Quando a gravadora Biscoito Fino ligou para Alceu
Valença e disse: queremos um disco de ciranda, o pernambucano
pensou: “Eu? Fazer um disco de ciranda?”. Em princípio, o
pernambucano não conseguia enxergar como fazer um trabalho marcado
por este gênero, com a sonoridade simples. Teve uma ideia: recuperou
canções que ficaram escondidas diante de grandes sucessos de discos
anteriores.
O resultado é Ciranda Mourisca (Biscoito Fino, 2009), um álbum
de regravações de músicas não muito conhecidas de discos como Estação da luz
(1985), Molhado de suor (1974) e Leque moleque, (1987). O “lado B” ganhou
uma roupagem nova, com arranjos que evocam a filiação dos ritmos nordestinos à
música árabe.
A reportagem do JORNAL DA PARAÍBA conversou por telefone com
Alceu Valença. De início, o papo girou em torno da elaboração das letras, da
qualidade dos versos. Valença confessou, com alguns detalhes inclusive, como
compôs “Loa de Lisboa”, uma música de cadência ligeira embalada por versos bem
ritmados: “Dançando na chuva/ E cantando essa loa/ Na Cidade Alta/ da velha
Lisboa/ Lembrei o poeta Fernando Pessoa”. “Primeiramente eu fiz um poema, quando
eu estive em Portugal, lá em Lisboa”. Alceu disse que rabiscou o poema após uma
bebedeira e de um desencontro em busca da casa de um amigo seu.
Sobre o disco, Alceu afirmou que pegou “cirandas esparsas em
vários discos meus e encontrei um timbre bacana para elas”, avalia.
Uma mistura sensual de frutas, cores e paisagem. Assim é a
poesia de Alceu Valença que cita abertamente suas influências como Ascenso
Ferreira, João Cabral de Melo Neto, Mauro Mota, Carlos Pena Filho, além do
paraibano Augusto dos Anjos e o mineiro Carlos Drummond de Andrade. Perguntado
se considera suas letras de música, poesia, Alceu informou em primeira mão que
“um editor já me procurou e vai publicar minhas letras de música como poema”. E
por falar em letristas que escrevem verdadeiros poemas, Alceu destacou um
paraibano, Chico César. “As letras dele são poemas”, opinou.
O sucesso do disco e a sonoridade Mourisca tem feito Alceu
pensar em voos mais largos. “Estou pensando em retomar minha carreira
internacional já que esse disco já está tocando na Europa”. Um fato
curioso na história de Alceu: estudante de Direito no Recife, ele venceu um
concurso e foi para os Estados Unidos participar de um seminário. “Eu levei o
violão. Quando eu tocava bossa nova, não tinha tanta recepção, mas eu me lembro
como a música nordestina, o baião e a ciranda tinham uma excelente recepção.
Quando eu voltei para o Brasil eu já sabia que rumo eu deveria tomar”, recorda.
Nascido em São Bento do Una, Alceu conta que duas grandes
influências suas eram seus avós. “A minha avó tinha um gosto clássico, pela alta
literatura. Já o meu avô era mais ligado à cultura popular. Eu cresci
ouvindo o canto dos violeiros, dos aboiadores, além de Jackson do
Pandeiro, Luiz Gonzaga”.
Quando Alceu foi estudar no Recife, morou na Rua dos Palmares,
onde teve contato com o frevo, o maracatu e os blocos carnavalescos da
periferia.
Não é só musicalmente que Alceu é múltiplo, com um repertório
que traz frevo, ciranda, baião, pop, blues. Ele também está aprontando sua
estreia no cinema.
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CINEMA -
Alceu faz pose em Olinda, PE: "Foi Walter
Carvalho quem disse que meu romance tinha elementos cinematográficos" |
“Alceu, isso aqui é
cinema”. Foi assim que o fotógrafo e cineasta paraibano Walter
Carvalho se expressou ao ver os escritos do que seria um romance,
uma ópera escrita usando a métrica dos cantadores. “Eu estava no Rio
no show de uma banda daí, a Cabruêra. O Walter me encontrou e
perguntou no que eu estava trabalhando, aí eu mostrei para ele o
romance que eu estava escrevendo. Foi ele quem me falou que o que eu
escrevia tinha elementos cinematográficos”.
A partir do papo com Carvalho, surgiu a ideia de fazer um filme que
ficou com o título de Cordel virtual ou O mistério da luneta do
tempo. “Aí já não era mais romance. Eu comecei, eu mesmo, a fazer um
roteiro de cinema. Fiz sozinho, aprendi a fazer o roteiro. O filme é
todo falado em versos”, conta. O tempo foi passando, Walter, que em
princípio faria a fotografia do longa, teve de se dedicar a outros
trabalhos como seu longa Budapeste. “Demorei pra captar recursos,
agora já fiz a captação e devo filmar em breve. Sou eu mesmo quem
vai dirigir”, conta.
DVD DE ROCK
Perguntado sobre como o pessoal do mangue beat,
Alceu falou que “não havia muito citação ao meu trabalho. Mas é
assim, a tendência dos mais novos é negar ou esquecer os
anteriores”, relata. Mas, Alceu fala que tinha uma pessoa do Mangue
com quem ele se relacionava. “Agora eu tinha uma conexão com Chico
Science. Ele era meu amigo, a gente se adorava”, contou.
O pernambucano conta que também ouvia Elvis
Presley e que seu trabalho também tem uma influência roqueira e
adiantou à reportagem: “Eu não falei pra ninguém ainda, mas eu tenho
vontade de fazer um disco, um disco não, uma espécie de DVD, com um
trabalho meu com umas guitarras, esse lado mais pesado, entende?
Sabe como é que Luiz Gonzaga se referia ao meu som? Ele dizia: você
tem uma banda de pife elétrica!”