Esdras Nascimento é aposentado pelo BB, mas lida a cada dia com o
ofício de escrever. Desde 1963, publicou treze romances, entre eles o
premiado Lição da Noite
Um bancário aposentado do BB que passa suas tardes entregue a leituras e
ao ofício de escrever ouvindo Bach, que tem paixão por xadrez, joga tênis,
não assiste a TV nos tempos de Big Brother, que odeia
best-sellers fabricados... O perfil, que se encaixaria num dos
personagens do escritor Esdras Nascimento, é, na realidade, do próprio autor
falando de si.
Escritor de 13 romances, entre eles o premiado Lição da Noite,
vencedor em 1998 do prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte
(APCA) em sua categoria, Esdras nasceu em 1934, em Teresina, no Piauí.
Segundo relata, passou infância e adolescência em Fortaleza e Natal. Viveu
depois no Crato, Porto Alegre, Santa Maria, Rio e Brasília. Esteve dez anos
no exterior: Amsterdã, Londres e Nova York. Hoje, vive no Rio, onde dirige
uma oficina de criação literária voltada para o conto e o romance.
Antes de se dedicar exclusivamente ao trabalho de romancista, foi
comerciário, professor, jornalista, tradutor, bancário e gerente de empresa
financeira internacional. No Banco do Brasil, trabalhou nas agências do
Crato (no Ceará), Porto Alegre e Santa Maria (no Rio Grande do Sul) e
Botafogo (no Rio), além de assessor do diretor da Carteira de Colonização.
Em Brasília, deu aulas de Teoria da Comunicação nos cursos de preparação
de administradores, foi editor da revista do Departamento de Seleção e
Desenvolvimento do Pessoal e chefiou a divisão que coordenava concessão e
controle de bolsas de estudo de mestrado no Brasil e no exterior. Na área
internacional, foi subgerente e gerente-adjunto de Londres e gerente-adjunto
de Nova York.
É aposentado pelo BB e recebe seu complemento da PREVI, que considera
“uma instituição que serve de exemplo ao Brasil, como prova de que as
parcerias entre empregados e empregadores não estão no campo das utopias.
São possíveis e desejáveis, desde que as duas categorias se respeitem e
trabalhem juntas pela redução das absurdas, injustas e cretinas diferenças
sociais que existem no país”.
Personagens misturam-se
As semelhanças do personagem Esdras com aqueles que cria, normalmente de
classe média alta, no cenário do Rio de Janeiro, ficam mais claras quando
retrata a si na terceira pessoa. “Ele escreve todos os dias, na parte da
tarde, ouvindo música. Bach, de preferência. Joga tênis e xadrez com
regularidade. Admira os romances de Octavio de Faria e os filmes de Walter
Hugo Khouri. Torce pelo Flamengo. Gosta de praia e bicicleta. Detesta
reuniões sociais, eventos, passeios turísticos, restaurantes da moda,
congressos e, sobretudo, papo sobre carência afetiva, ‘crescimento
interior’, ‘necessidade de ocupar seu espaço’, marketing e globalização. Não
costuma ver televisão. Seu grande vício é a leitura. Joyce, Faulkner,
Proust, Balzac, Céline, Osman Lins, Érico Veríssimo, Cornélio Pena e
Graciliano Ramos são autores que lê e relê.”
Sobre o ato de escrever conta, em entrevista sobre seu livro Minha
Morte será Manchete, de 1994: “em geral, passo três, quatro anos,
escrevendo um romance, ele me consome, exaure, me deixa tenso. Dias após dia
batalhando no texto, tentando melhorá-lo, dando o melhor de mim, num esforço
que me deixa vazio, feito uma laranja chupada, vem o momento em que, tenho
certeza, esgotei minhas possibilidades, tentei todos os caminhos que se
abriram, descobri atalhos, padeci sol e chuva, ventos e tempestades, e
cheguei afinal à última palavra do livro. Quando chego a esse momento, uma
sensação de alegria incontrolável e um desejo maluco de abraçar o mundo me
dominam”.
Sua ojeriza à TV também pode ser retratada quando perguntado se escrever
novelas não seria uma opção válida para o escritor brasileiro. “Se um
escritor gosta de televisão e se sente à vontade na utilização desse
veículo, não vejo razão para que ele se recuse a escrever novelas. Deve dar
um bom dinheiro e pode até ser divertido. Igual prazer também poderá sentir
um escritor hipocondríaco se tiver oportunidade de escrever bulas de remédio
e ganhar dinheiro com isso. Não tenho a menor dúvida de que as bulas são
lidas por um número muito maior de pessoas do que os romances. Não creio,
porém, que seria uma proposta atraente, do ponto de vista artístico...”
Se a TV provoca reações irônicas, a música é uma verdadeira paixão. Sobre
seu compositor predileto, Bach, declara que “ele é a única pessoa de quem
confesso ter inveja. Ano após ano, como se fosse a primeira vez, ouço as
suas composições, que me surpreendem sempre, e me estimulam como criador,
pela perfeição formal e, sobretudo, pela emoção que transmitem. Diante da
grandiosidade de Bach, eu me sinto o mais pobre e o mais humilde dos
escritores que o Piauí já viu nascer”.
Vida acadêmica
Outra
faceta de Esdras é a vida acadêmica, na qual concluiu doutorado em Letras de
maneira inusual. “Como tese de doutorado, apresentei Variante Gotemburgo, um
romance. Foi um escândalo. Para mim, parecia natural um compositor
apresentar uma sinfonia como tese de doutoramento em música, um artista
plástico apresentar uma tela, um diretor de cinema, um filme. Cada um na sua
área. Eu achava que isso seria o óbvio. Mas a academia pensava, e continua
pensando, de maneira diferente. Machado de Assis, por exemplo, teria
dificuldade em ser doutor em Letras, com base nos seus contos e romances. A
universidade daria preferência a um texto sobre os contos e romances de
Machado de Assis. Parece piada, mas é verdade.”
As palavras de Esdras, ao se autodescrever, também revelam um pouco da
fina ironia do mestre do Cosme Velho. “Ah, sim, eu gosto de jogar tênis e
xadrez. Se o tênis é a minha terapia, o xadrez é a minha religião, o meu
exercício espiritual. O tênis e o xadrez me ajudam a compreender o mundo, me
dão consciência dos meus limites e possibilidades — e, sobretudo, me ensinam
que superar a mediocridade alheia é fácil, até demais; o difícil é enfrentar
a própria mediocridade, que se evidencia quando a gente está diante da tela
em branco do computador, pensando na criação de grandes romances e
constatando que, infelizmente, os recursos disponíveis não são tão vastos
assim.”
(©
Revista Previ)