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 Histórias da Rainha do Baião

17/06/07

 

 Carmélia Alves em capas de discos
 

Homenageada do 4º Fórum de forró de Aracaju, a estrela da era de ouro do rádio Carmélia Alves mantém até hoje alto astral permanente

José Teles
teles@jc.com.br

Carmélia foi uma das estrelas da era do rádio. Das poucas que ainda estão em atividade. Aos 84 anos, ela mostrou, na semana passada, no 4º Fórum de forró de Aracaju (que a homenageou), estar em forma com um show no qual cantou parte do repertório que a fez ser aclamada Rainha do Baião – fato acontecido quando fazia uma temporada na Rádio Jornal do Commercio (atual Rádio Jornal), acompanhada por Sivuca. Quando ela voltou para o Rio de Janeiro, a notícia havia repercutido por lá. No programa César de Alencar, na Rádio Nacional, começou a ser chamada Rainha do Baião. A coroação oficial se realizou no programa No mundo do baião, apresentado por Humberto Teixeira & Luiz Gonzaga. Ela recebeu a coroa do próprio Gonzagão.

No auge do baião, entre 1950 a 1958, Carmélia Alves foi a principal intérprete do gênero no rádio carioca. A estréia, gravando Luiz Gonzaga & Humberto Teixeira, no entanto, foi uma rancheira, Gauchita, em 1949, num dueto com Ivon Cury. O primeiro baião nem foi da dupla, mas do mineiro Hervê Cordovil (com Mário Vieira), Sabiá na gaiola, em 1950: “Hervê hoje está esquecido, mas foi um grande compositor, e muito bom nos baiões, como também em outros gêneros”, comenta Carmélia Alves.

Embora expresse sua admiração por Luiz Gonzaga, a cantora não esconde que foi mais próxima de Humberto Teixeira. O que é fácil de entender. Teixeira freqüentava os ambientes chiques da Zona Sul do Rio, enquanto Luiz Gonzaga sempre foi morador da Zona Norte carioca. O marido de Carmélia Alves, o cantor Jimmy Lester, foi um dos fundadores, com Humberto Teixeira, do lendário Clube da Chave, em Copacabana, uma boate privê, da qual apenas os sócios possuíam as chaves.

Não há uma biografia escrita de Carmélia Alves, mas ela vai tratando de contar suas muitas histórias: “Uma noite, íamos, eu e Sivuca, no carro de Humberto. Eu estava precisando de uma música para um disco que ia gravar no dia seguinte. Humberto pediu que Sivuca desse uma idéia. No banco de trás, ele pegou a sanfona e cantou bem alto: “Adeus, Maria Fulô/ marmeleiro amarelou”. Humberto pediu para ele repetir. Fizeram Adeus, Maria Fulô ali mesmo, em poucos minutos”.

Outro caso que gosta de contar envolve ela, Humberto Teixeira e o baião Kalu: “Humberto vivia se apaixonando. Estava com uma namorada muito bonita, de olhos verdes e se inspirou nela para fazer Kalu. Quando ele veio me mostrar, que cantou a música, eu me recusei a gravar. Além de Humberto cantar muito mal, não gostei nada do baião. Ele ofereceu a várias cantoras, ninguém aceitou gravar. Então, fez outra, na minha frente, em poucos minutos, Dono dos seus olhos. Nessa época, Dalva de Oliveira estava gravando um disco na EMI, em Londres, e Humberto mandou essas músicas para Dalva. Ela gravou e Kalu foi o maior sucesso de um baião de Humberto Teixeira desde que ele desfez a dupla com Luiz Gonzaga”, conta Carmélia Alves.

(© JC Online)


Irmão de ministro não resistiu à elétrica Carmélia

A idade não permite mais que Carmélia Alves repita as performances incendiárias dos anos 50. Performance que, pelo menos, uma vez, foi, literalmente, mortal.

“Eu cantava na boate do Copacabana Palace. Um show muito movimentado, pegava na mão das pessoas e saia puxando pelo salão cantando baiões, frevos, os jingles famosos da época. Teve uma noite, depois de uma performance destas, que o irmão de um ministro chegou até a mim e disse que eu ia acabar matando ele. Eu cantava Lorota boa, ele se sentou numa cadeira perto do palco, e começou a passar mal. Em poucos minutos morreu. Foi uma complicação para tirar ele de lá sem a imprensa saber. Depois, deu no jornal que ele morreu em casa”.

A era do rádio pode estar longe, mas Carmélia Alves mantém o glamour. Veste-se com elegância, até mesmo quando desce do apartamento do hotel para tomar café. O marido, Jimmy Lester, com quem viveu por 54 anos, morreu em 1998. Não tiveram filhos.

A cantora vive só, num apartamento confortável, na Rua Siqueira Campos, no Rio de Janeiro, no mesmo prédio onde funciona, o mais antigo shopping center da cidade: “Quando eu quero comer alguma coisas, é só solicitar por telefone. Só saio de casa para algum compromisso – médico, show. Aí, desço e o táxi já está me esperando”, diz, a cantora que mantém um alto astral permanente.

(© JC Online)


O homem por trás de Severina Xique-Xique

João Gonçalves é o autor do grande sucesso imortalizado por Genival Lacerda. São dele também inúmeras outras canções de duplo sentido, que já o fizeram passar por apertos

José Teles
teles@jc.com.br

O campinense João Gonçalves é um dos pioneiros do forró de duplo sentido. No início dos anos 70, ele emplacou uma série de estrondosos sucessos nacionais, entre os quais Severina Xique-Xique, Mata o véio, A filha de Mané Bento (estas na voz de Genival Lacerda). Como cantor, João estourou, em 1973, com Pescaria em Boqueirão, do impagável refrão: “Ô lapa de minhoca/ Eita que minhocão/ Com uma minhoca dessas/ Se pega até tubarão”. “Naquele tempo não se fazia a contagem de vendas como acontece hoje em dia. Sei que só com esta música vendi muito mais de cem mil discos, isto pelas contas da gravadora,” diz Gonçalves, que lançou uma dúzia de LPs, por gravadoras de São Paulo, a maior parte pela Tapecar.

Suas músicas foram gravadas por muitos artistas, tocaram bastante no rádio, ele ganhou dinheiro, mas não levava vida mansa. Sua carreira transcorreu durante o período mais barra-pesada da ditadura militar. João Gonçalves tornou-se visitante contumaz das dependências da Polícia Federal: “Eu praticamente fui proibido de trabalhar na Paraíba, pelo doutor Clóvis (não lembra mais o sobrenome) da Polícia Federal. Fui preso duas vezes, uma em João Pessoa, e outra em Cajazeiras”, conta Gonçalves.

A implicância do policial era contra Pescaria em Boqueirão. Nesta prisão em Cajazeiras, ele lembra que nem ousou cantar a música, porque soube que o “doutor Clóvis” estava na cidade: “A banda só tocou. Quem cantou a música inteirinha foi o público”, diz João. Mas não adiantou. O arbitrário policial alegou que já havia avisado que ele não poderia cantar “A minhoca” (como o forró ficou conhecido) em território paraibano.

Mas João não sofria apenas a prepotência da polícia, foi também um dos compositores da época mais perseguidos pela censura (e isto não está nos livros que registram este período mais infeliz da nossa história): “Eu mandava 40, 30 músicas para fazer um LP com 12 faixas. O pessoal da censura via o nome João Gonçalves e já ia cortando as músicas. Por causa daquela que diz ‘o bode comendo acaba’, a polícia tocou fogo em 3,6 mil cópias do meu disco. Estas bandas de hoje, fosse naquele tempo nem gravavam”, comenta o forrozeiro, cujas letras, se comparadas com as de bandas como Saia Rodada ou Cavaleiros do Forró, são inocentes trocadilhos infantis.

Apesar de todo o sucesso no passado, João Gonçalves não tem um único show agendado este período junino, nem mesmo nos palcos “culturais” (onde segregam os trios pé-de-serra) do forrozão de Campina Grande. Aos 71 anos, ele sofre da coluna, mas ainda faria shows, se houvesse espaço para o forró tradicional: “Em nenhuma destas grandes festas ninguém quer mais cantor solo. Só querem as bandas, que fazem um show à parte, mas as letras são horríveis. Eu faço o duplo sentido com classe. Deixo uma expectativa em quem está ouvindo, não uso o palavrão. Naquilo que faço tem cultura, as bandas é só a pornografia. Este pessoal da prefeitura faz umas histórias, aquelas palhaçadas, botam um trenzinho, umas casinhas com um trio de forró, e pagam uma mixaria. Dinheiro mesmo é para as bandas. Estou fora do São João”, critica Gonçalves.

Embora grave esporadicamente, tenha seus discos fora de catálogo, João Gonçalves continua sendo uma lenda entre os forrozeiros e, pela temática de suas composições, constantemente procurado pelos empresários das bandas: “Do jeito que eles querem eu não faço não. Eles gravam as antigas. Catuaba com Amendoim gravou Mariá, Severina Xique-Xique. Tem até uma música que eu fiz para Tom Oliveira que a Aviões do Forró gravou, Locadora de mulher, mas não é de letra pesada, é só engraçada (cantarola o refrão): ‘Eu descobri uma locadora de mulher/ Lá tem mulher do tipo que o homem quiser’”.

João Gonçalves mora numa casa modesta, no distante bairro do Cruzeiro, na periferia de Campina Grande. Mas não se queixa. Reconhece que gastou sem pensar quando ganhava muito dinheiro com discos, shows e direitos autorais, “Ainda componho. Genival Lacerda e outros artistas de forró gravam minhas músicas, mas direito autorais recebo muito pouco. A pirataria não deixa cantor nenhum ganhar dinheiro”.

(© JC Online)

 

 

 

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