Artistas se sentem em casa no 1º Festival da Sanfona
21/03/2009
Targino
Gondim aproveita realização do evento para gravar seu DVD com a presença de
grandes nomes da música brasileira. Depois, eles foram a um restaurante onde
Elba Ramalho surpreendeu a todos com uma canja inesperada
JUAZEIRO (BA) –
O restaurante Alpendre, construído dentro da Lagoa da Luca, em Juazeiro (BA)
incorporou o ambiente de festival, no caso, o 1° Festival da Sanfona de
Juazeiro. Depois da gravação do DVD de Targino Gondim, a maioria dos que
estavam na platéia foi ao restaurante, inclusive os artistas, entre eles
Elba Ramalho, ao lado do sanfoneiro Cezinha, o percussionista Peu Meurray, o
poeta e cantor Maviael Melo (irmão de Maciel Melo), o compositor Xico
Bizerra, para citar uns poucos.
Por volta da
meia-noite o violonista da casa teve a oportunidade de acompanhar uma das
cantoras mais populares do Brasil. Sem que o público pedisse, Elba saiu de
onde estava e entrou no repertório do violonista cantando Meu bem, meu mal,
de Caetano Veloso. Fez mais outras três canções na inesperada, e
aplaudidíssima, canja acústica no Alpendre.
Momentos
antes, Elba fez duas participações na gravação do DVD de Targino Gondim,
Simplesmente assim, acontecida no Centro Cultural João Gilberto, perto das
margens do Rio São Francisco. O pequeno teatro tem 350 poltronas, porém
recebeu 500 pessoas, que se acomodoram em pé, espalhadas em tapetes e
almofadões postos diante do palco. Mesmo assim muita gente queria assistir a
gravação do maior ídolo musical da cidade. A solução foi colocar mesas e
cadeiras no jardim do centro, e um telão transmitindo a gravação. Vale
ressaltar que Juazeiro estava tomada de carros, com pessoas vindo de outras
cidades da região para assistir a uma apresentação de Vítor & Léo da nova
safra de dupla sertaneja (o sertanejo universitário).
O início da
gravação estava marcado para as 20h, mas Targino Gondim somente cantou a
primeira música, Pra se aninhar, (por sinal sua estréia como compositor), às
21h10. O restante da gravação transcorreu sem problemas, e teve ainda
participações de Dominguinhos (que viajou doze horas dirigindo, do Recife a
Juazeiro, por conta do seu proverbial medo de avião), do percussionista Peu
Meurray, e do sanfoneiro Cicinho (que tocou vários anos com Gilberto Gil).
Impressiona a empatia de Targino Gondim com seu público, muitos cantando em
coro canções que foram apresentadas ali pela primeira vez, feito a citada
Simplesmente assim. Naturalmente o bis aconteceu com o maior sucesso do
forrozeiro, que lhe abriu as portas para tocar País afora: Esperando na
janela, cantada em trio, com Dominguinhos e Elba Ramalho.
Na platéia,
quase todos os parentes (e não são poucos) e gente conhecida como a viúva de
Sivuca, Glorinha Gadelha. Compositores, forrozeiros, entre estes Joquinha
Gonzaga, o acordeonista Mirco Patarani, imprensa de vários Estados, a
maioria do Sudeste. O festival teve uma repercussão nacional na mídia, rara
para um evento realizado no alto Sertão do Nordeste, e em sua primeira
edição.
As palestras
também foram igualmente concorridas, a exemplo da que foi dada por Flávia
Barreto e o jornalista Fernando Gasparini sobre a carreira de Sivuca: “A
idéia é manter viva a memória dele. Inicialmente pretendemos digitalizar
todo o acervo de Sivuca e disponibilizar para consulta. Pensamos também numa
fundação, mas a coisa material vai depender de um outro patrocino”, explica
Flávia Barreto.
O 1° Festival
Internacional da Sanfona continuou na sexta com um megashow na parte nova da
orla de Juzeiro, com Dominguinhos, Targino Gondim, Elba Ramalho, Luizinho
Calixto, Orquestra Sanfônica de Aracaju e Raimundinho do Acordeom.
O
encerramento será amanhã com outro grande show no mesmo local, com Targino
Gondim comandando a festa que terá Oswaldinho do Acordeom, Renato Borghetti,
Clã Brasil, Cicinho de Assis, Orquestra Sanfônica do Recife, regida pelo
mestre Camarão. Segundo Celso Carvalho, da Conspiradoria, produtora do
evento, a segunda edição já está garantida e começa a ter a grade definida.
JUAZEIRO
(BA) – Um teatro lotado, muita gente em pé, muitos do lado de fora,
terça-feira, para assistir a um concerto de Mirco Patarini, um músico
italiano, do qual a grande maioria nunca havia ouvido falar antes.
Patarini, um italiano muito sério, virtuoso, tocou folclore italiano,
búlgaro, Paganini e outros clássicos, sendo que a maior concessão que
fez foi tocar, com improvisos jazzisticos o tango La cumparsita, do
uruguaio Gerardo Matos Rodrigues (hino não oficial do Uruguai), e Ojos
negros (Alfredo le Pera e Carlos Lenzi, um clássico do tango argentino).
Isto aconteceu em pleno sertão nordestino, às margens do São Francisco,
no Centro Cultural João Gilberto, em Juazeiro (BA), na abertura oficial
do 1º Festiaval Internacional da Sanfona, que termina no sábado, com um
megaconcerto de sanfona na orla nova da cidade.
Três horas antes, uma chuva de verão
típica da região se abateu sobre Juazeiro e Petrolina. Trovões,
relâmpagos, muito vento, e foi-se embora a energia elétrica. Exatamente
em frente ao Centro Cultural João Gilberto (o mais ilustre filho de
Juazeiro), a fiação foi danificada pelo vento. Foram duas horas e meia
até a empresa de eletricidade estadual fazer o reparo. Até então, no
Grande Hotel de Juazeiro, onde estão hospedados os participantes do
festival, as sanfonas soaram no escuro. Foi meio surrealista. O
tranquilo sanfoneiro italiano, considerado um dos melhores do mundo,
dedilhando por quase uma hora, sem platéia, músicas folclóricas de sua e
de outras terras, na sala de TV do hotel. Mais a frente Cicicinho,
sanfoneiro nordestino, ia de forró.
Mas voltou a luz. A abertura aconteceu
com os inevitáveis discursos, de políticos, do secretário de Cultura do
Estado da Bahia, Márcio Meirelles, do forrozeiro Targino Gondim, curador
do festival, de Celso de Carvalho, produtor executivo do festival, de
representantes dos patrocinadores Petrobras e Natura.
Antes do concerto de Marco Patarini,
apresentou-se, sem estar na grade do festival, o grupo petrolinense
Matingueiros. A produção lembrou-se que os Matingueiros fizeram uma
turnê à China, cinco anos atrás, e na volta incorporaram à banda vários
instrumentos chineses, entre estes o Cheng, o mais distante ancestral da
sanfona. A platéia teve uma didática mostra das origens do instrumento
que se tornou símbolo da música nordestina, tocado pelo líder dos
Matingueiros, Wagner.
E entra enfim o italiano, com uma hora
de atraso, culpa da chuva. Patarini toca tão bem que a platéia
manteve-se em quase completo silêncio, interrompido, por palmas fora de
época, e elogios, feito a de uma senhora aparentando uns 80 anos: “Ele é
toca tão bem que isto nem parece sanfona, é como uma coisa do além”. O
comentário enquanto ele executava uma difícil peça do violinista
Paganini, o Capriccio nº24, no qual tirava timbres do acordeom que por
vezes se assemelhavam a toda uma sinfônica. No meio do concerto, baixou
um João Gilberto em Patarini e ele pediu para desligar o
ar-condicionado. O calor ficou insuportável, sobretudo para o próprio
acordeonista, que estava vestido a rigor, mas o público, aplaudia e
queria mais.
O 1º Festival Internacional da Sanfona,
maior evento do gênero acontecido na região, arregimentou sanfoneiros de
gêneros e estilos diversos, que vão realizar dois megaconcertos, amanhã
e sábado em Juazeiro. Ontem foi dia de oficinas, ministradas por Camarão
e Luizinho Calixto. Dois mestres em seus respectivos instrumentos,
sanfona de 120 baixos e a de oito baixos, respectivamente. Camarão,
aliás, foi espectador atento na apresentação de Mirco Patarini. “Ele é
um dos melhores, na agilidade, nos timbres. Mas temos que ver que ele
trabalha sob outras condições, não precisa se preocupar em trazer o pão
para casa amanhã. Ele também pratica mais música clássica, enquanto a
gente aqui no Nordeste tem que tocar de tudo”, comentou Camarão.
Ontem,
também, o sanfoneiro Targino Gondim, que é pernambucano, mas vive há
anos em Juazeiro, onde é um ídolo local, fez uma gravação sem público
com o repertório do seu segundo DVD: “Amanhã faremos com platéia, no
centro Cultural João Gilberto”, diz Gondim. Algo que seus auxiliares
estavam vendo como conciliar, já que o teatro do CCJG cabe, forçando a
barra, 500 pessoas, e pela procura de ingressos (gratuitos) no primeiro
dia, se pensou até em colocar telões externos para quem quisesse
assistir a gravação, que terá Elba Ramalho e Peu Meurray, da nova geraão
de percussionistas de Salvador.
Luiz Gonzaga era chegado ao lado B. Chegou a ameaçar não dar
entrevistas se achasse que o papo iria se limitar à sua Satisfaction.
Quem conta é um de seus discípulos e fiel escudeiro de banda,
Dominguinhos.
"A gente se apresentava em rádios e o Gonzagão logo se adiantava em
dizer: 'se for para falar só de Asa Branca não quero! Tenho mais
de 2 mil músicas e vocês só falam de Asa Branca', lembra, no
restaurante do hotel em Juazeiro, onde encontrou outro antigo integrante
do grupo do Rei do Baião, Mestre Camarão.
Os dois sanfoneiros participam do primeiro Festival Internacional da
Sanfona, que acontece na cidade baiana até sábado. Juntos, recordaram
histórias e fizeram questão de divulgar um lado de Luiz Gonzaga nem
sempre divulgado. O lado B de Gonzagão.
"Ele era cantor, compositor, sanfoneiro e também político", define
Camarão. "A grandeza de sua obra musical ofuscou um pouco esse aspecto
de sua trajetória. Com o dinheiro que ganhava com o forró, comprava
comida para quem não tinha. Se ele não tivesse morrido, o Nordeste
estaria melhor ainda hoje em dia".
Os sanfoneiros, ambos com 68 anos, contam que Luiz Gonzaga usava seu
prestígio e sucesso na música para obter influência política. Convenceu
governadores a abrir estradas, como a Rodovia Asa Branca, que liga
Pernambuco ao Ceará, e foi o pacificador da Guerra do Exu, sua cidade
Natal, a 688 quilômetros do Recife.
"O combate começou em 1949 e durou mais de 30 anos", conta Camarão.
"Foi a briga de duas famílias pelo controle político da região e ele fez
os dois líderes darem as mãos e selarem a paz".
Lançador de talentos
Dominguinhos destaca que Luiz Gonzaga o acolheu e o lançou no meio
musical, assim como fazia com diversos outros talentos promissores que
cruzaram seu caminho. Neném, como era carinhosamente chamado por
Gonzagão quando o impressionou tocando sanfona com apenas oito anos,
ganhou dinheiro de seu padrinho musical e o convite para levar seu
talento ao Rio.
"Meu pai guardou o dinheiro e só fez uso dele quando eu estava um
pouco mais velho, com 13 anos. Fomos de pau-de-arara até sua casa, em
Nilópolis. Ao 17 anos engravidei minha primeira mulher e tive que casar
com ela, o que o deixou furioso. Disse: 'isso é idade de se casar?'. E
me mandou embora de sua casa. Ele não era mestre só no baião, mas também
era mestre em esculhambação. Acabou sendo padrinho, do casamento e do
meu filho!".
Camarão só aponta um ponto fraco na carreira do mestre: ao se
enveredar na produção musical.
"No fim dos anos 60, Gonzagão foi convidado a ser diretor artístico
da antiga gravadora RCA Victor. Eu fui sua primeira contratação. Lancei
o disco A banda do Camarão, volume 1, mas não ficou bem acabado. Ele não
tinha tempo para acompanhar as produções com a grande demanda para shows
pelo Brasil inteiro. Foi a única atividade em que Gonzagão não foi
brilhante. Logo seria afastado do cargo".