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19/03/2001

A perfeição chega no terceiro disco do Mestre Ambrósio

   Terceiro Samba é o disco mais bem-resolvido do Mestre Ambrósio. O CD de estréia prima pela ortodoxia, como se fosse um trabalho de pesquisa. Fuá na Casa de Cabral, o segundo álbum, produzido por um especialista dos estúdios, o falecido iugoslavo Suba, privilegia mais o lado plugado da banda. O disco novo é uma dosagem equilibrada das duas tendências e alarga os horizontes do grupo para outros gêneros. Instrumentalmente, a banda chegou a um nível raro de entendimento entre os músicos, com uma cozinha rítmica impecável.

   O nome do álbum traz uma sutil referência a Estudando o Samba, a obra prima de Tom Zé. O ‘r’ e o ‘i’ vazados na palavra ‘Terceiro’ levam a uma outra leitura: tecer. A banda tece os ritmos pernambucanos, e o próprio samba carioca, sob uma ótica bem particular, enquanto no repertório acontece um ‘racha’ de estilos pessoais que se complementam. As canções compostas por Siba estão mais próximas da tradição, ou como ele prefere, de sua ‘vivência’, enquanto as composições de Cassiano têm mais a ver com a música popular tocada no rádio.

   Caninana, escolhida como faixa de trabalho, é um coco, composto por Siba, que tem refrão colhido por ele na Mata Norte. Vida, de Sérgio Cassiano, é um xote que poderia estar num disco do Trio Nordestino. Nesses contrapontos o disco segue, dialético, até a última faixa. Se Siba vem com Gavião, um coco, com elementos da jurema da umbanda e do maracatu do baque-virado, Cassiano emenda com Sóis, uma marcha carnavalesca. Quando Cassiano entra com Coqueiros, outro xote com balanço de carimbó, e uma guitarra influenciada pelo pop africano, Siba traz Fera, uma ciranda, inovadora, ao substituir a instrumentação característica do gênero, pela rabeca, e tirando os sons graves de uma alfaia.

   Embora Siba Veloso afirme não acreditar que Terceiro Samba possa navegar nas ondas do forró universitário, metade das faixas do CD pode ser dançada a dois, e fazer com que paulistas e cariocas reaprendam como se dança o baião. Desde, obviamente, que o disco não receba o mesmo tratamento promocional dado a Fuá na Casa de Cabral, pessimamente divulgado. (Jornal do Commércio)

Fala Ambrósio

POR JOSÉ TELES

   Xotes, sambas, um baião com levada de carimbó, é o que primeiro chama atenção no novo disco do Mestre Ambrósio, Terceiro Samba (Sony Music), que chega às lojas esta semana. Lançado em plena efervescência do forró universitário no Sudeste, teria o grupo tomado o atalho para o sucesso? Ou a gravadora sugerido um trabalho mais leve e acessível, a fim de faturar em cima da dança da moda?

   Por telefone, de São Paulo, onde os integrantes da banda residem, Siba Veloso, rabequista e um dos compositores do Mestre Ambrósio, responde às duas perguntas, explica o conceito do álbum, e comenta o forró made in Sampa.

JORNAL DO COMMERCIO Por que o título, Terceiro Samba?

SIBA VELOSO Samba pra gente tem vários significados. Pode ser um acontecimento, uma festa. Cada acontecimento para a gente é um samba. Como é o terceiro disco, ficou Terceiro Samba. Samba também é uma palavra bem nordestina.

JC – Mas no disco há, realmente, dois sambas no estilo carioca. O que você escreveu inclusive cita Folhas Secas, de Nelson Cavaquinho.

SV – A música é antiga, eu já a havia feito quando gravamos o primeiro disco. O título até seria Folha Seca, eu não conhecia a música de Nelson Cavaquinho, então mudei o nome para Lembrança de folha seca, eu deveria ter dedicado o samba a ele, mas se trata apenas de uma coincidência.

JC – Você faz músicas num estilo mais tradicional, enquanto as composições de Cassiano são, vamos dizer, mais urbanas.

SV Há essa diferença, que só fortalece o trabalho da banda. São dois pontos de vista diferentes. Meu processo de criação é muito ligado à minha vivência, não escrevo pensando em sucesso, enquanto Cassiano, embora não faça música com esse sentido, a gente sente que ele procura se comunicar mais.

JCVocê acha que o disco pode estourar no meio desta onda de forró que está acontecendo?

SV Acho difícil. O forró é um tipo de música que leva as pessoas a dançar em pares. Aqui em São Paulo, pelo menos, não somos vistos como uma banda de forró, as pessoas nos têm mais como uma referência nordestina. O Mestre Ambrósio não faz shows para se dançar a dois.

JC E como você está vendo o sucesso popular do forró feito por bandas paulistas, cariocas?

SV – Esse é um assunto que temos discutido muito recentemente. As pessoas criticam muito, falam mal, porém, não vejo porque não possa haver forró feito por paulista. Não considero uma coisa nem boa nem ruim, estão apenas reprocessando uma informação que receberam. É como uma banda de rock do Recife. O rock não é pernambucano. O que deve ser questionado é a massificação do processo.

JCTerceiro Samba tem algumas músicas que podem ser dançadas a dois. A gravadora teve alguma influência no na confecção do disco ou foi mera coincidência?

SV – Não houve uma interferência real. Pessoas da gravadora se mostraram interessadas em aproveitar o momento, mas deixaram a banda livre para fazer o que quisesse. Claro que a gente gostaria de aproveitar esta abertura de mercado, mas como falei, não fazemos música para se dançar em par.

JC Qual foi a concepção da pré-produção para este disco?

SV – A gente pretendia fazer um disco ao vivo no estúdio, sem dobras. E quando pensamos nisso, convidamos Beto Villares para a produção. Ele trabalhou com Hermano Vianna no programa Musica do Brasil, da MTV, conhece este conceito de música feita na rua, conhecia música do país inteiro. Numa época em que se usa e abusa da eletrônica, com muito ruído, mistura, processamento de timbres dos instrumentos, entramos com uma estética oposta. Não que ninguém tenha nada contra o som de, por exemplo, o Nação Zumbi. Pensamos que a música brasileira popular desenvolveu uma orquestração com instrumentos convencionais, muito interessante, e se pode trabalhar em cima disto.

JC - Vocês são tidos como o lado tradicionalista do manguebeat. Isso realmente corresponde à verdade ou é um mito que atrapalha?

SV – Existe isso, de se considerar moderno quando se faz rock, ou pop, e tradicional quando se usa música nordestina, só que a gente inova dentro da linguagem que escolhemos. (Jornal do Commércio)

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