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As sombras mouriscas de Alceu

26/01/2009

 

 

Fotos: Divulgação e JC Imagem

Alceu Valença
 

Lançado pelo selo da Biscoito Fino, Ciranda mourisca, novo disco de Alceu Valença, aposta em várias regravações

José Teles
teles@jc.com.br

Alceu Valença é mais um grande nome da MPB que emigrou para a Biscoito Fino. Quinta-feira, na Pensão do Amparo, em Olinda, ele lançou o CD Ciranda mourisca, sua estreia pela gravadora carioca. O que primeiro chamou atenção no disco foi o fato de não ser um álbum de inéditas, e sim de regravações. A única música do disco que ele não havia gravado é Ciranda da rosa vermelha, que fez para Elba Ramalho. No entanto, foi uma opção que não tem a ver com escassez de material novo: “Tem um monte (canta trechos de várias músicas inéditas). Por que não fazer um disco de inéditas? É uma coisa muito traumática. Venho de uma geração que lançava uma música e gostava de ver a música acontecer. Agora, a minha música não vai tocar, é meio complexo, então vou gravar pra que, por quê? Mas hoje já temos outras histórias, sites, onde vou disponibilizar minha música do jeito que eu quiser, vou brincar de fazer isto. O cara vai a um estúdio, mas não existe perspectiva. As músicas não acontecem mais, o disco está morrendo, uma única música é que pode acontecer. O disco em si, daqui um tempo, vai desaparecer”.

A maioria do repertório de Ciranda mourisca é o que se costuma chamar de “música lado B”, ou seja, foram pouco tocadas no rádio (a exceção é Pétalas, parceria com Herbert Azul). Algumas como Dente de ocidente (de Molhado de suor, 1975), ele não cantava há anos. Quando foi convidado a gravar pela Biscoito Fino, Alceu conta que lhe encomendaram um disco de cirandas: “Fiquei pensando, será que faço uma ciranda tradicional? Fiquei com aquela história na cabeça. Fiz uma viagem no tempo, antes mesmo do primeiro disco. Fui para a época da universidade, quando ia para Itamaracá e encontrava a roda de ciranda de Baracho, e ia pro Janga onde encontrava a ciranda de Dona Duda. E ia no bar dos comunistas e encontrava Baracho tocando, aos sábados, dividindo espaço com os chorões, com o samba. Fui me lembrando de tudo isso, lembrando das praias, da noites, das namoradas. Do apito, do bombo de ciranda. Fui constatando e vendo que a ciranda é daqui do litoral, mas veio foi do Agreste e do Sertão. Porque, no fundo, o cirandeiro é um cara que tira toadas e com um pouco de mudança no sotaque isso chegou aqui. É uma melodia que remete muito mais para as coisas do Sertão, dos violeiros, dos cegos de rabeca”.

E daí vem o “mourisco”, herança portuguesa: “O conceito sonoro deste disco é de sombras mouriscas. É uma coisa que está ali, mas você não vê. Como existe aqui no Nordeste toda uma ancestralidade sonora e musical que vem dos mouros e de Portugal”. As canções foram sendo escolhidas por ele e Yanê, sua mulher: “E aí através desta viagem começamos a procurar música que tivessem uma similitude, na letra com água. A ciranda é uma coisa leve, a própria dança da ciranda parece que você está no ar, procurei fazer uma coisa que já tinha feito. Queria procurar um timbre de transparência. O timbre é tudo na música. Tem métrica, harmonia, tem tudo, mas o diferencial é o timbre”. Ele chegou a timbragem desejada com músicos que são seus amigos, mas com os quais não costumava tocar (a não ser em casa). O percussionista francês Jean Dumas, o flautista e saxofonista marroquino Dito Inácio, o guitarrista e violonista paraibano, descendente de japoneses, Rissashi Honda. Da sua banda, participaram o guitarrista e produtor Paulo Rafael e o percussionista Edwin. O resultado é um trabalho que parece ser de músicas inéditas. As canções receberam nova roupagem, um ondulante andamento mourisco, como acontece em Iris (de Leque moleque, de 1987). Apesar das guitarras, Ciranda mourisca é um disco intimista, cujo show só deve ser apresentado em teatro: “Não dá para fazer em grande espaços abertos ao público. Mas não tenho uma data para começar o show deste CD. Agora meu trabalho está sendo pensado para o carnaval. Faço dois shows por dia aqui, e canto também em outras capitais, feito Belo Horizonte”, diz o folião Alceu Valença.

(© JC Online)

 


“A fuleiragem music vai destruir o Brasil lá fora”

Eis algumas das opiniões de Alceu Valença sobre a indústria da música e seus meios:

FORA DAS FMs

“É um negócio complexo para a minha pessoa, porque faz muito tempo que aconteceu isso. Fiz parte da destruição da MPB. Ela foi destruída por gravadoras. Eles quiseram, além de ganhar o dinheiro do que eles vendiam, o direito autoral do artista. Ofereciam música aos artistas para o direito autoral ir para a gravadora. Na RCA, eles tinham várias pessoas que compunham para os artistas. Depois que fiz Estação da luz, eles me ofereceram uma música para eu gravar e não aceitei. Deixaram de botar minha música para tocar. Um clipe que fiz pra Globo, eles tiraram. Então resolvi mandar as gravadoras para a puta que pariu”.

PORTUGAL

“Nós do Brasil somos escrotos com Portugal. A gente fala da nossa africanidade, com toda razão, porque ela está presente. Fala-se da nossa coisa indígena. Ninguém fala em Portugal, incrível. Portugal trouxe pra cá o trovador, trouxe pastoril, o fado, músicas juninas, e ninguém fala nisso?”

GIL, O MINISTRO

“Gil não fez absolutamente nada pela MPB. O ministério dele foi melhor do que o de Weffort, Ponto de Cultura é um negócio bacana. Mas música brasileira nada. Não vi nem uma vez ele fazer um esforço e levar todo mundo lá para fora. Houve esforço para levar ele. Eu tentei levar, fiz um projeto para levar todo mundo, o Brasil Novo Tempo, mas não deu certo. O Brasil está sendo divulgado lá fora por um tipo de música canalha! Mas pense o Brasil divulgado pela coisa bonita brasileira, pela sua identidade. Porque os gringos são apaixonados pelo samba, pelo choro. O mundo gosta do Brasil, mas o Brasil não gosta de se mostrar pro mundo”.

COMPLÔ

“Tenho quase certeza de que a destruição da música brasileira foi um movimento que veio do Departamento de Estado e Propaganda dos Estados Unidos. Não posso entender, como é que você pode destruir uma indústria de um bilhão de dólares? A MPB dava 800 bilhões de dólares. A MPB de qualidade era detentora de 80% do mercado de música brasileira. Os caras chegaram e trocaram Chico Buarque por Ursinho blau blau. Em 1986, tudo acabou. Dentro da minha loucura eu digo o seguinte: isto se deve à queda da ditadura. A MPB era contra a ditadura. Então ficaram com medo de uma nova Cuba, pela influência desses artistas de esquerda. Quem ouviu Bethânia, Chico, Milton tocar depois de 86? Tudo isso podia até ter acontecido, de uma maneira mais vagarosa. De repente caiu tudo, e veio outra coisa”.

FULEIRAGEM MUSIC

“Eles são absolutamente negociantes. A fuleiragem music vai destruir o Brasil lá fora, porque o axé destruiu a imagem de música de qualidade que se tinha do Brasil. Existia na Europa a boa música brasileira. Só iam para Europa os tampas de crush, Caetano, Chico, Gil, Milton. O besta aqui foi muitas vezes. Tinha um tipo de público do cacete. Aí, quando entrou o axé, a fuleiragem, sabe qual o público desta música? Quenga. A fuleiragem aconteceu, mas será que sãos os músicos que fazem a música? Quem faz é o cara não gosta de música, mas sabe trabalhar a coisa, contrata uns caras, o jabaculê come por todos os lados, mas não se faz arte”.

(© JC Online)
 


SITE

Alceu Valença - NordesteWeb

ÁUDIO

Alceu Valença - Ai de ti Copacabana

VÍDEO

 

Alceu Valença - Pelas Ruas Que Andei [FVR 2008]

Casa de Alceu Valença em Olinda

 

Com relação a este tema, saiba mais (arquivo NordesteWeb)


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