JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Glauber Rocha (1939-81) está de novo no
centro das discussões sobre o cinema brasileiro. E alguma vez deixou de estar?
Um dos marcos inaugurais de sua trajetória
de controvérsias, o livro "Revisão Crítica do Cinema Brasileiro", está sendo
relançado pela editora Cosac & Naify, em edição reforçada por um consistente
prefácio do crítico Ismail Xavier e por uma compilação das principais críticas
publicadas no país quando o volume veio à luz, no longínquo 1963.
O impacto do furacão Glauber Rocha não
ficou restrito ao Brasil, como atesta "Glauber - Um Olhar Europeu", do italiano
Claudio M. Valentinetti, recém-lançado pelo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi.
Mas voltemos à "Revisão". Em
1963, o Cinema Novo dava seus primeiros passos. Glauber só havia feito
"Barravento" (1961). Seu livro, um exame passional da cinematografia brasileira
até então, pareceu a muita gente um precário panfleto escrito por um petulante fedelho
de 24 anos.
O que justificaria essa "Revisão
Crítica" e acabaria por transformá-la num dos textos mais influentes já publicados
sobre o cinema brasileiro seria a obra cinematográfica do autor.
Arma de combate, demarcação de
território, plataforma de geração, "Revisão Crítica" é um apanhado
histórico fortemente marcado pelas opções estéticas e políticas de seu autor.
Num texto adjetivado e sentencioso, Glauber
condena sem remissão o cinema paulista como um todo, por seu artificialismo e sua ilusão
industrial. Eleva às alturas Humberto Mauro, pintando-o como uma espécie de fonte
límpida do Cinema Novo.
Mesmo sem ter visto "Limite",
descarta Mário Peixoto como um talento desperdiçado pelo narcisismo e pelo idealismo
burguês. Na mesma vala, lança Walter Hugo Khouri.
Apesar do "parti pris" e do tom
militante, há passagens de uma acuidade de análise admirável. Por exemplo, nas páginas
sobre "O Cangaceiro" (1953). Cabe lembrar que, no momento em que dissecava
impiedosamente o épico sertanejo de Lima Barreto, Glauber preparava seu próprio mergulho
no cangaço e no sertão, "Deus e o Diabo na Terra do Sol".
À luz da filmografia de Glauber, o próprio
"Revisão Crítica" pode ser lido como um épico, o do nascimento de um cinema,
povoado de dragões da maldade e santos guerreiros.
Sobrou pouco espaço para falar do livro de
Valentinetti. Só cabe dizer, sumariamente, que se trata de uma rica abordagem da obra de
Glauber, filme a filme, inserindo-a no contexto cultural e histórico do Brasil, que
Valentinetti -tradutor de Jorge Amado e João Ubaldo- conhece bem.
Mais que isso: o livro faz uma espécie de
compêndio da recepção crítica do cinema de Glauber na Europa, em especial na Itália e
na França, mostrando que a arte do diretor baiano ajudou a fecundar e arejar o melhor
pensamento sobre cinema no mundo.
Revisão Crítica do Cinema Brasileiro
Autor: Glauber Rocha Editora: Cosac & Naif Quanto: R$ 45 (240 págs.)
Glauber - Um Olhar Europeu
Autor: Claudio M. Valentinetti Editora: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi (tel.
0/xx/11/3744-9902) Quanto: R$ 35 (195 págs.)
(© Folha de S. Paulo)