|
Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha,
é uma das produções de Jarbas Barbosa
|
No
mês em que completaria 80 anos, o produtor
“que reinventou o cinema brasileiro” ganha mostra no cineteatro
Marcos Toledo
mtoledo@jc.com.br
Em sua nova
fase, o Cineteatro Apolo (Bairro do Recife) promove até
esta quarta-feira um evento que vai colaborar
para fazer justiça à memória de um dos principais nomes da Sétima Arte
nacional. A Mostra 80 Anos de Jarbas Barbosa: O Produtor que Reinventou
o Cinema Brasileiro lembra o aniversário e a importância do cineasta
paraibano co-responsável por clássicos como Ganga Zumba e Boca de ouro,
e que morreu no Recife, em dezembro de 2005, aos 77 anos de idade.
Irmão
mais novo de Abelardo Barbosa, Chacrinha, falecido em 1988, Jarbas
Barbosa, que completaria hoje 80 anos, tem sete dos filmes que produziu
exibidos pelo Apolo: Os fuzis (1963), Deus e o Diabo na Terra do Sol
(1964), Carnaval barra limpa (1967), Juventude e ternura (1968), Soninha
toda pura (1971), Xica da Silva (1976) e Proezas de Satanás na Vila de
Leva-e-Traz, único a ser apresentado em película de 35 mm, em cópia
nova, após quatro décadas ausente da memória do espectador brasileiro.
Os demais títulos são mostrados em DVD. A sala mostra ainda o especial
Retratos brasileiros: Jarbas Barbosa, produzido pelo Canal Brasil.
Se existe
um papel ingrato, pelo menos do ponto de vista do reconhecimento, é o do
profissional de audiovisual que desempenha função longe das câmeras.
Produtores de peso da indústria cinematográfica, em Hollywood, como
Steven Spielberg ou George Lucas, ou mesmo no patropi, como Daniel
Filho, tornaram-se nomes facilmente conhecidos pelo público mais por sua
atuação como diretores.
Jarbas
Barbosa foi “apenas” produtor, porém, sua relevância transcende a
volubilidade da fama. Produziu 29 longas-metragens e era considerado um
verdadeiro Tio Patinhas por causa de sua capacidade de realizar filmes
bem-sucedidos nas bilheterias e nos festivais.
Proezas
de Satanás..., por exemplo, a moedinha de ouro da mostra do Apolo, foi o
longa que ganhou o primeiro Troféu Candango de Melhor Filme na história
do cultuado Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em 1967 (além de
Melhor Argumento e Melhor Diretor, ambos para Paulo Gil Soares, e Melhor
Trilha Sonora, para Caetano Veloso). Os fuzis, indicado ao Urso de Ouro
no Festival de Berlim de 1964, garantiu a Ruy Guerra o Urso de Prata de
Melhor Direção, Deus e o Diabo valeu para o diretor Glauber Rocha uma
indicação à Palma de Ouro em Cannes, no mesmo ano. E Xica da Silva foi
outro grande vencedor em Brasília, em 1976, faturando os Candangos de
Melhor Filme, Melhor Diretor (Carlos Diegues) e Melhor Atriz (Zezé
Motta).
Mas os
grandes nomes da ala intelectual da Sétima Arte do patropi não são os
únicos que devem parte de seu sucesso a Jarbas Barbosa. O eterno
trapalhão Renato Aragão, estrela de algumas das maiores bilheterias
nacionais, fez sua estréia no cinema em um filme produzido pelo
paraibano, Na onda do iê-iê-iê (1966). Juntos, ainda trabalharam em
filmes como Adorável trapalhão (1967), A ilha dos paqueras (1970), Ali
Babá e os 40 ladrões (1972), Aladim e a lâmpada maravilhosa (1973) e
Robin Hood, o trapalhão da floresta (1974). “Meu pai foi uma pessoa que
viveu e respirou o cinema”, afirma Eduardo Filizola, filho do produtor,
que detém 60% de sua produtora, a Copacabana Filmes, que mora no Recife.
Antes de
sua morte, Jarbas Barbosa preparava um documentário sobre o irmão,
intitulado Velho Guerreiro. O projeto acabou assumido pelo diretor
Nelson Hoineff e recebeu o título Alô, Alô, Terezinha!. Apesar de já
contar com distribuidora e data de estréia (4 de julho), o longa é alvo
de disputa na Justiça por parte de Hoineff e dos herdeiros de Jarbas e
Chacrinha.
(©
JC Online)
Produtor-chave do
cinema novo
Carlos
Diegues
Especial para o JC
Ao lado de
Luiz Carlos Barreto e de Zelito Viana, Jarbas Barbosa foi um dos
produtores-chave de um movimento de artistas que se caracterizavam por
sua independência e por sua radicalidade autoral.
Essa
generosa intuição, esse desprendimento profissional, ele não trouxe de
sua experiência anterior, do então incipiente cinema comercial
brasileiro, mas de um visionarismo que sua formação pragmática não
explica bem. Somente uma espécie de instinto delirante, um compromisso
inocente com o sonho, poderia mediar tal opção.
Do mesmo
modo, é preciso compreender também que, em nenhum outro lugar do mundo,
em nenhum dos outros movimentos cinematográficos nacionais da época,
houve tal prática de trabalho comum como no cinema novo brasileiro.
Técnicos,
atores e produtores – como os três citados – faziam parte da mesma
aventura, com plena consciência dela, decisivos em seus feitos. O papel
deles precisa ser resgatado, para que se compreenda porque, durante
algum tempo, o cinema brasileiro foi uma questão de verdade e de
amizade.
Nessa
catedral anônima feita de tijolos assinados, Jarbas Barbosa foi um dos
que serviu como uma espécie de elo de ligação entre as idéias e o
cotidiano do País, as puras biografias e a história real. Ele era um dos
que nos ajudavam a realizar o “nobre pacto”, como está no poema de Mário
Faustino, epígrafe de Terra em transe.
Pretendíamos inaugurar uma concepção brasileira da realidade
cinematográfica e, para isso, precisávamos do mundo do possível, de onde
veio Jarbas Barbosa, sua eficiência, sua irreverência e sua imaginação.
Hoje, é
possível compreender perfeitamente que Jarbas Barbosa não nos caiu do
céu para nos quebrar um galho. Ele era um elemento imprescindível na
construção desse elo indispensável a uma história que não pode ser
contada em linha reta.
Seu
encontro com o cinema novo realiza uma das mais belas e profundas
utopias do movimento, a que liga ruptura e tradição, a que articula a
pureza e a nobreza das idéias com a grandeza da ação sobre o mundo.
»
Carlos Diegues é cineasta
(©
JC Online)
Um cineasta tudo ao
mesmo tempo
Pernambucano Pedro Severien está envolvido na pré-produção, produção e
filmagem de curtas e longas-metragens de ficção e documentário
Marcos Toledo
mtoledo@jc.com.br
A máxima de
que cinema em Pernambuco se aprende na prática tem suas exceções. Uma
prova é o trabalho do cineasta Pedro Severien, que fez de seu entusiasmo
intuitivo uma motivação a mais para adquirir conhecimento técnico sobre
a Sétima Arte e agora, munido de talento – reconhecido com alguns
prêmios – e informação, prepara-se para emplacar uma nova fase na
carreira.
No
momento, Severien busca recursos para finalizar seu mais recente
curta-metragem, Sol azul, estrelado por Simone Spoladore, Julinho
Andrade, Germano Haiut e Laís Vieira. Paralelamente, o diretor se dedica
a sua produtora, desenvolve como co-roteirista dois projetos de
longas-metragens, prepara-se para rodar um documentário sobre o músico
Canhoto da Paraíba e integra um ousado projeto internacional também de
não-ficção.
A
história de Pedro Severien é muito parecida com a de outros cineastas
pernambucanos. A exemplo de nomes como Marcelo Gomes, Lírio Ferreira,
Adelina Pontual e Paulo Caldas, apenas para citar alguns, Severien
cursou jornalismo, mas o que queria mesmo era fazer cinema. Para um
estudante com este perfil, só havia duas opções: começar a praticar
aqui, por conta própria e geralmente utilizando o vídeo como recurso, ou
estudar fora do Estado. No caso de Severien, ele teve a oportunidade de
fazer as duas coisas.
Em
Pernambuco, participou de um curso de vídeo, mas não chegou a rodar
nada. Em 1999, encarou um curso de um mês na New York Film Academy
(Academia de Cinema de Nova Iorque). Nesse período, trabalhou em 12
filmes exercendo funções como cinegrafista, iluminador, figurante e
diretor, realizando, como autor, quatro curtas em 16 mm: House of love,
Sharp is the flesh, Freud live and die e Cinemental.
De volta,
dirigiu seu primeiro curta no Recife, Indigestão, a partir de um roteiro
escrito por ele em parceria com Dario Brito (hoje, colunista assistente
de Dia-a-Dia, no JC). A obra ficou em 2º lugar na categoria Ficção no
Festival de Vídeo de Pernambuco (FVPE). “Foi um grande estímulo”,
lembra, observando que o 1º e o 3º lugar ficaram, respectivamente, com
Leviatã e Matarás, dois trabalhos do experiente Camilo Cavalcante.
Após uma
tentativa frustrada de realizar o vídeo O encontro de José e o mundo
(nunca finalizado), vieram O dia do clitóris em domicílio (2001), 1º
lugar no FVPE, na categoria experimental, o documentário Daruê Malungo
(2002), em parceria com Verônica Pessoa, que serviu como projeto de
conclusão de curso na Universidade Católica, e a comédia Satiricuspe
(2003), 3º lugar de Ficção no FVPE.
A
carreira do então iniciante Severien apontava para uma linha
experimental, mas logo ele viu que não era isso o que queria. “O cara
vai refletindo enquanto vai fazendo”, analisa o autor. “Naquela época,
eu também achava que queria uma coisa totalmente experimental. Era um
pouco pretensioso. Não tinha domínio sobre a linguagem e já queria
quebrar as regras. Mas foi válido.”
Foi então
que veio a segunda virada na trajetória do diretor, que passou um ano e
meio cursando mestrado em produção de cinema e televisão na cidade de
Bristol, na Inglaterra. No fim do curso, os 30 alunos apresentaram cada
qual um roteiro e seis deles foram escolhidos para ser filmados.
Severien não teve seu roteiro selecionado, mas foi escalado para dirigir
um dos seis filmes, Stitch in time (O ponto no tempo). O curta foi
exibido em mostras na Inglaterra, Espanha, França e no Brasil, inclusive
no Cine PE: Festival do Audiovisual. “(O curta) marca meu primeiro filme
com um maior domínio da linguagem, mais consciente de minhas decisões e
trabalhando num gênero difícil (drama).”
Ainda na
Inglaterra, Severien trabalhou como cinegrafista trainee em dois
longas-metragens: Lost dogs e Manilla envelops (2005). No mesmo ano, foi
contratado como assistente de câmera para a produção chilena Kiltro,
estrelada pelo ator Marko Zaror (dublê de Dwayne The Rock Johnson no
longa Bem-vindo à selva, de 2003). Sobre a experiência internacional, o
diretor afirma que “o principal foi ter contato com a idéia de como se
produz em um esquema mais maduro, no qual a indústria é consolidada”.
“Viver isso de perto foi revelador”, afirma.
Finalmente, de volta à terra natal, o cineasta fundou sua própria
produtora, a Orquestra Cinema Estúdios, que realizou videoclipes para as
bandas Mundo Livre S/A (Carnaval inesquecível na Cidade Alta e Laura
Bush tem um senhor problema) e para o músico Erasto Vasconcelos (Capiba
disse que é pra já).
Também
co-produziu o clipe Formato cereja, do grupo Plástico Lunar, de Sergipe.
Estes trabalhos foram o pontapé que precisava para firmar seu nome e dar
início a seus trabalhos mais pretensiosos.
(©
JC Online) |