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05/04/2001

Nordeste agreste: a música de Elba e Ednardo 

  A paraibana Elba Ramalho e o cearense Ednardo lançam CDs, encenando os lados A e B da evolução da elétrica geração nordestina revelada nos anos 70

   O Carnaval passou faz pouco, mas parece que já é junho. Em "Cirandeira", a cantora paraibana Elba Ramalho, 49, grava canções desde Vicente Celestino até Lenine, Chico César e Zeca Baleiro, mas investe predominantemente -outra vez- no forró, "lado A" do Nordeste agreste que ela ajudou a sedimentar.

   "O compromisso de ser forrozeira não é uma carapuça que me sirva, mas sou, sim, uma cantora nordestina, uma cantora de forró. Quando lancei "Ave de Prata" (79), não era algo que encontrasse respaldo no mercado. Toda essa onda de forró de agora tem a ver também com o sucesso do "Grande Encontro" (com Zé Ramalho, Geraldo Azevedo e Alceu Valença, que aconteceu em 96, em show e disco)", afirma a cantora.

   Ela diz que resolveu iniciar o novo CD pela faixa-título de Lenine, delicada e distante do formato forró, por inspiração de Moreno Veloso: "Ele é meu amiguinho, independentemente de Caetano ser meu compadre. Quando ouvi o disco de Moreno, achei tão fantástico ele começar daquele jeito tão amoroso que resolvi começar o meu assim também".

   Alguma promessa de vir a trabalhar com o filho de Caetano? "Pensei que ele podia vir fazer aqueles sons bacanas que faz, a eletrônica junto com os tambores. Não pude fazer isso em "Cirandeira" porque tive urgência de gravar no verão. Mas acho que o próximo disco pode vir com essa linguagem."

   Sim, nem bem lançado o CD "Cirandeira", ela já volta atenção para um próximo trabalho. Afirma que será produzido pelo pernambucano Lenine e que começa a trabalhar nele em abril.

   Mas diz que não, um CD a toque de caixa forrado de forrós não significa atendimento a pressões de mercado.

   "Sempre fui muito autônoma, não estou aqui para ser submissa a ninguém. Saí da Universal após 15 anos quando aconteceu de tentarem impor. Queriam um disco romântico, meio Michael Sullivan & Paulo Massadas (dupla que se notabilizou por compor e produzir sucessos românticos/populares nos 80). Não ia dar certo."

   Lembrando seu passado -de adolescente baterista na banda As Brasas, em Campina Grande, e atriz de, entre várias peças, "Ópera do Malandro" (78), de Chico Buarque- evoca nas entrelinhas a sina de cantora popular: "Liguei-me muito a Chico, até porque a história dele estava muito ligada à política, e eu era muito militante. Depois o regime militar caiu, a música passou por túneis solitários e sombrios. Quando você vai se profissionalizando, já não é mais só o que você gosta e deseja. É muito também o que o mercado propicia".

   Em que sua carreira seria diferente do que é, não fossem as oferendas do mercado? Ela hesita, mas responde: "Hoje, se pudesse, sem compromisso, faria um disco de rock, tocando bateria. Mas não posso falar isso, é impossível neste momento da minha vida".

   Entusiasma-se e vai desfiando um rosário de projetos alternativos: "Se tivesse descompromisso total, cantaria Kurt Weill (ela já o fez, no grupo teatral Ornitorrinco, de Cacá Rosset)"; "já me sugeriram fazer discos românticos, sou boa nisso"; "em Trancoso (BA, onde tem casa), faço shows de voz e violão com sambas de Caymmi, Ataulfo Alves, Ary Barroso, lá é um sucesso".

   Mas de volta à realidade: "No disco ainda não aconteceu de eu me desvincular dos compromissos todos. Pode ser uma falha minha, admito. Mas não me sinto aprisionada, tudo depende muito de mim também".

   Do que depende dela também, criou um selo, Ramax, que edita sob sua direção artística o CD "Vai Lá no Meu Forró", do veterano Fuba de Taperoá. Em poucos dias sai outra produção sua, um CD dedicado a Nossa Senhora, em vozes como as de Chico Buarque ("ele é um pouco agnóstico, mas no fundo sei que não é"), Zé Ramalho e Caetano ("ele é ateu, mas gosta de Nossa Senhora").

   O que não sai são os poemas que ela, sim, diz compor. "Li tudo o que há de poesia. Escrevo os meus poemas, mas escondida. Se um dia minha autocrítica não ficar tão aguçada, quem sabe posso transformar em música..." (Pedro Alexandre Sanches, Folha de S. Paulo)

"CIRANDEIRA"

Trabalho de Elba brilha nos temas delicados

   Ninguém duvide que Elba Ramalho sabe como poucos dar dignidade ao gênero forró. Ela sabe, e "Cirandeira" é um exemplo a mais. Mas acontece o fenômeno que a vem acompanhando por "Leão do Norte" (96), "Baioque" (97), "Solar" (99): ela segue indecisa entre o velho, bom e repetitivo forró de um lado e doses de novidade/invenção do outro.

   "Cirandeira" tem momentos ousados, como antes já havia. A faixa-título é a pedra de toque do CD, ode à tranquilidade que harmoniza arranjo, autoria e violão de Lenine, cirandas de Lia de Itamaracá, percussão baiana e doída interpretação. Efeito igual causa a suave "Entre o Céu e o Mar", da novela das oito (sem os excessos de "De Volta pro Aconchego", de "Roque Santeiro", ufa).

   Como "Cirandeira", o coco moderno "Sem Ganzá Não É Coco" (Chico César) e o blues agreste delicadíssimo "Alma Nua" (Zeca Baleiro) fazem de Elba dessas raras intérpretes veteranas que se entrosam com justeza e sem choques a autores mais novos.

   Há ainda peças plácidas de Geraldo Azevedo, o clássico "Patativa" (Vicente Celestino) em versão de levantar poeira e um punhadão de forrós. Sem maiores desacertos, esses não se destacam uns dos outros, nem do repertório alternativo. Cantora demarcada, Elba não deixará de fazer jus ao gênero, mas tem deixado à míngua um mundão de possibilidades. Por ora, tem ficado cá e lá, raramente inteira lá ou cá. (PAS)

 

Ednardo reaparece após 11 anos sem disco

   Sem gravar havia 11 anos, o cearense radicado no Rio Ednardo -que se celebrizou nacionalmente em 1976, com a inclusão de "Pavão Mysteriozo" na novela global "Saramandaia"- está de volta para encenar o "lado B" de sua agreste geração.

   "Estar sumido é uma questão de mídia, tenho trabalhado o tempo todo. Não deixei de fazer música para virar empresário ou me aliar a políticos, como exemplos do meu próprio Estado", afirma, referindo-se ("diretamente", diz) ao colega de terra e geração Fagner.

   Surgido no bojo do que se chamou "pessoal do Ceará" -com Fagner e Belchior-, Ednardo, 55, quebra o silêncio com o disco "Única Pessoa", lançado pela nova gravadora Ouver.

   Nele, foge ao formato que serviu para avivar nos últimos anos as carreiras de seus pares -regravações de sucessos, acústicos, CDs ao vivo- e canta autores pouco difundidos que foi conhecendo em excursões Brasil afora.

   Justifica a opção, falando da rota diversa dos outros nordestinos, que lançaram CDs revisionistas pela BMG e até se uniram num "Grande Encontro": "Faltei a essa reunião porque não queria fazer discos repetidos. Para fazer isso, é só a gravadora fazer compilação".

   Fazer um CD com músicas não-inéditas de outros compositores não acaba caindo no mesmo caso? "Tenho uma quantidade razoável de músicas inéditas, que não vou guardando no baú, não. Vou cantando em shows. Tenho quatro discos preparados."

   Por que não lançá-los? "Foi opção total minha. O dado novo é eu cantar compositores de várias partes do país, não só nordestinos. Acredito que está digno."

   Ednardo admite que solidão é um tema recorrente nas canções de "Única Pessoa". "É sintomático. Não vou dizer que durmo sempre bem, às vezes passo noites pensando sobre essa história. Muitos companheiros de geração sumiram ao posar de heróis frente a um fato real, que é o mercado. É cíclico, não depende do artista."

   Reevocando sua história, admite que sua geração se contrapôs, em parte, à sua antecessora, a tropicalista. "Era natural a diferença, vínhamos de outra realidade. O Nordeste não é a realidade tropical que os baianos, os irmãos Campos e a mídia paulista pregavam. Temos ícones próprios."

   "Quando Caetano e Gil foram convidados, nada gentilmente, a sair do país, os irmãos Campos nos chamaram para ouvir, queriam saber quem eram os novos." Não se interessaram? "Eles também estavam muito temerosos e preocupados com aquela violência toda. Sempre abraçaram idéias quando eram factíveis de acontecer. Nunca se preocuparam em mudar o status quo."

   Ainda assim, não foge à sina de filho da tropicália. "Fomos a célula que deu prosseguimento à evolução. Não me consta que os grupos de hoje conservem essa preocupação. Eles querem vender milhões. Eu até hoje moro em casa alugada, e com muita honra", fecha o círculo. (PAS)

"ÚNICA PESSOA"

Álbum esconde o (anti)pavão silencioso

   Autor de ativismo importante na MPB dos anos 70, Ednardo passou tempo demais desaparecido, e é expressivo que volte com um CD batizado "Única Pessoa", que tem apenas uma canção escrita de punho próprio.
A faixa-título é uma parceria com um de seus sucessores no imaginário da música nordestina não-baiana, Chico César. As demais dão destaque a compositores do Pará ao Rio Grande do Sul, quase sempre mais novos que ele.

   Parece, assim, alegorizar certa desilusão com seu ofício. Abre mão do regionalismo cearense -um dos lastros que mais o marcaram, entre obras-primas como "Ingazeiras" (73), "Pavão Mysteriozo" (74), "A Palo Seco" (74, com Belchior) e "Artigo 26" (76)- e, mais ainda, da veia autoral forte que o caracterizou.

   "Única Pessoa" fica mais impactante por isso. O autor da cáustica "Abertura" (76) rejeita com veemência artifícios mercadológicos que revitalizaram (mas nem sempre) outras carreiras.

   O que faz diferente? Rejeita as regravações de seus próprios sucessos, mas cala a própria voz de compositor. Agrupa canções que falam de solidão e isolamento, beijando a melancolia. Ainda isolado, faz de "Universo em Mim" o momento mais pungente: "Vou sozinho em meu deserto/ mas jamais me senti só".

   Tomado pelo banzo, o autor ainda espera voltar, mas só se for sem (auto)comiseração. O (anti)pavão é misterioso, silencioso. (PAS)

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