07/06/2003
Há 30 anos, numa
passeata no Rio de Janeiro, Raul Seixas e seu parceiro Paulo Coelho promoviam Krig-ha,
bandolo!, disco de estréia de sua carreira-solo
São Paulo - Há 30 anos, numa passeata no centro do Rio de Janeiro em 7 de
junho, um ainda desconhecido cantor saiu com seu violão pelas ruas entoando uma
canção-lamento para os pedestres - a música brasileira começava a conhecer aquele que
viria a se tornar um de seus maiores mitos.
Num tempo em que a mínima aglomeração de pessoas podia ser entendida como
ato de subversão, a performance de Raul Seixas com a sua Ouro de Tolo desancando a
classe média foi parar no Jornal Nacional daquela noite, dando impulso para os
versos "Eu devia estar contente porque tenho um emprego, sou o dito cidadão
respeitável e ganho 4 mil cruzeiros por mês..." ganhar outras ruas em todo o país.
A intenção da
passeata era promover Krig-ha, bandolo!, disco de estréia da carreira-solo do
cantor baiano que seria lançado no mês seguinte. Puxado pela já conhecida Ouro de
Tolo, lançada antes em compacto, e pelos hits Mosca na Sopa, Metamorfose Ambulante
e Al Capone, o álbum logo estouraria nas rádios e lojas de discos.
Começava assim o
estrelato do primeiro bad boy do rock nacional, ainda órfão de Roberto Carlos e seu
bom-mocismo jovem guarda. Com alguns anos de atraso por causa da linha dura imposta pelo
AI-5, o rock feito no Pais experimentava as mudanças que no resto do mundo haviam
atingido seu ápice com o festival de Woodstock, em 1969.
A aura hippie da
caminhada e o estilo de menestrel do artista, no entanto, tinham um suporte que estava
longe do improviso. Ao dar os primeiros passos pela avenida Rio Branco, a imprensa já
esperava Raul, a esta altura amparado pela poderosa estrutura da Phillips, gravadora
multinacional dos principais artistas da MPB à exceção de Roberto - e que o havia
contratado logo após a sua aparição no 7.º Festival Internacional da Canção, em
setembro do ano anterior.
Se a inusitada
mistura de rock com baião do roqueiro, ainda sem barba, cantando Let Me Sing, Let me
Sing pegou de surpresa o público do festival da Globo, a Phillips sabia onde estava
jogando as suas fichas. Raul Seixas não era um desconhecido no meio musical: na década
de 60, acompanhava os ídolos da Jovem Guarda nas excursões por Salvador com o seu
conjunto Raulzito e os Panteras e, desde 1970, era um renomado produtor de artistas
populares na CBS. Doce, Doce, Amor, de Jerry Adriany, por exemplo, é uma das
várias músicas que compôs nesse período.
Apesar da lenda
(uma das muitas) espalhada por ele mesmo de que fora demitido desta gravadora por ter
feito clandestinamente com os amigos Sérgio Sampaio, Miriam Batucada e o andrógino Eddy
Star o ótimo disco Sociedade da Grã Ordem Kavernista Apresenta Sessão das Dez,
Raul estava apenas trocando de casa: recebera um ultimato de seu chefe, que lhe disse para
optar entre a carreira de produtor ou de cantor, pois ali na CBS só teria espaço para
uma destas atividades.
Não é difícil
supor, dada a proximidade de datas, que neste momento o flerte do artista com a Phillips
já era praticamente um namoro. Ironicamente, quando tomou a decisão de seguir outro
rumo, o responsável por sua contratação pela mais prestigiosa gravadora da época foi
Roberto Menescal, um dos pais da bossa nova, ritmo que Raul Seixas não cansava de malhar
desde os seus tempos de roqueiro em Salvador.
Com liberdade total
na nova casa, Raul fez Krig-ha, bandolo! e mostrou a que veio. Do título tirado de
um antigo gibi de Tarzan à foto da capa, da vinheta de abertura (cantando rock aos 9 anos
de idade), ao seu depoimento de encerramento, ele dá no disco uma amostra do que viria
nos trabalhos seguintes, com dez canções misturando protesto, misticismo, fusão de
ritmos, arranjos de primeira do maestro Miguel Cidras, rocks, baladas, ironia, sarcasmo e
mal-dizer.
Se o disco era
irretocável, o show de lançamento, no Teatro Teresa Raquel, não ficou devendo em nada
ao desempenho em estúdio. Mostrando pleno domínio do palco, com uma performance de
interpretações enérgicas e raivosas, conversas com o público e discursos, Raul Seixas
não deixava dúvidas que um grande show-man surgia no cenário.
Junto com o
sucesso, veio também o trinômio sexo, drogas e rock n´ roll, que no decorrer dos anos
iria causar estragos irreparáveis à sua imagem e, sobretudo, à sua saúde, ao mesmo
tempo que alimentaria a idolatria ao mito. Em passagens que não deixam nada a dever aos
mais problemáticos astros do rock mundial, não faltaram bebedeiras, acusação de
satanismo, cinco separações, briga com gravadoras e empresários, morte de uma pessoa em
seu apartamento, cancelamento de shows e até uma tentativa de linchamento por ser
considerado impostor de si mesmo em uma apresentação. Mas aí, quase dez anos tinham se
passado e o álcool já havia tirado do frágil magro barbudo muitas coisas. A mais
palpável delas, o pâncreas.
Quando cantava em Ouro
de Tolo que tinha uma porção de coisas grandes para conquistar e que não podia
ficar ali parado, Raul sabia o que dizia, ou pelo menos parecia saber. A intenção de ser
conhecido vinha desde a infância, com o sonho de ser escritor, ator, cantor, de deixar a
sua marca no mundo, como imaginou várias vezes em seus diários guardados com zelo num
baú.
O que Raul Seixas
não sabia, ou pelo menos não parecia saber, é que estava iniciando também naquele 1973
uma mudança de rumo na literatura brasileira e mundial. Mudança que tomaria forma
somente alguns anos depois, já perto de sua morte em 1989: acompanhava-o naquela passeata
pelas ruas do Rio o parceiro que conhecera pouco tempo antes e com quem comporia muitos de
seus maiores sucessos. "A minha grande escola para escrever foi a letra de
música", não se cansa de repetir o hoje imortal Paulo Coelho sobre o sucesso de
seus livros no mundo inteiro. (Edmundo
Leite)
(© estadao.com.br)
Sai
versão inédita de canção de Raul Seixas |

Chega às lojas de
discos nos próximos dias uma versão inédita do último sucesso do roqueiro Raul Seixas,
que morreu aos 44 anos, em 1989. Anarkilópolis é a versão de Cowboy Fora da
Lei
São Paulo - No ano em que se completam 30 anos do
lançamento do primeiro disco-solo de Raul Seixas, chega às lojas de discos nos próximos
dias uma versão inédita do último sucesso do cantor baiano, que morreu aos 44 anos em
1989. Anarkilópolis é uma versão de Cowboy Fora da Lei que deveria ter
entrado no disco Metrô Linha 743, de 1984, pela Som livre. Não entrou por causa
de problemas que naquela época eram cada vez mais recorrentes na vida de Raul. Depois de
brigar com a mulher, o artista chegou embriagado ao estúdio, comprometendo a gravação,
que não poderia mais ser trabalhada a tempo de ser incluída no álbum.
Da canção que fez
sucesso três anos depois, e que garantiu o segundo disco de ouro ao cantor, somente o
refrão "eu não sou besta pra tirar onda de herói..." é o mesmo. A fita de 24
canais encontrada no fim do ano passado nos arquivos da Som Livre traz uma letra feita em
parceria com o amigo e fundador de seu principal fã-clube, Sylvio Passos, na qual fala de
uma cidade do velho oeste dominada por bandidos. "A intenção era deixar parecida
com uma história em quadrinhos", conta Sylvio, que conviveu com Raul nos últimos
oito anos de vida do cantor. "O Raul gostava muito de ensinar as pessoas com quem
convivia a compor. Era comum ele fazer letras com os amigos, com suas mulheres".
Guardião do famoso
baú do cantor baiano, que ainda em vida o passou para ele a fim de que preservasse sua
obra, Sylvio tem também uma gravação caseira com Raul cantando Anarkilópolis.
"O Raul tinha esse refrão na cabeça desde 1973, tanto que originalmente ela se
chamava Cowboy 73. Com o passar dos anos, ele mudou para Cowboy Fora da Lei".
Sentado ao lado de um cover de Raul Seixas, que o visitava em seu apartamento, Sylvio
Passos conta que tem várias outras gravações que poderiam ser lançadas, mas que
precisam passar por um processo muito caro para melhorar sua qualidade. "Se fosse nos
Estados Unidos ou na Europa um material como este estaria todo disponível. Mas aqui é
difícil". Isso porque o que pretende não é nada como uma Anthology, dos
Beatles. "Seria uma coisa menor, não para o grande público, mas dirigida ao fã
colecionador mesmo".
A recuperação de Anarkilópolis
pelo produtor Aramis Barros, que encontrou a fita, durou cerca de dois meses. Tivemos
que fazer uma colagem, pois eram fragmentos da voz guia, com Raul fazendo estudos para a
música. Como tínhamos a base original melódica gravada, o que fizemos foi juntar tudo e
dar uma coerência para a história que ele contava.
Para viabilizar o
lançamento da música inédita em um CD, a Som Livre optou por editar uma coletânea. A
seleção deixou de lado os grandes sucessos para destacar as músicas de Raul que tiveram
participação de outros artistas da música brasileira.
O destaque entre os
nomes ilustres é o ministro da Cultura Gilberto Gil, que fez os arranjos e tocou violão
em Que Luz é Essa?, retirada do LP O Dia em que a Terra Parou, de 1977. Nas
demais faixas aparecem tocando Jackson do Pandeiro, Sergio Dias e Liminha, André
Christovam e Celso Blues Boy, e Pepeu Gomes.
Participações em
voz mesmo, só o backing vocal de Sergio Sampaio em Eu sou Eu Nicuri é o Diabo e
os duetos com Wanderléa em Quero Mais e Marcelo Nova, ainda no Camisa de Vênus,
em Muita Estrela, Pouca Constelação. Essa última uma participação especial de
Raul num trabalho do grupo baiano em 1987.
Aniversário
- Enquanto aguardam o lançamento da musica inédita, fãs de Raul Seixas estão
preparando várias comemorações em homenagem ao 58.º aniversario de nascimento do
cantor, que seria em 28 de junho. A maioria delas são shows tributos em bares de várias
cidades do país. Também estão programadas algumas apresentações dos principais covers
- alguns deles têm um circuito regular de shows e exposições de objetos do cantor
organizados pelo fã-clube.
Leia a letra da música:
Cowboy Fora da Lei (Anarkilópolis) (Raul Seixas/Sylvio Passos) 1984
Eu estava na cidade comprando
milho pras galinhas
Quando um garoto chegou correndo para me avisar
Que a diligência do correio tinha deixado uma carta pra mim
Uma carta De quem seria essa merda ...é, pois é... , mas...
ah... que era da prefeitura de Anarkilópolis
Me convidando para uma festa da sua emancipação
Ok boy.
Uísque de montão eu vou beber
E fazer tudo que eu quero fazer
Cada um manda no seu nariz
Por isso que o povo lá é feliz
É isso aí!
Meu filho, é isso aí...
Agora
Montei no meu "silver-jegue"
E parti com o firme propósito
de unir o útil ao agradável
Pois Anarkilópolis era também
O berço da minha amada
A bela Josefina Lee
Filha única do meu amigo
Xerife James Adean
Enquanto o jegue seguia rinchando
Eu seguia pela estrada cantando:
Eu não sou besta pra tirar onda de herói
Sou vacinado, eu sou cowboy
Cowboy fora da lei
Durango Kid só existe no gibi
E quem quiser que fique aqui
Entrar pra história é com vocês
Quando eu e meu jegue chegamos em Anarkilópolis
Pensei que tinha me enganado até de cidade
Tinha uns caras mal encarados armados até os dentes
Percebi logo a situação
Os bandidos haviam dominado o lugar
E mantinham todos como reféns
James Adean não era mais o Xerife
E só se via a cara das pessoas com tristeza e medo
Deus me livre, quase que eu dancei
Dedo no gatilho era da lei
Sozinho e desarmado estava ali
Pra o diabo, os que me chamaram aqui
Foi então...
Eu não sou besta pra tirar onda de herói
Sou vacinado, eu sou cowboy
Cowboy fora da lei
Durango Kid só existe no gibi
E quem quiser que fique aqui
Entrar pra história é com vocês
Meu filho, é isso aí...
(Edmundo Leite)
(© estadao.com.br) |
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