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As vozes de Alceu e Rémy

02/03/2009

 

 

O produtor francês Rémy Kolpa Kopoul
 

Músico Alceu Valença e o amigo, crítico, DJ e produtor francês Rémy Kolpa Kopoul fazem balanço de reencontro

Marcos Toledo
mtoledo@jc.com.br

Amigos há três décadas, o cantor e compositor pernambucano Alceu Valença e o crítico musical, DJ e produtor francês Rémy Kolpa Kopoul protagonizaram uma série de encontros memoráveis na última semana. O Bicho Maluco Beleza recebeu o amigo que, acompanhado de sua comitiva internacional de jornalistas, produtores e aficionados pela música brasileira, foi agraciado com várias homenagens. Na sexta-feira passada, a dupla voltou a se encontrar no hotel Beach Class, em Porto de Galinhas, onde, por meio de um bate-papo informal, fizeram um balanço de 30 anos de amizade marcados pela comunhão e, claro, pela boa música.

Alceu, todos sabem, dispensa apresentações. Aos 62 anos de idade, 40 de carreira, é um artista que está sempre se reinventando, mas sem deixar sua essência. Prova disso: 1) As dezenas de milhares de pessoas que sempre arrasta para seus shows, agora só possíveis no Recife em palcos como o do Marco Zero, 2) A realização de obras como o mais recente álbum Ciranda mourisca (Tropicana/Biscoito Fino, 2009), resultado de uma releitura da própria carreira marcado pela maturidade, sensibilidade e bom gosto musical.

Já Rémy, 60 anos, apesar do português fluente, com pouquíssimos escorregos, e de demonstrar conhecimento profundo da música brasileira, especialmente a nordestina, e muito mais ainda a pernambucana – algo que começou há exatos 32 anos –, ainda é pouco conhecido dos pernambucanos.

A trajetória de RKK é marcada pela descoberta e divulgação de artistas pelo mundo, sempre sobrepujando a obviedade. Ex-crítico musical (e fundador) do jornal francês Libération, Rémy perdeu o pai quando tinha 7 anos de idade. Dele herdou três anos depois uma discoteca cujo acervo trazia discos de Edith Piaf, Yves Montand, Count Basie, Duke Ellington, Charlie Parker, Django Reinhardt e Bill Halley and His Comets. A coleção ele mesmo começou a completar participando de concursos de rádio, outra fonte essencial no início de sua formação e um veículo no qual também passou a atuar já como profissional.

Se não fosse jornalista, talvez fosse arqueólogo ou garimpeiro. Pois foi assim que RKK passou a se interessar pelo vasto mundo que o esperava mais ainda fora da França num um período em que talvez apenas poucas cabeças pensassem no que viria a se tornar a internet. Um hábito que nunca guardou só para si. Seja como jornalista e, mais recentemente, como DJ, faz questão de compartilhar tudo aquilo que considera bacana na música.

Como produtor, realiza coletâneas, como a recente Latino del futuro (Naïve, 2008), que traz releitura de música latina por artistas de várias nacionalidades, entre eles da França, EUA, Colômbia, Cuba, Jamaica, Inglaterra, Finlândia e Islândia. “É como fazer um cardápio. É colocar coisas juntas e dar um sabor”, define. Como crítico, aposta no mesmo tempero. “Tenho uma regra simples de dizer como eu gosto e porque eu não gosto. Quando você tem o respeito do ouvinte, do leitor, é porque argumenta”, explica. “Quando você gosta, é só passar o sabor do que está escutando. É uma regra simples, mas sempre tenho isso na cabeça. E claro que a música tem a ver com o que está acerca dela. Tem que passar a experiência, tem que passar as histórias. Eu gosto de contar as histórias. É dividir as coisas e abrir as cabeças”.

A relação da geração dos anos 70 e a atual

Na conversa informal entre os amigos Alceu Valença e Rémy Kolpa Kopoul, eles lembraram a época em que se conheceram, no fim dos anos 70, e discorreram sobre suas impressões coletadas ao longos de três décadas vivenciando a música ao redor do mundo, principalmente em Pernambuco.

RKK recordou que, em 1977, dois anos antes de conhecer o músico em Paris, fez a primeira viagem ao Brasil começando a pesquisa por Pernambuco. “Recebi endereços daqui através da Teca Calazans, que mora na França há décadas. Fui parar na casa de um jornalista do seu jornal, o Celso Marconi. Com não sei quantos milhares de discos, mergulhei na discoteca dele, o que ele tinha, não só de Brasil, de todo o mundo”, contou. “O motivo foi descobrir o Brasil, simplesmente. Porque eu tinha me aproximado ao Brasil através dos exilados políticos na França.”

Entre momentos marcantes dessa passagem pelo Estado, RKK guardou encontros com a cantora Zélia Barbosa e Dom Helder Câmara. Juntando essa e mais cinco ou seis oportunidades em que pode retornar ao Brasil, mais as incursões dos brasileiros que presenciou na França, Rémy avaliou que em todas as vezes viu passos marcantes para o estreitamento da relação cultural entre os dois países. Aqui, chegou a ser recebido pelo ex-governador Miguel Arraes, lá participou de shows históricos de brasileiros. Alceu sempre presente.

“Tinha uma percepção parcial da música brasileira e fiquei mais ligado a particularidades da música na Bahia e do que acontece no Nordeste, a partir do Recife”, afirmou RKK. “Descobri a singularidade do que tem aqui, que não tem igual no Brasil, porque são mais ritmos e expressões diferentes de qualquer lugar do País.”

O jornalista, que participou de movimentos políticos na França, nos anos 60 e 70, vê uma ligação daquela geração com a que despontou nos anos 90. “O lado subversivo da cultura e da música tem novo visual hoje. Com a chegada da música eletrônica, com novos ingredientes sintéticos que vão pegando das raízes, como é o caso do DJ Dolores e Silvério Pessoa. É uma continuidade muito interessante de uma afirmação de um lado realmente singular de uma cultura nordestina”, considera Rémy, que destaca ainda o trabalho de Antônio Nóbrega, Fred 04, Nação Zumbi, Junio Barreto, Renata Rosa e Alceu Valença que, para ele, é um artista único. “Enquanto tiver gente como ele por um lado e gente nova que não entra num lado uniformizado, que reivindique novos territórios, sou otimista”, profetiza RKK. (M.T.)

(© JC Online)

 


As vozes de Alceu Valença e do amigo Rémy Kolpa Kopuoul

RÉMY - Meu coração é em pedaços. Meu coração... Concordo total com que Gilberto Gil já contou: "O melhor lugar do mundo é aqui e agora". E mais ainda agora, quando é aqui no Brasil.

ALCEU - Conheci Rémy quando ele estava se interessando pela música brasileira. Estava estudando a música brasileira, na década de 70, em 1979. Conheci os amigos dele - ele era redator do Libération -, conheci em Paris...

RÉMY - Era uma turma de jornalistas franceses muito ligada ao Brasil. Nós éramos muito juntos. Trocávamos as informações, tudo e, inclusive, a primeira viagem que fiz ao Brasil, que foi dois anos antes, em 1977, recebi endereços daqui através da Teca Calazans, que mora na França há décadas, então fui parar na casa de um jornalista do seu jornal, o Celso Marconi, que, com não sei quantos milhares de discos, mergulhei na discoteca dele, o que ele tinha, não só de Brasil, de todo o mundo. Foi a primeira vez no Brasil e em Pernambuco. Fiz três meses na Califórnia, depois peguei o avião para Manaus, peguei o navio para Belém, peguei o avião para Recife, depois Salvador e Rio de Janeiro. Foi a primeira viagem no Brasil. O motivo foi descobrir o Brasil, simplesmente. Porque eu tinha me aproximado ao Brasil através dos exilados políticos na França. Inclusive um deles sendo pernambucano, que eu queria rever, Carlos Henrique Maranhão.

ALCEU - Ele (Carlos) estava morando e estudando cinema lá, em 1979. Encontrava muito ele quando estava lá.

RÉMY - Dessa primeira viagem, foi "uma noite em Paris" inesquecível da minha vida. Fui parar num ex-presídio transformado em museu na cidade (Casa da Cultura). Encontrei o diretor, que me convidou em casa, com a mulher falando francês, e descobri que a mulher dele era uma moça que tinha estudado na França e tinha gravado um disco, mas na verdade sem ser cantora, e esse disco, de músicas de sertão e de protesto (Chico Buarque, João do Valle), se tornou um grande sucesso, totalmente desconhecido no Brasil: Zélia Barbosa.

ALCEU - Zélia Barbosa! Foi daqui. Cantava ali no TPN (Teatro Popular do Nordeste). Não sabia que ela tinha ido pra Europa.

RÉMY - Ela gravou um disco assim por acaso, que se tornou um símbolo da música do Brasil. Conversando com ela - falava francês e eu pouco português -, o assunto chegou sobre Dom Helder Câmara. Ela me disse: "Dom Helder Câmara? Eu faço parte de comunidade de base com ele. Você quer falar com ele?". Ela ligou, ele estava disponível, acabei no quartinho dele. Foi um dos encontros mais comoventes da minha vida, porque, passar duas horas conversando com Dom Helder Câmara, bom... sabe? Isso foi o primeiro passo com Pernambuco. O segundo passo foi quando Alceu veio na França, que ele participou, em 1979, do primeiro festival brasileiro que já houve na França, em Paris. Dois dias com toda a brasileirada de Paris mais ele. Foi no Pavillion Baltar. Depois, um outro passo importante foi quando surgiu o projeto do Bicentenário da Revolução Francesa, nos Champs-Elysées, em Paris. Fui procurar o cara que ia chefiar isso, com uma ideia de pôr Pernambuco no Champs-Elysées. O cara não conhecia aquele som, eu trouxe um vídeo, ele ficou muito interessado e, duas semanas depois, ele fez a primeira viagem de tudo, no Pernambuco, e fomos recebido pelo governador Miguel Arraes, e inventaram um Carnaval de 200 metros, fora da época do Carnaval, só para mostrar para a gente. Ele ficou superinteressado e chegou um momento que ele teve que decidir se ia ser América Latina ou África, no Champs-Elysées. Foi África, mas foi um outro passo importante. Aí, fortaleceu nossa amizade entre a França e o Brasil. Teve, em 1989, meu aniversário que, na verdade eu passei por Recife e disse: "Vou comemorar meu aniversário no Rio de Janeiro". E Alceu ficou puto - "Como, Rémy, não vai comemorar aqui?". Eu disse: "Non". Aí, chegou o projeto de turnê de aniversário. Fiz Rio de Janeiro, no dia seguinte embarquei no avião, Salvador, no dia seguinte embarquei no avião para aqui. Quando desembarquei do avião aqui, tinha comitiva, banda de música, boneco, e ele (Alceu) fantasiado de pierrô, e desfilamos de carro aberto, de Boa Viagem até Maria Farinha.

ALCEU - Ele conhecia eu aqui, e conhecia um primo meu, que eu tinha feito uma excursão na Europa. Eu disse a ele: "Clávio, vai esperar Rémy". Botei uma banda de música para tocar. Aramis Trindade (o ator) passava muito tempo lá em casa e estava fazendo O burguês fidalgo. Aí ele pegou as roupas de O burguês fidalgo e levamos tudo para lá. Quando ele (Rémy) aparece naquele aeroporto velho, ele fica procurando e não me encontra, encontra com Clávio. E eu com o pessoal com walk-talk: "Atacar!". Quando ele saiu, não estava entendendo nada. Veio uma orquestra para cima dele (Alceu solfeja início de Cisne branco, hino da Marinha do Brasil). Com medo da orquestra, ele olhando assim, a orquestra começou a rodar em torno dele, ele sem entender nada. De repente veio o povo todo fantasiado, entramos numa carreata, mas não era Carnaval. Um manto, ele vestido de rei e eu de velho de pastoril e fomos embora. Quando passamos pela Avenida Boa Viagem, o povo dava adeus. Por causa de mim também, né? Pensavam que era Carnaval. O povo veio para ver que porra era aquilo. Uma loucura. Quando chegou em Maria Farinha, para atravessar, não tinha a balsa. Preparei aqueles remadores, com aqueles caras fantasiados do século 17, e fomos para a festa. Era a orquestra de Duda. E tinha dois bonecos de Olinda na balsa e escondi dele. Quando veio a balsa já era cinco horas da tarde. Aí, abriram-se as portas, de repente o frevo comeu no centro.

RÉMY - Eu tinha uma percepção parcial da música brasileira porque para conhecer isso precisa de muito tempo, precisa andar na terra, escutar o que acontece. Fiquei pouco a pouco mais ligado a particularidades da música na Bahia e do que acontece no Nordeste, a partir do Recife. Descobri maracatu, caboclinho, xote, coco, tudo isso, a diferença de cada um, e a riqueza e a singularidade do que tem aqui, que não tem igual no Brasil, porque são mais ritmos diferentes, mais expressões diferentes de qualquer lugar do Brasil. Depois, eu vim aqui uma cinco, seis vezes, também recebendo discos, entrevistando ou recebendo artistas porque houve Geraldinho Azevedo, Quinteto Violado... Luiz Gonzaga recebi pessoalmente em Paris, que tocou junto contigo (fala para Alceu), em 1986, no ano do Brasil.

ALCEU - A coisa maior que foi feita pelo Brasil na França foi o Couleur Brésil. O Brasil perdeu a oportunidade muito grande de mostrar o que é belo do Brasil, o que é verdadeiro, o que é genuíno. Eu fui para lá porque briguei com todas as gravadoras. Quando fui para lá, eu ia acontecer em Paris, tinha certeza absoluta. Mas tinha que voltar porque ou eu ficava lá tomando caipirinha a vida toda, curtindo com os amigos e comendo feijoada, ou então voltava e ia cuidar da minha carreira. Aí vim e aconteceu. Pipocou Coração bobo. Encontrei com Rémy no festival da Suíça, em Montreux, fui para Nice, ia acontecer. Só que em 1986 houve a mudança da diretriz da indústria cultural brasileira de música. Tiraram os maestros, que eram diretores artísticos, pessoas que gostam de música, como Rémy, e colocaram gente vendedora de sabonete, vendedor de bacalhau, executivos frios, que destruíram a música brasileira e eu não quis me destruir. Por isso, deixei as gravadoras e fui trabalhar o Brasil pelos interiores. Por isso é que minha carreira é totalmente diferente. Independe do rádio, independe de tudo. O Brasil tinha um mercado de US$ 1 bilhão de dólares com 80% entregue na música MPB, com a diversidade da música como Fafá de Belém, Fagner, Belchior, Ednardo, Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Elba Ramalho, Zé Ramalho, Dominguinhos, Djavan, Caetano, Gil, Gal, Moraes Moreira, Chico, Luiz Gonzaga, Milton, Toquinho, Vinicius de Moraes. Em 1986 cortaram todos, porque a música brasileira tinha todo um perfil de esquerda ou de nacionalista. Eles tinham medo de cubanização. Veio uma nova história que destruíram as músicas, o rádio já virou outra coisa, virou um negócio de tendência e trocaram Chico Buarque pelo Ursinho Blau Blau. Atualmente há uma nova tendência, que vem da internet em que as coisas começam a se misturar de uma outra maneira.

RÉMY - Fui introduzido na música brasileira pelos exilados, mas vim aqui um pouco depois. A primeira vez foi em 1977, que ainda era ditadura, mas já não tão dura. Participei muito desses movimentos na França, em 1968, nos anos 70, e o que me tocou mesmo foi que aqui houve uma resistência à ditadura de dois tipos: político, mas também subversivo no sentido artístico. O tropicalismo, por exemplo, um Caetano, um Tom Zé, um Gil tiveram uma postura muito interessante porque não foi diretamente ligada a partidos políticos. Até no caso de Caetano, que teve antagonismo, mas que eram dois lados de uma mesma resistência.

ALCEU - Existia uma dicotomia aí, que eu nunca entendi. Eu achava que poderia conviver uma música mais tradicional, que era a música do Chico, do Vandré, que era a música que Elis Regina cantava, com o tropicalismo. Em determinado momento houve um racha no Partido Comunista, que ficou mais ao lado dessas coisas de raiz, e as vanguardas ficaram tentando outras linguagens de resistência e artísticas. Acho essa briga absolutamente boba, porque dois anos depois acabou. Quando Caetano voltou de lá já fez um show com Chico.

RÉMY - Para mim, esse lado subversivo da cultura e da música em si mesma tem novo visual hoje. Com essa chegada da música eletrônica, com novos ingredientes sintéticos, mas sintéticos que vão pegando das raízes, como é o caso do DJ Dolores, ou Silvério Pessoa, é uma continuidade muito interessante, porque é a continuação de uma afirmação de um lado realmente singular de uma cultura nordestina.

ALCEU - O DJ Dolores trabalha com uma coisa que ele conhece profundamente, que é a rítmica pernambucana, nordestina - ele é de Sergipe - e introduz outros elementos, mas usando-os de uma maneira em sintonia com o que ele quer. O que é detestável chama-se colagem. Isso não é nada. Quando você consegue misturar os elementos, fica tudo perfeito. Agora, por que tem todo o tempo no Brasil a mania da mistura?

ALCEU - A questão da pessoa ser intuitiva é que ela começa a ser problemática. Eu tive uma sorte terrível de ter nascido em 1946, quando não existia essa porrada tão grande. Lá em São Bento do Una eu ouvia as coisas da minha terra de uma maneira natural. Essas coisas não pertenciam a ninguém, mas ao consciente coletivo. Um cara dava um aboio, outro cara tocava uma sanfona pé de bode. Aquilo passou para mim sem o ídolo. O grande problema do artista é o ídolo. Não quero que ninguém se espelhe em mim. Eu sou meu próprio espelho com minha loucura.

RÉMY - Alceu é o único artista que quer ficar inato de influência e não quer ser influenciado por outro.

ALCEU - Hermeto Pascoal também. Eu aprendi com Hermeto.

RÉMY - Mas ele me encheu o saco às vezes porque eu queria que ele escutasse...

ALCEU - O en passant é fantástico. Para ele (Rémy) não. O DJ é outro papo. Quantas misturas eu tenho? Eu tenho de José, Severino e Raimundo que tocavam aboio; do cara que toca sanfona, do cara que toca rabeca, ouvindo en passant as coisas todas. Estou ouvindo os Beatles agora, porque meu filho, Rafael Montenegro Valença, está aprendendo os Beatles na escola. Descobri, inclusive, os plágios da música brasileira. Tem o Bob Dylan, que era muito famoso, e a tal da Joan Baez. Chego na Suíça e o cara da televisão pergunta para mim: "Alceu, o que você acha de cantar depois de Joan Baez?". E eu disse: "Pergunte o que ela vai achar de cantar depois de mim". Outra vez foi com Prince, aqui, no Rock in Rio. Terminei ganhando o prêmio da imprensa mundial com o melhor show do festival. Dentro do rock, sem fazer rock. Uma coisa que adoro em Rémy é que ele tem uma noção do geral. Ele conhece a música africana, árabe, americana, brasileira, cubana, conhece tudo. Se ficar só em cima de uma pessoa, de um ídolo, vai perder a noção de tudo.

RÉMY - Antes da tecnologia tem a curiosidade. Meu trabalho como jornalista, como radialista, sempre foi o de correr atrás das informações de todo canto do mundo, recebendo o disco ou indo na terra de qualquer um, juntar tudo isso e pôr à disposição dos ouvidos, das pessoas. E incentivar essa curiosidade. Isso é incentivar a tolerância. Tolerância é a palavra chave.

RÉMY - Adoro o trabalho de Antônio Nóbrega, porque acho que tem a ver com teatro, com música. É um agitador. Dentro das novas gerações, DJ Dolores, Fred 04, Nação Zumbi. Essa geração sacode. Silvério Pessoa tem um lado da nova geração de Alceu Valença, mas tem também uma agilidade para usar as novas tecnologias no palco para transformar um xote em reggae num instante. Ele tem o conhecimento e a sabedoria que é a tecnologia. O Junio Barreto também acho muito interessante, porque abre outros caminhos. A Renata Rosa também. Entre os anos 70 e a metade dos anos 90 não houve uma renovação muito grande. No Brasil existe uma singularidade que pouca gente nota. Os artistas que têm uma posição internacional todos têm mais de 60 anos. É muito engraçado isso num país tão jovem.

ALCEU - O Brasil não se preocupou em se colocar lá fora. E essas pessoas foram por conta delas, através do exílio e depois deles mesmos. Nunca houve interesse da indústria do disco de internacionalizar a música brasileira.

RÉMY - Está numa fase muito interessante. Quando vejo no Marco Zero Alceu cantando, olho um povo participando disso, que tem 20, 22 anos. E para esse povo Alceu não é um vovô.

ALCEU - E não sou, porque meu filho mais novo tem 7 anos.

RÉMY - Enquanto tiver gente como ele (Alceu), por um lado, e gente nova que não entra num lado uniformizado, que venha reivindicar novos territórios, sou otimista.

PLUS RÉMY

FORMAÇÃO - Meu pai morreu quando eu tinha 7 anos. A partir dos 10 anos eu tive a autorização da minha mãe de futucar na discoteca de meu pai. Era Edith Piaf, Yves Montand; também muito jazz - Count Basie, Duke Ellington; bebop - Charlie Parker; e Django Reinhardt, cigano. Ele (o pai) morreu em 1956 e tinha um disco, um single, de Rock around the clock, de Bill Halley. Fiquei muito honrado, porque meu pai morreu em 1956, com 41 anos, e comprou um disco de rock. Ele tinha ouvidos muito abrangentes. Isso eu ganhei dele direto. Ganhei com a discoteca, ganhei também escutando rádio, porque minha cultura básica de música era rádio, fazia (participava de) concurso na rádio para ganhar meus discos. Eu tinha 14 anos. Minha formação foi realmente muito ampla.

O CRÍTICO - Tenho uma regra simples de dizer como eu gosto e porque eu não gosto. Quando você tem o respeito do ouvinte, do leitor, é porque argumenta. Quando você gosta, é passar o sabor do que está escutando. É uma regra simples, mas sempre tenho isso na cabeça. E claro que a música tem a ver com o que está acerca dela. Tem que passar a experiência, tem que passar as histórias. Eu gosto de contar as histórias. É dividir as coisas e abrir as cabeças.

O PRODUTOR - Eu produzo coletâneas. É como fazer um cardápio. É colocar coisas juntas e dar um sabor.

FUTURO - Devo voltar em maio. Não sei se vou passar por Pernambuco. É capaz de ir para São Luís, no Maranhão.

GRATIDÃO - Fui homenageado na casa dele (Alceu) e no palco do Marco Zero, que foi muito emocionante, porque me deu a oportunidade de agradecer ao povo pernambucano de ter recebido não só eu como minha comitiva.

(© JC Online)


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