|
19/03/2001 Elba Ramalho: Alegre, dançante e amorosa
Mostrar a musicalidade do Nordeste num disco acústico com espaço de sobra para as sanfonas e temas de amor. Este é Cirandeira, o novo CD de Elba Ramalho, a porta-voz feminina do agreste, uma mistura de composições tradicionais com material fresquinho, como a arretada faixa-título, de Lenine, que a surpreendeu: ''Lenine é uma amizade antiga, uma admiração recíproca. Gosto de trabalhar com ele. Veio para o estúdio, montou, arranjou, foi um presentaço que mudou todo o percurso do disco.'' Que ia se chamar Patativa, um clássico de Vicente Celestino que ela gravou. ''Essa música estava no meu coração, meu pai cantava, eu ouvia muito na minha infância com Augusto Calheiros, Vicente Celestino, mas a possibilidade de fazer em ritmo de xote nunca tinha aventado. Eu acho fundamental resgatar as pérolas da música''. Elba diz que aboliu as guitarras em favor da leveza, para dar o que chama de uma cara ''alegre, dançante e amorosa'' ao disco. ''Eu queria mais as violas, a sanfona, um instrumento extremamente nordestino, que nem é brasileiro, mas passou a ser, como o zabumba, que parece que é alemão, mas a gente se apropriou, ou o cavaquinho, caboverdiano. O disco tem muitas sanfonas, o disco é melodioso, deixei bastante espaço para os solos de acordeom, sopros, tem gaita, saxofone, o harmônico da minha voz está todo mais timbrado, mais suave.'' Zeca Baleiro comparece com Alma nua, um xote que recebeu um arranjo e sonoridade originais, dispensando a zabumba e incorporando outros instrumentos, como o dobro, o violão de aço do blues, tocado por Tuco Marcondes, que também toca violão de aço, mais Zeca no violão de nylon, o diretor musical Marcos Farias no baixo, Paulinho HeMan na percussão (um triângulo) e Ocelo Mendonça no violão cello. ''O Zeca me mandou um CD com quatro ou cinco músicas. Eu escolhi essa. É o meu primeiro encontro com o Zeca no estúdio, foi feito a quatro mãos. Eu queria que não tivesse só a minha cara no jeito de cantar sua música mas tivesse também a cara dele. Sugeri que o Tuco viesse, é um músico dele que toca esses instrumentos de cordas, pesquisa a música do Nordeste. São raros os músicos que tem essa preciosidade no Brasil. E eu que gosto do estilo de Manassés, tenho que procurar Manassés no Ceará. Às vezes fico aperreada porque quem é o músico que possa tocar essa coisa da viola de 10, de 12. O Tuco tem essa tradução e consegue somar as várias influências que tem.'' Elba fala com essa autoridade porque resolveu produzir ela mesma o disco.''Eu queria que ficasse com o som que eu quisesse, às vezes entra uma guitarra que eu não queria, mas o cara insistiu e eu sou uma pessoa muito fácil, também sou muito democrática no meu trabalho, queria muitos baiões e xotes, diria que o subtítulo desse disco podia ser xotes, baiões e xodó''. O repertório combina autores que Elba sempre grava, como Nando Cordel (Querendo mais), ídolos como Jackson do Pandeiro, que cantava Forró de surubim, de Antonio Barros, uma música que Elba sempre usava de brincadeira nos shows, e ícones como Zé do Norte (Onde anda você), além de novos como Targino Gondin (Pra se aninhar), o autor de Esperando na janela que vai ser lançado para o Brasil via Geléia Geral, o selo de Gilberto Gil. Ao mesmo tempo em que comemora a permanência da música nordestina na preferência dos jovens urbanos do Rio e São Paulo, Elba mostra grande preocupação com a cultura funk carioca. ''É um apelo excessivo da sensualidade que me preocupa muito. A Marília Gabriela estava falando comigo sobre os bailes em que a gente dançava agarradinho e dava tesão, mas havia uma coisa romântica. A gente dançava aquilo ao som da Jovem Guarda, de Roberto Carlos cantando detalhes tão pequenos de nós dois, é outra qualidade musical, não tinha essa coisa de passa cerol na mão e também umas vozes horríveis, desafinadas, se fossem pelo menos afinadas''. Sobre o forró, Elba acha que sua permanência veio junto com um investimento econômico dos estados nordestinos no turismo. ''O movimento do Nordeste cresceu e atraiu muita gente do Sul. Chegando lá o povo jovem entrou em contato com o forró que é uma tradição dos nativos, e aí mineiros, paulistas e capixabas, que são a afluência maior, começaram a dançar forró. Comecei a ver isso há uns cinco anos. O jovem paulista que voltava desses verões vinha com o forró na veia querendo fazer bandas de forró. E realmente fizeram, transformaram, porque talvez não pegaram o jeito mais característico. Criaram coreografias que se assemelham muito a merengue, salsa, de dar umas rodadinhas e criaram esse movimento de forró universitário que foi uma brincadeira que deu certo''. Ela acha que os artistas nordestinos mais antigos também se beneficiaram com a nova onda. ''O grande encontro, com eu, Zé Ramalho, Zé Geraldo e Alceu, fortaleceu a gente. Aparecemos com esse trabalho há cinco anos, vendemos quase 1 milhão de cópias, shows lotadaços, renovamos o nosso público. Fizemos uma conquista gloriosa. O Brasil estava num momento muito marqueteiro, você ligava o rádio estava um bundalêlê para cá, um bundalálá para lá, axé, pagode, era uma confusão. Esse movimento veio pela contramão''. Elba se prepara para arrancar na estrada por conta do novo disco e da apresentação bem sucedida com o primo Zé Ramalho no Rock in Rio. Nos planos um DVD, a ser gravado na Feira de São Cristóvão, e lançamentos pelo seu selo Ramax. Ela confessa que teve nas mãos a possibilidade de contratar o vitorioso grupo de forró universitário Fala Mansa, mas não levou fé. Coisas da vida. (Jamari França, Jornal do Brasil) |
|