Ela quase parou de cantar após a morte dos pais,
mas vai lançar CD e tem música na novela
Roberta Pennafort, RIO
No fim do mês (ou início de abril), quando estiverem com o CD Sem Poupar
Coração nas mãos, os fãs de Nana Caymmi devem agradecer à novelista
Glória Perez. Se a autora de Caminho das Índias não tivesse pressionado
a cantora, no fim do ano passado, por uma canção de amor que servisse de
tema para o casal central de sua trama, o novo disco de Nana,
praticamente só de inéditas, não sairia tão cedo.
"Eu estava com o disco pra começar a fazer, pra poder me levantar do
luto, ver que rumo ia tomar na minha vida, porque cantar ia dar uma
saudade horrível dos meus pais, quando a Glória me disse: ?Você vai
entrar na minha novela. Que negócio é esse de parar de cantar??", conta
Nana, referindo-se à profunda tristeza que a tomou por conta das perdas
consecutivas do pai, Dorival, aos 94 anos, e da mãe, Stella, aos 86, em
agosto, num intervalo de 11 dias.
Aquela que é considerada por muitos a maior cantora brasileira chegou
mesmo a cogitar interromper a carreira de quase 50 anos. Para
prosseguir, recorreu à companhia dos irmãos, Dori e Danilo, que
participaram do CD com composições (Dori com duas e Danilo com uma,
ambos com parceiros), arranjos (Dori) e como instrumentistas (Dori no
violão; Danilo na flauta).
No estúdio, surpreendeu-se com a própria superação. "Você não acredita
que vai fazer. Até o último minuto, achei que ia suspender tudo.
Primeiro estão meus sentimentos", relembra. "Eu tinha de arranjar
forças, até para ficarmos unidos. Uma forma de a gente ficar se
consolando é trabalhando." Para atender ao pedido de Glória, Nana enviou
duas canções que entraram no CD. Mas a novelista já tinha em mente Não
se Esqueça de Mim (de Roberto e Erasmo Carlos), que ela gravara em 1998
no bem-sucedido álbum Resposta ao Tempo.
(©
Estadão)
Diamante e esmeraldas para Nana
Sem Poupar Coração tem composições dos irmãos e da sobrinha Alice Caymmi
Roberta Pennafort, RIO
A conhecida união da família Caymmi, que se intensificou ainda mais com a
piora no quadro de saúde de Dorival e Stella em 2008 - para ficar perto dos
pais, Dori veio de Los Angeles, onde mora há muitos anos, Danilo mudou-se da
Barra da Tijuca para Copacabana, Nana ia vê-los todos os dias, os netos se
revezavam nas visitas -, se manifesta no CD novo de Nana também na presença
de Alice Caymmi, de 18 anos, entre os compositores.
Filha de Danilo, a cantora e compositora iniciante, que participou do
programa Som Brasil em homenagem ao avô em dezembro, com o pai e os tios,
estreia com Diamante Rubi. Também inédita é a música-título, assinada por
Dori e o parceiro Paulo César Pinheiro. Dori entrou com outra, já gravada
por Joyce: Fora de Hora, sua com Chico Buarque. Visão é de Danilo e Malu
Lafer.
Nana incluiu também, entre outras, canções de Fátima Guedes (Pra Quem Ama
Demais), Sueli Costa (Violão, com Paulo César Pinheiro), João Donato e
Ronaldo Bastos (Caju em Flor), Cristóvão Bastos e Aldir Blanc
(Contradições), esta já gravada por Altemar Dutra Jr. Todos são autores já
presentes em seus discos. De Rosa Passos e Fernando Oliveira, entrou
Esmeraldas, do repertório de Rosa; de Guinga e Paulo César Pinheiro,
Senhorinha, que já tem registro de Mônica Salmaso.
A última faixa é Não se Esqueça de Mim, que tem emprestado emoção às cenas
de Maya e Bahuan na novela de Glória Perez. "Essa música é uma porrada.
Ontem mesmo ouvi na novela e quase me rasgo vendo ela (Maya) sofrendo. Quem
não passou por uma situação dessa na vida?", disse Nana na sexta-feira
passada, quando recebeu a reportagem do Estado em seu apartamento, no
Leblon.
"Gravamos como há 11 anos e, de novo, ficou maravilhoso. Talvez a
interpretação dela esteja ainda um pouco melhor hoje", conta José Milton,
produtor da cantora há 12 discos. "O CD animou Nana. Ela teria que sair de
casa, ir à luta."
O CD sairá pela Som Livre. As gravações, que contaram com músicos que já
trabalham com ela há anos, foram concluídas pouco antes do carnaval. Danilo
ficou feliz de ver a irmã reagindo. "Eu estava um pouco preocupado com a
Nana, fiquei com medo. Nem sei se ela sabe, mas até liguei para alguns
amigos."
Ele próprio usou o trabalho como ferramenta contra a tristeza: entrou em
estúdio logo, em novembro, para gravar um CD e um DVD com músicas suas e
várias participações (Fafá de Belém, Zé Renato, Claudio Nucci, Alice Caymmi,
Roberto Menescal) que será lançado pela Rob Digital, em parceria com o Canal
Brasil, no fim de abril.
"Cada um tem o seu luto de uma maneira. Eu procurei partir logo para a ação.
A gente tem responsabilidades maiores do que os nossos sentimentos",
acredita. "Busquei um nível de concentração elevado. Eram 12 horas por dia
de trabalho por dia, só parava para fazer xixi."
Dori, que também está desenvolvendo novo trabalho, nos EUA, participou do CD
e DVD de Danilo. Prova de que esses três não se largam mesmo. "Agora veio a
retomada da alegria. Meu pai sempre foi alegre, não vivia de lembranças.
Quando um amigo morria, não deixava suas atividades", recorda-se Danilo.
Alternando momentos de bom humor e melancolia, Nana parece ter mais
dificuldade de digerir as perdas - o mesmo aconteceu quando da morte de Tom
Jobim, grande amigo da família, em 1994. "Eu fui voltar à (churrascaria)
Plataforma, onde a gente se encontrava, quase sete anos depois. Eu sou muito
emotiva, não sou uma pessoa normal. Tanto que, quando eu canto, é uma
desgraça. O maior elogio que me dão é esse: ?Eu chorei seu show todo.? Eu
faço você exorcizar, é um dom meu."
Associado ao seu jeito de cantar, "botando o coração e as tripas", o dom
encantou o diretor suíço Georges Gachot, que está gravando um documentário
sobre Nana. Já entrevistou seus irmãos, Erasmo Carlos, Cristóvão Bastos e
outros amigos. Gachot dirigiu Música É Perfume (2005), sobre Maria Bethânia.
"Achei bonito essa paixão pela minha maneira de cantar", diverte-se Nana,
que não se importa de volta e meia ser confundida com uma "cantora
revelação". "Eu sempre serei uma revelação. São gerações que vêm, gente
sensível, que gosta de música. Eu sou uma pessoa que gera isso."
ACERVO
Nana, Dori e Danilo ainda não decidiram o que será feito do acervo de
objetos guardados pelo pai - quadros pintados por ele, livros, violões,
comendas que recebeu. Poderiam ficar no Rio, onde viveu por 70 anos, ou na
sua Bahia natal. Os filhos preferem tomar as decisões vagarosamente,
conforme tentam se habituar à ausência do pai e da mãe. Nana, que apesar da
dedicação aos dois nos últimos anos, conseguiu lançar quatro CDs (três com o
repertório do pai, entre eles a homenagem a seus 90 anos, Para Caymmi, de
Nana, Dori e Danilo, além de Falando de Amor, com músicas de Tom), continua
frequentando o apartamento de Copacabana do qual eles não conseguiram
desfrutar (o casal trocou de apartamento depois de 40 anos para que Caymmi,
debilitado, tivesse uma varandão fechado para tomar sol). "As coisinhas
deles estão como se os dois estivessem ali. Para uns, pode parecer morbidez,
mas a casa está intacta, com as roupas penduradas. Ainda não tive coragem de
mexer."
Para o futuro, ela pretende voltar ao repertório do pai - quer deixar "quase
toda" a obra registrada com sua voz. Enquanto ainda mescla os tempos verbais
para falar dele, permite-se sentir a dor da ausência. Nana nem sabe como
conseguiu gravar seu disco sem "sair de lenço na mão". "Estava muito
fragilizada. Se cantasse ?parabéns pra você?, chorava."
Frases
"Até o último minuto, achei que ia suspender tudo. Primeiro estão meus
sentimentos."
"Cantar me dá uma saudade incrível dos meus pais"
"As coisinhas deles estão como se os dois estivessem ali. A casa está
intacta, não tive ainda coragem de mexer."
"Uma forma de a gente se consolar é trabalhando."
"Eu sou muito emotiva, não sou uma pessoa normal. Tanto que, quando eu
canto, é uma desgraça."
"Estava muito fragilizada. Se cantasse ?Parabéns pra você?, chorava."
"Eu sempre serei uma revelação. São gerações que vêm, gente sensível que
gosta de música. Eu sou uma pessoa que causa isso"
(©
Estadão) |