Foto:
Daniela Nader/Divulgação
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As
heroínas de Tejucupapo, parte da história do Brasil contada na rota
Engenhos e Maracatus
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Investigação
sobre os efeitos míticos na construção de obras teatrais aproxima
criação de pesquisadora pernambucana do trabalho das mulheres de
TejucupapoLydia Barros // Diário
Luzia Maria da Silva, 63 anos, é uma típica mulher de Tejucupapo. Não por
acaso, é "a voz" desse pequeno povoado de 20 mil habitantes, localizado a
cerca de 63 quilômetros do Recife, que parece apagado do mapa de prioridades
da administração pública.
Desde 1993, as mulheres do povoado dramatizam
o episódio histórico. Foto: Juliana Leitao/DP/D.A Press. |
Casou aos 18, ficou viúva aos 29, teve oito filhos (criou sete), lavou roupa
para fora, engomou, passou jogo do bicho e hoje respira aliviada como
funcionária pública - trabalha como auxiliar de enfermagem da unidade mista
da prefeitura de Goiana. Dona Luzia foi uma das fundadoras do Clube das Mães
da cidade, mais tarde transformado em Associação Heroínas de Tejucupapo, que
desde 1993 responde pela montagem do espetáculo A batalha das guerreiras,
encenado sempre no último domingo de abril, nas trincheiras cavadas pelas
guerreiras ancestrais daquela cidade histórica. É uma mulher que faz questão
de dizer da alegria (e da energia) que investe na comunidade onde ao longo
dos anos foi se transformando em uma espécie de "conselheira para assuntos
gerais".
Luciana Lyra, 34, não é de Tejucupapo, mas também pode ser considerada uma
guerreira. Estudou Artes Cênicas na Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE), lá fez uma especialização em História da Arte, atuou no Teatro de
Amadores de Pernambuco, participou da Paixão de Cristo de Nova Jerusalém, e
de montagens no Centro de Artes da UFPE. Sonhou com Joana D'Arc e foi atrás
de sua mítica, numa pesquisa que começou com a montagem de um espetáculo de
conclusão de curso, Joana in cárcere (2001), que dirigiu e estrelou, e
seguiu com o mestrado na Unicamp, do qual resultou o trabalho de dupla face
(uma dissertação e uma remontagem da sua Joana pernambucana) que serviu de
base para investigação que a levou a Tejucupapo. Mais precisamente, à
associação presidida por Dona Luzia.
O encontro aconteceu em 2007. Luciana, a essa altura com uma parceria
consolidada com Viviane Madureira na companhia Duas de Criação (SP) -
responsável pelas montagens de Joana in cárcere (2005), Calunga (2006) e
Conto (2007) - estava interessada nos ecos de uma "máscara da guerreira" no
imaginário popular, inspirada na pesquisa que desenvolvia sobre os efeitos
míticos na construção de obras teatrais e coreográficas. Na investigação,
aprofundada no doutorado de Artes da Unicamp, ela refletia sobre o papel da
figura heróica como uma máscara ritual dela mesma, mas ainda não conhecia a
história das mulheres de Tejucupapo. Ate que o livro Tejucupapo, história,
teatro, cinema, organizado por Cláudio Bezerra (ver matéria vinculada) caiu
em suas mãos. "Nunca tinha ouvido falar sobre o episódio histórico nem sobre
a Batlha das guerreiras. Achei incrível. Fiquei me perguntando sobre as
mulheres de Tejucupapo do presente". Conseguiu os contatos e arrumou as
malas.
Com base nas pesquisa de campo iniciada naquele ano, Luciana passou a
trabalhar a ideia de mito como processo de aprendizagem, utilizando como
lastro teórico o pensamento do sociólogo Gilberto Ran e as teorias da
performance de Mario Cohen. Queria explorar a questão imagética do teatro,a
ideia de que é possível deixar-se guiar por determinados mitos, em
determinadas fases da vida, a partir da hipótese de que os mitos podem
permanecer como tônica de uma comunidade, dependendo da necessidade, muitas
vezes como afirmação. "Trabalho muito essa vertente performática, que não
encara o personagem como ficção, mas como personagem de si mesmo". Luciana
diz que a conexão que tem com as mulheres de Tejucupapo parte desse
princípio: "Você as vê falando sobre os personagens que elas vivem na peça
e, de repente, elas estão falando delas mesmas, do pai, da mãe, dos filhos,
do cotidiano".
(©
Diário de Pernambuco)
Vilarejo acolhe "residentes" com sede de conhecimento
Atrizes do grupo
Fofos Encenam (SP) trabalham na montagem de Guerreiras
com base na saga das mulheres de Tejucupapo
Para Luciana Lyra foi simbólico o fato dela, pernambucana, estar em São
Paulo estudando o mito da guerreira enquanto as pernambucanas de Tejucupapo
continuarem lutando para produzir um espetáculo que diz muito delas mesmas e
- melhor - a partir de um epísódio histórico que envaidece a cidade.
Luciana Lyra (de óculus) e suas companheiras
de grupo trocaram experiências com a comunidade. Foto: Luciana
Lyra/Divulgação |
E isso, contras todas as expectativas otimistas de longevidade da produção.
É importante lembrar as demandas de uma montagem que envolve 220 moradores
de uma comunidade pobre - incluindo crianças e adultos de todas as idades -,
a reciclagem anual de cenários e figurinos, estrutura mínima de palco e som,
além de um ritual de ensaios regulares a cada nova temporada. Tudo isso, até
bem pouco tempo, sem qualquer apoio formal do Estado, município ou da
iniciativa privada.
A pesquisa de Luciana Lyra tomou a forma de projeto com o selo do Funcultura
em 2008. Guerreiras é o desdobramento empírico do doutorado que a
atriz/diretora desenvolve na Unicamp, vinculado à área de Antropologia da
USP. Além da pesquisadora, envolve sua parceira na Duas de Criação Viviane
Madureira, as atrizes paulistas Simone Evaristo, Kátia Daher e Cris Rocha -
que integram, junto com Luciana e Viviane, o grupo Fofos Encenam, dirigido
por Newton Moreno (que fará uma consultoria dramatúrgica em Guerreiras) e
Luiz Fernandes Neves - além de uma equipe formada por parceiros constantes,
a exemplo do figurinista Gustavo Silvestre (que tem trabalhos com Zé Celso
Martinez Corrêa, Cisne Negro e o Grial, entre outros), o cenógrafo Anselmo
Madureira, a design de luz Luciana Raposo e a cantora/compositora Alessandra
Leão.
O projeto compreende a encenação de Guerreiras, estrelada pelas cinco
atrizes, e uma série de oficinas na comunidade que inspira o espetáculo. "Me
chamava atenção a carência da população de Tejucupapo por informações sobre
o teatro. Por mais que a comunidade esteja envolvida com A batlha das
guerreiras, a coisa se dá de forma espontânea. Há uma sede enorme de
conhecimento", afirma Luciana, que além dos workshops iniciados em 2007,
conseguiu formataruma espécie de "residência" para todo o grupo envolvido no
projeto, que passou uma semana "acampado" na sede da Associação Heroínas de
Tejucupapo.
A comunidade participou com entusiasmo das aulas propostas pelo grupo:
história do teatro (1º dia), corpo e voz (2º dia), e dramaturgia 3º e 4º
dias. Da parte final resultou a montagem de uma adaptação de Os fuzis da
senhora Carrar, de Brecht, a título de laboratório. Enquanto administravam
as oficinas, os residentes acompanhavam as mulheres na lida da maré, na
rotina de suas casas, nas trincheiras onde elas encenam o espetáculo. Esse é
o alimento da montagem que tem previsão de estréia em abril. Do projetam
constam oito apresentações no Recife, entre o campus da UFPE e o Sítio da
Trindade, e três em Tejucupapo - será a primeira oportunidade das
"atrizes-heroínas" assistirem a uma peça. A ideia é que, em Tejucupapo,
Heroínas seja parte da programação festiva de abril. A idéia é também levar
o grupo de Dona Luzia para a estréia no Recife, dia 15 de abril, com direito
a fala oficial de abertura (por conta de Dona Luzia) e apresentação de uma
roda de coco (por conta das heroínas de Tejucupapo). (Lydia Barros).
(©
Diário de Pernambuco)
Água de pimenta nos olhos do inimigo
1646. Os invasores holandeses perdem o domínio sobre as terras de
Pernambuco e se protegem das tropas insurgentes no Forte Orange, em
Itamaracá.
Espetáculo das mulheres lembra a valentia
de suas ancestrais e começou a ser montado em 1993. Foto:
Fernando Gusmao/DP/D.A Press |
Sofrem com a fome e o escorbuto. Bem perto dalí, o distrito de
Tejucupapo surge como possibilidade de manobra diversionista, de fácil
empresa, onde os inimigos poderiam reabastecer-se com suprimentos
tomados da população. Liderados pelo almirante Johan Lichtart, em 24 de
abril daquele ano, cerca de 600 homens se lançam ao mar em direção à
Maria Farinha para tomar de assalto o vilarejo. São surpreendidos.
A Batalha do Monte das Trincheiras, como ficou conhecida a batalha de
Tejucupapo - aqui narrada sem o rigor devido à História -, teve como
maiores protagonistas as mulheres do lugar, que se juntaram aos maridos,
filhos e irmãos na defesa do seu território - diz-se que não combatiam
os holandeses, nem eram propriamente aliadas dos lusos-brasileiros,
apenas lutavam por suas famílias. Relatos dão conta de que, ao
perceberem a supremacia militar dos invasores, as mulheres acharam por
bem usar outras armas na batalha: pimenta e água quente, chuços e
enxadas. Diz-se ainda que a líder do movimento, uma mulher conhecida
como Maria Camarão, saiu às ruas com um crucifixo em punho convocando as
outras à guerra.
Como o plano ataque de Lichtart era conhecido pela população do lugar
graças a informação de dois mensageiros, a população precisou decidir
rápido como reagir. E decidiu-se por agir em duas frentes. Cerca de 30
homens (dos 100 que se encontravam no vilarejo naquele dia) escondeu-se
na mata para atacar de surpresa, bem próximo às trincheiras cavadas pela
população em uma das colinas que dá acesso à praia de Carne de Vaca. As
mulheres-guerreiras, por sua vez, partiram para o ataque nas
trincheiras, munidas de panelas com água quente de pimenta e mirando bem
os olhos do inimigo. Cerca de 300 tombaram "cegos". O almirante holandês
bateu em retirada.
(©
Diário de Pernambuco)
Cultura é alternativa à lida na maré
Guerreiras de
Tejucupapo levam adiante herança de resistência na Zona da Mata e
sonham com autonomia e profissionalização
Lydia Barros // Diario
Dona Luzia é uma mulher valente que não abre mão dos sonhos. O maior
deles é movimentar a Associação Heroínas de Tejucupapo durante o ano
inteiro, e não apenas entre março e abril, quando a casa, cedida pela
prefeitura (depois de muita reivindicação) até 2015, fica agitada com a
rotina de ensaios e provas de figurino para a montagem da temporada.
Atrizes da comunidade produzem artesanato
que reconta sua própria história; abaixo, agitação na casa-sede
durante os ensaios e prova de figurinos. Foto: Juliana
Leitão/DP/D.A Press |
Não faltariam adesões já que além da vocação "cênica" da comunidade, as
mulheres produzem crochês e bordados e as crianças, bonecas-heroínas.
Oficinas de trabalhos manuais, portanto, seriam muito bem-vindas. Além
disso, também não faltariam atrativos para a visitação de turistas e
moradores da região, já que a fascinante história das mulheres de
Tejucupapo é potencialmente o maior trunfo turístico do município,
depois das praias de Ponta de Pedras e Carne de Vaca.
"Aqui tem pastoril, cavalo-marinho, artesanato, batalha das heroínas,
mas é preciso movimentar essa produção", diz Dona Luzia, cujo sonho, na
verdade, é por autonomia. Como faltaminvestimentos na vocação cultural
da comunidade, que tem na pesca de maré e no corte da cana seu principal
sustento, a ideia é tirar proveito de uma genuína vontade coletiva de
contar uma história de resistência ancestral, protagonizada pelas
mulheres de Tejucupapo no século 17. Tamanha é a força de vontade das
mulheres do lugar que a encenação vem sendo levada, aos trancos e
barrancos, há 16 anos, ficando "fora de cartaz", por falta de caixa, só
em 1995 e 1996.
É verdade que a virada do ano 2000 trouxe boas novidades à Tejucupapo,
com a entrada em cena da equipe de produção do documentário Um filme
sobre mulheres guerreiras, de Marcílio Brandão e Amaro Filho, que
faturou o prêmio Ari Severo de Roteiro e levou à associação presidida
por Dona Luzia um sopro de profissionalização. "Pode-se dizer que o
espetáculo era um antes do filme e virou outro depois", declara o
diretor de Políticas Culturais da Fundarpe, Carlos Carvalho, envolvido
pessoalmente com a montagem a partir de então (fez direção de elenco
para ocurta e retornou várias vezes para ensaiar as "atrizes-guerreiras"
e comandar a sonorização da peça). Foi depois do filme que o espatáculo
passou a constar do calendário oficial do município de Goiana (com
direito a cachês) e que o elenco ganhou figurino apropriado: "A gente
usava nossas roupas coloridas, mas o pessoal do filme fez o estudo do
figurino de época", recorda Luzia.
A carreira de sucesso de Um filme sobre mulheres guerreiras, lançado em
2002, deu visibilidade nacional ao episódio de Tejucupapo e,
principalmente, à luta das mulheres do lugar para preservar essa
memória. A experiência cinematográfica foi desdobrada no livro
Tejucupapo - História, teatro, cinema, organizado por Cláudio Bezerra e
lançado ano passado.
Mas que não se pense em dias tranquilos de lá para cá. A Associação
deixou de pagar seu CNPJ e acumula uma dívida (alta para a realidade do
lugar) de R$ 3 mil. Por isso, depende de produtores de fora para receber
formalmente o dinheiro dos patrocinadores que consegue arregimentar - há
dois anos, por exemplo, a Fundarpe comparece com recursos do Funcultura
Governamental. "Estamos inclusive orientando Dona Luzia, nessa situação
emergencial, para que ela possa receber os cachês através do Sated-PE
(Sindicato dos Artistas), isso garantiria mais liberdade para ela e a
associação", opina Viviane Madureira.
Os projetos culturais, Dona Luzia bem sabe, podem ser uma saída para a
manutenção do grupo. Tanto que, em 2008, a Associação Heroínas de
Tejucupapo se canditadou ao status de Ponto de Cultura (projeto do MinC
gerido no estado pela Fundarpe), mas acabou ficando de fora por conta de
problemas de formatação. "Conversei pessoalmente com Dona Luzia,
expliquei que ela deveria procurar Marta Figueiredo, que é diretora de
formatação de projetos, para evitar erros dessa natureza", comenta
Carlos Carvalho. Para ele, ao envolver a comunidade em um projeto
estruturador, a Associação tem tudo para se tornar um Ponto de Cultura.
"Em breve sairá mais um edital para escolha de novos Pontos de Cultura;
Pernambuco ainda terá 40, espero que elas se inscrevam novamente", diz
Carvalho.
Luciana Lyra enfatiza a necessidade de garantir a autogestão do projeto
cultural das mulheres do lugar com investimentos na capacitação técnica
do grupo. "Dona Luzia é muito articulada, mas ela precisa de uma
retaguarda, é preciso multiplicar esse saber. Fico impressionada com o
interesse das crianças, mas não se dá continuidade ao projeto", reclama.
Para Viviane Madureira, a comunidade não pode ficar à merce das vontades
políticas ou dos humores de produtores culturais. "Elas devem tomar as
rédeas desse processo".
Dona Luzia parece pronta para a briga. Ano passado, a peleja foi com um
vereador que, segundo ela, quis lhe passar a perna. "Fiz a denúncia por
escrito, tirei xerox e sai distribuindo. Entreguei na mão de um
representante do governador, que veio a Goiana para uma inauguração. Ele
viu que era sério e terminou contornando a situação", conta. O dinheiro,
recorda, saiu um mês depois da encenação, "depois de muito sacrifício".
Tudo bem. Dona Luzia ainda não dá sinais de cansaço.
(©
Diário de Pernambuco)
Peleja no dia a dia; glória no palco
Severina Brito de Oliveira, 76 anos, no elenco da Batalha das heroínas
desde as primeiras montagens: "Faço Maria Joaquina, acho lindo.Umas das
líderes me chama, aí eu me ajoelho e peço a Deus força para lutar. Esse
é o meu papel", conta. Dona Biu, como é conhecida na comunidade, fala
que ouve a história da Batalha de Tejucupapo desde menina, porque
precisava atravessar as trincheiras para chegar ao roçado onde
trabalhava com o pai. Ela "nasceu na agricultura", casou aos 18 anos com
um viúvo que tinha quatro filhos e teve mais 18 (foram três gestações de
gêmeos): "Quando fiquei viúva ainda tinha três crianças pequenas e
nenhum centavo pra comprar um pão. Graças a Deus, sou uma pessoa que
faço amizade e não me faltou nada. Um dia, um rapaz que tinha arrendado
um terreno pra plantar cana aqui perto me chamou pra içamiar a cana
(colocá-la no rego para ser adubada, coberta, limpa até a época do
corte),eu nunca tinha feito o serviço, mas disse a ele: ninguém nasce
sabendo, vendo fazer, posso fazer melhor do que osoutros. Então, no fim,
eu içamiei, cobri, adubei e limpei. Só não fiz o corte, mas não foi
porque não sabia".
Claudenir de Oliveira, 40, entrou na peça somenta há um ano, mas agora
não pretende parar - conta que costumava assistir às apresentações e que
conhecia bem a história desde criança. Atualmente está sem trabalho, mas
cuida dos dois filhos em casa e também faz croché para ganhar uns
trocados. Para ela, a história das guerreiras de Tejucupapo representa a
luta das mulheres do lugar de ontem e de hoje. O melhor é que, ao subir
no palco para representar essa história, Claudenir afirma estar
realizando um sonho. "O sonho de ser atriz e o sonho de ver nossa
história reconhecida".
Edenilda do Nascimento Silva, 76, já foi cozinheira, lavadeira, artesã.
Morava no Recife, mas há 10 anos mudou-se para Tejucupapo para ficar
junto da filha. "Só paro de trabalhar nas heroínas quando morrer. Eu me
sinto uma heroína, sou uma delas".
Eliane Maria de Santana, 34 anos, é funcionária pública. Tem dois filhos
adolescentes e diz que a montagem da peça representa muito para ela e as
amigas. "A vida aqui é muito dura, sofrida, principalmente para quem
depende da maré# Eu mesma comecei a pescar aos 13 anos; depois fui
trabalhar na casa de outras pessoas, foi duro. Por isso, a história das
heroínas tem tudo a ver com a gente, com a nossa realidade, que hoje tá
até piorada por conta do desemprego".
Luzia Maria da Silva, 63, "a diretora", acredita que tem um dom e
precisa tirar proveito disso. "Passei 18 anos na igreja católica,
montando pecinhas teatrais baseadas na Bíblia, e quando deixei a igreja
- sou evangélica há 11 anos -, não parei de lutar, de mostrar o que a
minha terra tem. Eu não danço, eu não bebo, só faço incentivar e criar",
comenta. Afirma que a luta está no seu sangue e que, quando a alguém faz
alguma coisa por amor, não liga para as "pedradas". "Quando levo muitas
pedras, construo um degrau a mais para subir".
(©
Diário de Pernambuco) Como nasce um espetáculo
Dona Luzia diz que decidiu tomar Tejucupapo como sacrifício de vida.
Dona Luzia mergulhou em livros de história
para criar o primeiro roteiro. Foto: Juliana Leitão/DP/D.A Press |
A história das guerreiras ela ouvia da avó, mas foi durante uma
temporada no Hospital do Câncer, em 1984, onde se internou para a
retirada de um nódulo em um dos seios, que teve a curiosidade aguçada
por uma enfermeira que lhe perguntou sobre o episódio. De volta à
Tejucupapo, com a ajuda da diretora do Colégio Costa e Silva e de uma
jovem da comunidade, mergulhou nas publicações e livros de história que
encontrou - na Secretaria de Turismo do município conseguiu um exemplar
surrado da cartilha O novo Nordeste, que lhe foi fundamental - mas ainda
não sabia bem o que fazer com as informações. Em 1993, novamente
internada, dessa vez para a colocação de um marcapasso, Dona Luzia foi
buscar nas heroínas a força que precisava para encarar o novo problema
de saúde: "Eu não aceitava aquele marcapasso, mas decidi que ia viver,
essa seria a minha guerra",
O "épico" A batalha das heroínas foi se desenhando em sua cabeça "As
pessoas não acreditavam que a coisa fosse sair, inclusive, nenhum rapaz
daqui quis participar (as mulheres tiveram que se vestir de homem)",
recorda Dona Luzia. "Na véspera da estreia, mandei uma pessoa levar um
ofício na Rede Globo falando sobre o espetáculo. Na hora, só ouvi as
pessoas gritando: Luzia, a Globo chegou, a Globo chegou... Foi muita
emoção". A luta das mulheres de Tejucupapo, para Dona Luzia, nunca
chegou ao fim: "Lutamos com as mesmas armas, que são poucas; o
sofrimento é grande, mas temos que lembrar do nosso passado de glória
para passar uma coisa melhor para nossos filhos".
Para Luciana Lyra e Viviane Madureira, o mito da heroína é (re)afirmado
diariamente pelas mulheres de Tejucupapo porque ele é necessário. "Só
que os holandeses vão tomando outras caras: é a politicagem, a falta de
participação dos moradores, a falta de trabalho... a necessidade de luta
permanece", argumenta Viviane. Luciana, que se lançou ao desafio de
compreender como a "máscara da heroína" funciona para aquelas mulheres,
admite que apesar da forçadesse mito, a comunidade vive muitas
contradições (os índices de violência contra a mulher são
significativos), mas acredita que a dialética que permeia a vida dessas
mulheres é o que as faz ainda mais fascinantes.
(©
Diário de Pernambuco) |