Vinte e dois filmes já foram rodados na cidade de Cabaceiras, na
Paraíba, que tem até letreiro anunciando a "indústria"
"A Califórnia e Cabaceiras têm cenários desérticos, luminosidade,
variedade de sets e mão-de-obra barata", compara pesquisador
CÍNTIA ACAYABA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CABACEIRAS (PB)
No meio da PB-148, estrada que corta o semi-árido paraibano, um letreiro
de 80 metros de comprimento por cinco metros de altura surge ao lado de
mandacarus, xiquexiques e uma família de bodes.
As letras formam a expressão "Roliúde Nordestina", uma brincadeira
com a Hollywood norte-americana, em Los Angeles, a cerca de 10 mil km
dali.
O letreiro, inaugurado no último dia 5, anuncia a entrada de
Cabaceiras (a 194 km de João Pessoa), cidade favorita de diretores de
cinema, por onde as nuvens carregadas de água passam e quase nunca
páram.
Vinte e dois filmes -como "Cinema, Aspirinas e Urubus", de Marcelo
Gomes, e "O Auto da Compadecida", de Guel Arraes- tiveram o município
como cenário.
A primeira vez que uma equipe de filmagem pisou na cidade foi em
1921, para gravar o documentário "Ferração dos Bodes", sobre a arte de
marcar a ferro os animais que, desde aquela época, representam a
principal atividade econômica local -a caprinocultura.
As últimas produções que fizeram de Cabaceiras um set de filmagem
foram o longa-metragem "Romance", de Guel Arraes, ainda inédito, e o
documentário "Cabaceiras", de Ana Bárbara Ramos.
Vantagens
O idealizador do projeto "Roliúde Nordestina", o escritor e
pesquisador Wills Leal, 70, aponta, a partir de uma comparação com
Hollywood, razões que levam os diretores a escolher Cabaceiras.
"Os cineastas norte-americanos notaram que em Nova York chovia muito
e havia muita neve. Perceberam que não havia luminosidade e que os
prédios da cidade limitavam as opções de cenário", diz.
"O terceiro ponto que levou à procura de novos lugares foi a formação
de sindicatos de atores, que passaram a exigir salários mais altos para
os profissionais", afirma.
Para Leal, o Estado americano tem muitas semelhanças com o município
paraibano. "A Califórnia e Cabaceiras têm cenários desérticos,
luminosidade, variedade de sets e mão-de-obra barata."
Há diretores que criticam o uso da expressão "roliúde", por
considerar a comparação inadequada à realidade do local. "Hollywood não
é só um cenário. Há estúdios, dinheiro circulando. Cabaceiras não é
isso, é um set de locação", diz Ana Bárbara Ramos.
Apesar das analogias, Leal diz que a palavra "roliúde" é apenas
marketing -que faz questão de grafar "marquete".
Artistas por um dia
Quase toda esquina de Cabaceiras já serviu de palco para confrontos
entre cangaceiros e soldados e beijos apaixonados de mocinhas em heróis.
Pelas 20 ruas da cidade, é fácil encontrar alguém que já foi artista
por um dia -ou por pouco mais de 24 horas. Garis, carteiros e
comerciantes abandonaram seus postos de trabalho mais de uma vez para
atuar como figurantes ao lado de famosos atores nacionais.
"Cabaceiras tem uma luz específica e é uma região seca. Deu para
fazer todo o filme ali na redondeza", disse a atriz e diretora do curta
"Tempo de Ira", Marcélia Cartaxo.
Segundo o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), Cabaceiras é a
cidade onde menos chove no Brasil. A possibilidade de não perder dias de
gravação por causa da chuva atrai diretores, porque reduz tempo e custos
de filmagem.
Outro ponto que barateia a produção é a locação de sets. O aluguel
mensal de uma casa em Cabaceiras é de cerca de R$ 400 -valor equivalente
a uma diária em São Paulo.
As diárias dos figurantes no município -de R$ 15 a R$ 20- também
ficam aquém das pagas nas metrópoles brasileiras. Em São Paulo, o preço
gira em torno de R$ 50.
O pouco assédio da população aos atores e a facilidade para fechar
ruas, tirar ou colocar postes, com o apoio da prefeitura, também são
atrativos. Estima-se que um filme rodado em Cabaceiras possa economizar
30%, em comparação com produções rodadas em grandes centros.
A bela paisagem do local é outro chamariz. "Escolhi Cabaceiras para
rodar dois filmes ["Viagem através do Brasil" e "São Jerônimo"] por
causa da impressionante geologia da região", disse o diretor Júlio
Bressane.
Catálogo e memorial
Por trás do letreiro, que custou R$ 15 mil e faz parte do orçamento
de cerca de R$ 400 mil aprovado pelo Banco do Nordeste, está o projeto
de mesmo nome, que busca catalogar filmes realizados na cidade, adquirir
cópias e implantar um curso para atores. Um memorial cinematográfico já
foi instalado no município.
O próximo passo é construir uma calçada da fama. Diferentemente da
norte-americana, quem vai deixar a sua marca será o bode vencedor da
festa tradicional "Bode Rei", que ocorre todo ano em Cabaceiras.