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 O alívio cômico e romântico de Gero Camilo

18/05/2003

 

 

 

Gero Camilo, com Rodrigo Santoro, em cena de Carandiru

 

Eduardo Simões

   Alívio cômico — e, por que não dizer?, insolitamente romântico — do dramático “Carandiru”, o personagem Sem Chance pôs em evidência o cearense Gero Camilo, ator de formação teatral, que começou sua carreira no cinema dando total verossimilhança ao louco Ceará de “Bicho de sete cabeças”, e em seguida participou de “Abril despedaçado”. Aos 32 anos, dez deles estudando, trabalhando e morando em São Paulo, Camilo recebeu no começo do mês o prêmio de ator coadjuvante do Cine-PE, por “Narradores de Javé”.

   — Estou celebrando grandes conquistas, que são parte das escolhas que fiz desde que saí da escola de teatro — diz o ator, que divide o mérito do prêmio com seus companheiros de cena, muitos deles não-atores recrutados da população local pela diretora Eliane Caffé. — O Ceará de “Bicho de sete cabeças” era um personagem focado. Em “Narradores” tive que fazer um trabalho diferente, tive que me misturar aos moradores de Gameleira Lapa, na Bahia, onde filmamos. Acho que esse prêmio é para todo o mundo de lá.

Laís Bodanzky conheceu o ator na cena teatral paulistana

   Nascido em Fortaleza, Camilo deu aulas de teatro em comunidades carentes da cidade até o fim dos anos 80, quando começou a atuar em peças no Teatro José de Alencar. Em 1994, o ator entrou para a Escola de Artes Dramáticas de São Paulo, onde estudou até 1998. Foi na cena teatral paulistana que Laís Bodanzky, diretora de “Bicho de sete cabeças”, conheceu e se interessou pelo seu trabalho.

   — Eu e o (roteirista) Luiz Bolognesi começamos a trabalhar o personagem Ceará já pensando no Gero, sem que ele soubesse. Como os ensaios não foram feitos com o script , mas sim com improvisação, a construção do Ceará é mérito só dele, um ator dedicado, inteligente, que arregaça as mangas, sem ansiedade — diz Laís, sem economia de elogios e argumentos para a escolha do ator para seu filme.

   Versátil, Gero Camilo lançou há cerca de um ano o livro “A macaúba da terra”, compilação de contos e peças curtas de sua autoria, de onde saíram o texto do curta “Ímpares”, que acaba de filmar, e uma peça recentemente encenada por uma companhia de teatro paulistana. Volta e meia, o ator apresenta o espetáculo “A procissão”, também escrito por ele. Já esteve também em dois episódios do especial “Brava gente”, da TV Globo. No momento ele se organiza para montar “Aldeotas”, peça que acaba de escrever e que deve estrear no segundo semestre. E espera receber propostas para voltar aos sets.

   — Mas não estou esperando sentado. Quero brincar de fazer cinema também, de escrever, dirigir. Ainda não sei o caminho – diz o ator, que investe agora num sonho antigo, o de formar seu próprio grupo de teatro, em São Paulo. — Já temos um galpão, agora estamos procurando patrocínio, que é muito difícil.

Diretor de “Carandiru”, em que Camilo vive o Sem Chance, Hector Babenco atesta a versatilidade de Gero, comparando-o ao ator Peter Lorre, de “M — O vampiro de Düsseldorf”.

— Ele é uma pessoa completa, seu livro de prosas é uma pequena jóia, com muita dramaticidade nos diálogos. Adoraria fazer um filme só com ele, mas não tenho um projeto. Quem sabe se ele escrever...

   Pela terceira vez em cena com Rodrigo Santoro, Camilo reclama do foco colocado sobre a cena do beijo com o colega em “Carandiru”:

   — Isso não vem da relação do Sem Chance com Lady Di, mas sim de uma projeção das pessoas com relação à figura do galã beijado pelo ator desconhecido. Estou tendo que falar mais do beijo do que como foi retratar aquela barbárie.

   Ainda que tenha interpretados papéis diversos, Gero Camilo sabe que corre o risco de cair na armadilha dos tipos estereotipados, sejam eles do Nordeste ou da periferia das capitais. Mas ele não perde a tranqüilidade e pondera sobre quando dizer sim, ou não.

   — Tive grande prazer de interpretar um nordestino com veracidade em “Narradores”. É de uma necessidade poética tamanha que imaginar dizer não ao papel seria negar o que ele tem de mais sublime — diz o ator, que já declinou ofertas para viver tipos caricatos. — Na TV isso acontece mais. Não quero estar na TV só para aparecer, não a tomo como vitrine.

   Embora esteja radicado em São Paulo, Camilo pensa em voltar a trabalhar no Ceará, sem no entanto ter que voltar a morar lá. Mas não descarta a possibilidade de sair de onde está.

   — Queria passar um tempo viajando, quem sabe pela Europa, ou pela América do Sul. Não penso em ficar o resto da vida no mesmo lugar. Sou filho de caminhoneiro. A estrada faz parte da caminhada.

(© O Globo On Line)


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