Fotos:
Divulgação e JC Imagem
|
Alceu
Valença
|
Lançado pelo selo da Biscoito Fino, Ciranda mourisca, novo disco de Alceu
Valença, aposta em várias regravações
José Teles
teles@jc.com.br
Alceu Valença é
mais um grande nome da MPB que emigrou para a Biscoito Fino. Quinta-feira,
na Pensão do Amparo, em Olinda, ele lançou o CD Ciranda mourisca, sua
estreia pela gravadora carioca. O que primeiro chamou atenção no disco foi o
fato de não ser um álbum de inéditas, e sim de regravações. A única música
do disco que ele não havia gravado é Ciranda da rosa vermelha, que fez para
Elba Ramalho. No entanto, foi uma opção que não tem a ver com escassez de
material novo: “Tem um monte (canta trechos de várias músicas inéditas). Por
que não fazer um disco de inéditas? É uma coisa muito traumática. Venho de
uma geração que lançava uma música e gostava de ver a música acontecer.
Agora, a minha música não vai tocar, é meio complexo, então vou gravar pra
que, por quê? Mas hoje já temos outras histórias, sites, onde vou
disponibilizar minha música do jeito que eu quiser, vou brincar de fazer
isto. O cara vai a um estúdio, mas não existe perspectiva. As músicas não
acontecem mais, o disco está morrendo, uma única música é que pode
acontecer. O disco em si, daqui um tempo, vai desaparecer”.
A maioria do
repertório de Ciranda mourisca é o que se costuma chamar de “música lado B”,
ou seja, foram pouco tocadas no rádio (a exceção é Pétalas, parceria com
Herbert Azul). Algumas como Dente de ocidente (de Molhado de suor, 1975),
ele não cantava há anos. Quando foi convidado a gravar pela Biscoito Fino,
Alceu conta que lhe encomendaram um disco de cirandas: “Fiquei pensando,
será que faço uma ciranda tradicional? Fiquei com aquela história na cabeça.
Fiz uma viagem no tempo, antes mesmo do primeiro disco. Fui para a época da
universidade, quando ia para Itamaracá e encontrava a roda de ciranda de
Baracho, e ia pro Janga onde encontrava a ciranda de Dona Duda. E ia no bar
dos comunistas e encontrava Baracho tocando, aos sábados, dividindo espaço
com os chorões, com o samba. Fui me lembrando de tudo isso, lembrando das
praias, da noites, das namoradas. Do apito, do bombo de ciranda. Fui
constatando e vendo que a ciranda é daqui do litoral, mas veio foi do
Agreste e do Sertão. Porque, no fundo, o cirandeiro é um cara que tira
toadas e com um pouco de mudança no sotaque isso chegou aqui. É uma melodia
que remete muito mais para as coisas do Sertão, dos violeiros, dos cegos de
rabeca”.
E daí vem o
“mourisco”, herança portuguesa: “O conceito sonoro deste disco é de sombras
mouriscas. É uma coisa que está ali, mas você não vê. Como existe aqui no
Nordeste toda uma ancestralidade sonora e musical que vem dos mouros e de
Portugal”. As canções foram sendo escolhidas por ele e Yanê, sua mulher: “E
aí através desta viagem começamos a procurar música que tivessem uma
similitude, na letra com água. A ciranda é uma coisa leve, a própria dança
da ciranda parece que você está no ar, procurei fazer uma coisa que já tinha
feito. Queria procurar um timbre de transparência. O timbre é tudo na
música. Tem métrica, harmonia, tem tudo, mas o diferencial é o timbre”. Ele
chegou a timbragem desejada com músicos que são seus amigos, mas com os
quais não costumava tocar (a não ser em casa). O percussionista francês Jean
Dumas, o flautista e saxofonista marroquino Dito Inácio, o guitarrista e
violonista paraibano, descendente de japoneses, Rissashi Honda. Da sua
banda, participaram o guitarrista e produtor Paulo Rafael e o percussionista
Edwin. O resultado é um trabalho que parece ser de músicas inéditas. As
canções receberam nova roupagem, um ondulante andamento mourisco, como
acontece em Iris (de Leque moleque, de 1987). Apesar das guitarras, Ciranda
mourisca é um disco intimista, cujo show só deve ser apresentado em teatro:
“Não dá para fazer em grande espaços abertos ao público. Mas não tenho uma
data para começar o show deste CD. Agora meu trabalho está sendo pensado
para o carnaval. Faço dois shows por dia aqui, e canto também em outras
capitais, feito Belo Horizonte”, diz o folião Alceu Valença.
(©
JC Online)
“A fuleiragem
music vai destruir o Brasil lá fora”
Eis algumas
das opiniões de Alceu Valença sobre a indústria da música e seus meios:
FORA DAS FMs
“É um
negócio complexo para a minha pessoa, porque faz muito tempo que
aconteceu isso. Fiz parte da destruição da MPB. Ela foi destruída por
gravadoras. Eles quiseram, além de ganhar o dinheiro do que eles
vendiam, o direito autoral do artista. Ofereciam música aos artistas
para o direito autoral ir para a gravadora. Na RCA, eles tinham várias
pessoas que compunham para os artistas. Depois que fiz Estação da luz,
eles me ofereceram uma música para eu gravar e não aceitei. Deixaram de
botar minha música para tocar. Um clipe que fiz pra Globo, eles tiraram.
Então resolvi mandar as gravadoras para a puta que pariu”.
PORTUGAL
“Nós do
Brasil somos escrotos com Portugal. A gente fala da nossa africanidade,
com toda razão, porque ela está presente. Fala-se da nossa coisa
indígena. Ninguém fala em Portugal, incrível. Portugal trouxe pra cá o
trovador, trouxe pastoril, o fado, músicas juninas, e ninguém fala
nisso?”
GIL, O
MINISTRO
“Gil não
fez absolutamente nada pela MPB. O ministério dele foi melhor do que o
de Weffort, Ponto de Cultura é um negócio bacana. Mas música brasileira
nada. Não vi nem uma vez ele fazer um esforço e levar todo mundo lá para
fora. Houve esforço para levar ele. Eu tentei levar, fiz um projeto para
levar todo mundo, o Brasil Novo Tempo, mas não deu certo. O Brasil está
sendo divulgado lá fora por um tipo de música canalha! Mas pense o
Brasil divulgado pela coisa bonita brasileira, pela sua identidade.
Porque os gringos são apaixonados pelo samba, pelo choro. O mundo gosta
do Brasil, mas o Brasil não gosta de se mostrar pro mundo”.
COMPLÔ
“Tenho
quase certeza de que a destruição da música brasileira foi um movimento
que veio do Departamento de Estado e Propaganda dos Estados Unidos. Não
posso entender, como é que você pode destruir uma indústria de um bilhão
de dólares? A MPB dava 800 bilhões de dólares. A MPB de qualidade era
detentora de 80% do mercado de música brasileira. Os caras chegaram e
trocaram Chico Buarque por Ursinho blau blau. Em 1986, tudo acabou.
Dentro da minha loucura eu digo o seguinte: isto se deve à queda da
ditadura. A MPB era contra a ditadura. Então ficaram com medo de uma
nova Cuba, pela influência desses artistas de esquerda. Quem ouviu
Bethânia, Chico, Milton tocar depois de 86? Tudo isso podia até ter
acontecido, de uma maneira mais vagarosa. De repente caiu tudo, e veio
outra coisa”.
FULEIRAGEM MUSIC
“Eles são
absolutamente negociantes. A fuleiragem music vai destruir o Brasil lá
fora, porque o axé destruiu a imagem de música de qualidade que se tinha
do Brasil. Existia na Europa a boa música brasileira. Só iam para Europa
os tampas de crush, Caetano, Chico, Gil, Milton. O besta aqui foi muitas
vezes. Tinha um tipo de público do cacete. Aí, quando entrou o axé, a
fuleiragem, sabe qual o público desta música? Quenga. A fuleiragem
aconteceu, mas será que sãos os músicos que fazem a música? Quem faz é o
cara não gosta de música, mas sabe trabalhar a coisa, contrata uns
caras, o jabaculê come por todos os lados, mas não se faz arte”.
(©
JC Online) |