vida, o reconhecimento que merecem.
Carlinhos Brown - Hoje o prato tá mais vazio. Mas Edith
deixa um legado de alegria e responsabilidade cultural. Era dona de um
carisma enorme, foi a maior representante de Santo Amaro. Tá certo, tem
Caetano, tem Bethânia, mas tudo de Santo Amaro vem de Edith e Canô. Como
artista e como pessoa, ela vai deixar saudade. E fez escola, como utilizar o
pirex e gravou bases incríveis. Com um pirex, uma colher e aquele sorriso
ela fazia uma festa. Seja feliz, ela dizia, e isso é que ela nos ensinou: a
ser feliz.
Jotta Veloso - Edith era a raiz viva do samba de roda, como
Tia Ciata era pro samba em si, sabe? Aquelas tias que levaram o samba pro
Rio? Ela permaneceu aqui, com sua alegria, seus sambas de domínio público e
a forma de viver que o baiano não pode perder nunca. É uma perda grande, mas
a guardamos na lembrança como exemplo de alguem que era totalmente
apaixonada pelo samba, de forma quase religiosa. Ela precisava do samba para
viver.
Roberto Mendes - É um pilar que tomba. Você pode colocar um
cais no rio, mas nunca vai ser igual a mata ciliar que protege a margem. Ela
deixa sua herança e seus seguidores. É uma coisa impressionante como as
pessoas aqui sentem a sua perda, pois ela era o ponto de encontro de vários
costumes, de comportamento, mesmo. Era a matriz de um conteúdo cultural, o
canto da nação. É uma perda muito forte, correspondia a boa parte da alma
dessa cidade. É diferente da perda de um artista, ela é a regra que tomba,
não a exceção. Santo Amaro tomou uma pancada forte.
Cristina Santos Pita* | SUCURSAL SANTO
ANTÔNIO DE JESUS
Uma voz se cala em Santo
Amaro da Purificação (a 94 km de Salvador, no Recôncavo baiano). Na tarde
desta sexta-feira, 9, ao som de Luzes da Ribalta, de José Augusto, os
santoamarenses deram o último adeus à sambista Edith Oliveira Nogueira, mais
conhecida como Edith do Prato, 94, que ficou famosa por usar um prato e uma
faca como instrumentos.
Edith participou do disco Araçá Azul, de Caetano Veloso, de quem foi mãe de
leite. Trinta anos depois, aos 86 anos de idade, gravou o próprio CD, Dona
Edith do Prato e Vozes da Purificação, produzido pelo cantor e compositor J.
Velloso, com patrocínio do governo do Estado.
Foram poucas, mas marcantes, as vezes em que as chulas, sambas-de-roda e
lundus, típicos do Recôncavo baiano, subiram aos palcos pontuadas pelo toque
do prato de dona Edith, que nunca imaginou fazer carreira artística e nem
usou esse dom como profissão. Não teve nenhuma referência artística, mas
contou com o dom natural de tocar um simples prato de louça, ainda
adolescente.
“Ela começava a tirar os primeiros sons da metade de uma cuia de queijo
quando brincava de fazer comida no quintal de casa. Na adolescência, tocava
prato e assim descobriu um som diferente e foi aperfeiçoando. Para ela, o
prato tinha que ser de louça e o mais barato, e a faca de inox, sem cabo de
madeira. Não teve referência artística, mas um dom, que foi desenvolvendo
aos poucos. Ela nunca se imaginou artista”, contou o neto de criação e
produtor Ninho Nascimento.
As duas famílias mais conhecidas de Santo Amaro, a Velloso e a Oliveira, são
muito próximas porque a irmã caçula de Edith, Nicinha, foi criada por dona
Canô, e Caetano é filho de leite de dona Edith.
EM PÚBLICO – A primeira aparição pública de dona Edith do
Prato foi em Santo Amaro, há 60 anos, no aniversário de Maria Mutti,
diretora do Núcleo de Incentivo Cultural de Santo Amaro. Tocando prato, ela
se apresentou há dois anos e meio com Roberto Mendes no SESC Pompéia, em São
Paulo. Em Salvador, foi em junho do ano passado que apareceu pela última vez
em público, no lançamento do livro Mulheres negras do Brasil, na Fundação
Pedro Calmon. “Na página 404, há relatos sobre a vida e a tardia, mas
influente, musicalidade de dona Edith”, ressaltou Ninho. Em 2004, ela ganhou
o Prêmio TIM de Melhor Disco Regional.
Segundo Ninho, que a acompanhava em todos os lugares há 14 anos, dona Edith
do Prato não sofreu influência artística, mas foi uma referência para outros
artistas como o próprio Caetano, Maria Bethânia e Mariene de Castro. A
primeira vez que ela saiu de Santo Amaro foi em 1972, com Roberto Mendes,
para se apresentar num festival, em Feira de Santana. “No ano seguinte
Caetano a projetou como intérprete, foi quando se tornou mais conhecida.
Teve participações também no disco Circuladô, de Caetano, em três discos de
Roberto Mendes, e do disco Ciclo, de Maria Bethânia. Ela influenciou todos
esses artistas que a tornaram conhecida”, contou.
Alguns até tentaram aprender a tocar prato com dona Edith, como Mariene de
Castro e o próprio filho, Luciano Oliveira, 63 anos, que foi percussionista,
além de Valmar Paim, que hoje é músico do Chiclete com Banana.
A técnica de tocar pratos descoberta por dona Edith tem particularidades. “O
prato tem que ser o mais vagabundo e barato, de louça. Não é qualquer louça
ou faca que produz o melhor som. A faca tem que ser fina e sem cabo de
madeira, toda de inox”, ensinou o neto de criação, Edson Nasciento.
Dona Canô, a matriarca dos Velloso, relatou que Santo Amaro perdeu uma
pessoa de boa índole e que ajudou a projetar a cidade. “Ultimamente Edith
perdeu a força e deixou de tocar prato. Deu nome a Salvador e à Bahia. Uma
voz que se calou no Recôncavo e deixa muitas saudades”, avaliou.
Toda Santo Amaro se mobilizou para se despedir da sambista. Ela morreu às
22h30 de quinta-feira, aos 94 anos, depois de apresentar insuficiência
respiratória. Estava internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do
Hospital Português desde o último dia 18, devido a um Acidente Vascular
Cerebral (AVC)