No ano do centenário de nascimento do médico
que inovou ao tratar a fome como problema político, centro que leva seu
nome arrecada dinheiro para abrigar suas obras
Ciara Carvalho
Do Jornal do Commercio
Um material valioso sobre a vida e o pensamento de um dos intelectuais
mais importantes do País aguarda um lugar adequado para ser devidamente
descoberto. São 40 mil documentos que traçam a trajetória do médico
Josué de Castro, pernambucano que inovou na forma e no conteúdo ao
tratar a fome como um problema social, econômico e político. No
centenário de nascimento do pesquisador, o Centro Josué de Castro coloca
na rua uma campanha para arrecadar recursos e concluir um projeto
acalentado há muito tempo: a construção de uma biblioteca que possa
abrigar toda a obra do médico e torná-la acessível e fonte de novas
pesquisas para qualquer visitante. Seria uma homenagem ao brasileiro de
maior projeção mundial no século 20 e um presente para a cidade, tão
carente de espaços de estudo e leitura.
A construção do prédio, um anexo ao lado do
centro, localizado no bairro da Boa Vista, foi iniciada em 2006. Mas as
obras estão paradas à espera de novos recursos. A idéia é oferecer um
prédio com três pavimentos, um auditório com capacidade para 110 lugares
e uma área para exposição permanente e itinerante. O custo do projeto é
de R$ 700 mil. Os coordenadores do centro pretendem conseguir o dinheiro
por meio de uma campanha junto à iniciativa privada e à sociedade civil.
O livro de doações já foi aberto pelos empresários Sydia Maranhão e José
Antônio Lavareda. Cada um doou R$ 10 mil. A partir do próximo mês,
começam as visitas a outros empresários e profissionais liberais. O
plano é conversar com cerca de 100 pessoas.
O sociólogo José Arlindo Soares, sócio do centro
e um dos articuladores da campanha, explica que há uma vasta produção
intelectual e política de Josué de Castro que hoje é subutilizada por
não haver um espaço físico adequado nem equipe suficiente para catalogar
todo o material. Só do acervo pessoal do médico, doado pela família, são
mais de seis mil livros, além de documentos, cartas e recortes de
jornais. Pelas limitações no manuseio da documentação, a consulta está
restrita, basicamente, a pesquisadores universitários ou alunos de
colégios, sempre em grupos de, no máximo, 10 pessoas.
Existem verdadeiras preciosidades no acervo.
Edições históricas em diversas línguas do principal livro de Josué de
Castro, Geografia da Fome, lançado em 1946 e que abalou a forma como o
Brasil tratava o tema. Foi com essa publicação que o nome de Josué foi
projetado mundialmente e o livro terminou sendo traduzido em 25 idiomas.
Outro destaque do acervo são as correspondências trocadas com
intelectuais, políticos e autoridades do mundo inteiro. Entre eles, o
ex-presidente do Brasil Juscelino Kubitschek e o diretor de cinema
italiano Roberto Rossellini.
“O mais importante é que dessas cartas e
correspondências podem surgir novas leituras sobre a obra de Josué.
Existem também anotações pessoais que nunca foram exploradas. É um
material muito rico ao qual poucos têm acesso hoje”, explica José
Arlindo.
Há também uma vasta documentação reunindo
artigos e pesquisas científicas sobre a fome no período de 1946 a 1964.
Boa parte desse material, no entanto, está guardada em caixas ou ainda
espera ser catalogada. “Numa cidade com tão poucas bibliotecas seria uma
grande aquisição. O centro se dispõe, inclusive, a fazer uma co-gestão
com a prefeitura para o funcionamento do novo espaço”, informa o
sociólogo.
O arquivo iconográfico reúne mapas e fotos do
pesquisador no Brasil e durante o período em que viveu no exílio. Josué
foi cassado com o golpe militar de 1964 e impedido de voltar ao País,
tendo a obra banida das livrarias e universidades. Ele morreu aos 65
anos, em 24 de setembro de 1973, em Paris. O centenário de nascimento do
médico será comemorado no dia 5 de setembro deste ano.
SERVIÇO:
Quem quiser contribuir para a campanha que arrecadará fundos para
construção da biblioteca pode ligar para o Centro Josué de Castro no
telefone 3423-2800.