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 Para críticos, João Gilberto e bossa nova ainda são insuperáveis

 

 

Divulgação/Site Oficial

João Gilberto
 

FERNANDA EZABELLA - REUTERS

SÃO PAULO - Nos 50 anos da bossa nova, apenas um nome faltava para completar as comemorações que se espalham pelo país. O cantor e violonista João Gilberto confirmou oito apresentações para este ano, a partir de junho, para celebrar o gênero que ajudou a fundar, com seu cantar meio falado, meio baixinho, e seu jeito novo de tocar violão.

"João Gilberto não dá um show, dá um recital", diz Zuza Homem de Mello, crítico e historiador de música, explicando que o artista baiano de 76 anos está longe das parafernálias que os artistas usam em suas apresentações.

De fato, basta um banquinho e um violão, praticamente sinônimos de bossa nova, para o cenário de um "recital" de João Gilberto.

"Ele prescinde de tudo o que é efeito. Prescinde de tudo o que é necessário para mascarar a essência do espetáculo que é a música propriamente dita", continua Zuza, autor de "Folha Explica João Gilberto", em entrevista à Reuters. O deslumbramento de suas platéias sempre lotadas vem em grande parte das sutilezas e detalhes com que ele cria e recria, de forma obsessiva, canções que o acompanharam por toda sua carreira -- como "Doralice", "Corcovado", "Insensatez", "O Pato", "Samba de uma Nota Só".

"Agora, isso só é percebido por quem está prestando completa atenção na apresentação dele ou no disco", disse. "Senão, a pessoa acha que é a mesma coisa. É sutil."

O primeiro show do ano será em 22 de junho no Carnegie Hall, em Nova York.

Depois, se apresenta nos dias 14 e 15 de agosto no Auditório Ibirapuera, em São Paulo; dia 24 de agosto, no Theatro Municipal do Rio; e dia 5 de setembro, no Teatro Castro Alves, em Salvador. Haverá ainda três shows no Japão.

MELHOR NOTÍCIA DO ANO

Para o crítico e produtor Nelson Motta, o anúncio dos shows "é a melhor notícia para a música brasileira neste ano".

"Ele é um grande mestre, continua insuperável. Nesse gênero que ele inventou, ele é único, nunca houve nada melhor", disse Motta, autor de "Noites Tropicais".

Apesar das diversas contribuições para o gênero que refinou a música popular brasileira, incluindo o maestro Tom Jobim e o poeta Vinicius de Moraes, nada superou a "grande novidade" que João Gilberto trouxe com seu samba sincopado no violão e jeito único de cantar.

"Ele inventou um novo gênero musical. Não existe bossa nova sem a batida de violão do João Gilberto. Ele criou todo um mundo de possibilidades musicais", disse Motta.

Para o especialista, a prova da genialidade de João Gilberto está nas regravações dos sucessos "Chega de Saudade" e "Desafinado" que ele fez em seu último disco de estúdio, "João Voz e Violão" (2000), que seriam muito superiores às suas primeiras versões, "sob todos os aspectos, incluindo voz".

A fama de gênio vem junto com a de excêntrico. É perfeccionista nas gravações e shows, além de viver recluso no Rio de Janeiro, sem nunca dar entrevistas ou frequentar a cena musical da cidade. É como um ermitão, nas palavras de Zuza.

SEMPRE VANGUARDA

Embora solitário, João Gilberto mantém contato com os amigos por telefone, "e está perfeitamente ciente de tudo o que acontece, lê jornal, vê TV", contou Motta.

Ambos os críticos são unânimes em elogiar também sua personalidade. Um doce de pessoa, gentil e delicado, segundo Zuza. Educado e divertido, para Motta.

"O João Gilberto é uma das maiores celebridades da música no mundo que não tem a menor nesga de comportamento de celebridade. Ele vive monasticamente", disse Zuza.

O ano de 1958 é considerado o marco inicial da bossa nova com o lançamento de discos fundamentais. Começava ali um movimento que consagria toda uma geração de músicos brasileiros, como Nara Leão, Carlos Lyra, Luizinho Eça, João Donato, Roberto Menescal, Baden Powell, etc.

Foi naquele ano que Gilberto lançou dois compactos que inauguraram o movimento -- "Chega de Saudade"/"Bim Bom" e "Desafinado"/"Oba-la-lá" -- assim como o álbum "Canção do Amor Demais", com músicas de Jobim e Vinicius interpretadas por Elizeth Cardoso, que também trazia duas faixas com o violão de João.

E, mesmo com 50 anos, os críticos acreditam que a bossa nova segue viva e ainda "emblema da música brasileira no exterior", segundo Zuza.

"A vanguarda não envelhece", explicou o historiador, fazendo comparação com outros movimentos e artistas, como Mozart e Picasso.

"O que é vanguarda naquele momento não deixa de ser vanguarda agora. O que deixa de ser é o que efetivamente não foi."

(© Estadão)


Alguém viu o João Gilberto por aí?

Fomos até a Rua Carlos Góis, no Leblon, tocar a campainha do apartamento de João Gilberto. Afinal, é ele que vive dizendo ‘chega de saudade’. João não atende, mas as pessoas que o cercam estão por toda a parte e, uma a uma, traçam seu perfil

Gilberto Amendola

SÃO PAULO - Em 2002, Tião Alves ainda fazia entregas para o restaurante Degrau, famoso no bairro do Leblon, no Rio de Janeiro. Um dia, o dono do estabelecimento chamou-o de canto e, em tom grave, pediu para que ele cumprisse uma verdadeira missão: "levar um bacalhau para um cliente muito especial e reservado." Alves achou aquilo tudo esquisito demais. De qualquer forma, não ousou questionar a ordem.  

Alves seguiu para o prédio Jardim Leblon, na Rua Carlos Góis. Logo de cara, percebeu que o edifício não tinha nada de especial - era até bem simples. Ainda com as recomendações do patrão na cabeça, tocou o interfone e falou com o porteiro. "É uma entrega do Restaurante Degrau para o apartamento do oitavo andar." 

Normalmente, os moradores dos outros andares precisam descer para pegar suas encomendas, mas aquele misterioso habitante tem o privilégio de esperar em seu apartamento. Contrariando uma norma básica de segurança de qualquer edifício fuleiro, o entregador é quem precisa subir para levar os pedidos. 

Alves só precisou tocar a campainha uma vez. Logo, a identidade daquele cliente foi revelada: era o calado, inacessível e figurão da Bossa Nova, João Gilberto. O entregador conhecia a fama do músico e teve medo. 

O que aconteceu em seguida é o próprio Alves quem vai narrar. "Ele foi muito simpático. Me convidou para entrar e me ofereceu uma taça de champanhe. Como sou evangélico, não aceitei. Ele me ofereceu, então, um café. Depois ficamos conversando sobre futebol. Ele é vascaíno. Falamos sobre o Vasco. No final, me deu uma bela caixinha. Ele é uma pessoa maravilhosa." 

Hoje, Alves é subgerente do Degrau. "Quando o João Gilberto quer fazer algum pedido é pra mim que ele liga. Só fala comigo. Ele gosta de um bom bacalhau ou de um badejo", conta. "Quando tem algum pedido do João, os entregadores adoram. Ele é muito generoso." 

A fama de "mão aberta" já é uma lenda entre os entregadores de comida do Leblon. Fala-se em caixinhas de R$ 10 a R$ 50 (além da simpatia e do convite para o cafezinho). Outro entregador, o Paulo Souza, 51 anos, confirma tudo. Há muitos anos no Restaurante Le Coin, também do Leblon, Souza diz que já subiu no apartamento de João. "Ele pedia muito picadinho. Agora, faz tempo que não pede. Acho que brigou com o gerente do restaurante. Até onde eu me lembro, a casa dele é bonita, mas não tem exagero. Não tem frescura de grã-fino. Ah, e a caixinha é maravilhosa", diz. Aparentemente, o maior contato de João com o mundo externo se dá através dos entregadores de comida. 

Tocamos o interfone 

A reportagem do JT foi tentar a sorte. Tocamos o interfone do prédio do João. Infelizmente, não existe um contato direto com o apartamento dos moradores, apenas com a portaria. Ainda assim, o porteiro permitiu que entrássemos no hall do edifício (mas sem fotos). "Aqui, fazemos o nosso trabalho. E o nosso trabalho é não deixar ninguém incomodar o morador", diz Francisco Regis, 29 anos. 

Quando João vai receber alguma visita, ou um entregador de comida, ele avisa antes a portaria. Sem esse contato prévio, ninguém está autorizado sequer a tocar o interfone do apartamento. As visitas mais famosas ao João foram, segundo moradores, Miúcha (ex-mulher), Bebel Gilberto (filha), Caetano Veloso e Chico Buarque. 

Outro funcionário do prédio que fala um pouco sobre João é o garagista, José Benito de Souza, 62 anos. "Ele não dirige. É sempre um carro de vidro preto ou um táxi que vem buscá-lo. Aliás, dizem que é sempre o mesmo taxista. Não reparei. Ele é um homem muito educado e querido por todos aqui", avisa Souza. 

Informalmente, a reportagem descobre que o esquema das "caixinhas" generosas funciona também com os funcionários do prédio. A rede de proteção a João Gilberto é sustentado por agrados de R$ 10 ou R$ 20. 

Os vizinhos são só elogios ao morador ilustre. Todos destacam sua educação no elevador. "Tem sempre um bom dia, boa noite ou boa tarde", comenta a produtora de cinema Glória Carvalho, 40 anos. A única reclamação dela é, pasmem, em relação à falta de barulho. "Eu sou a vizinha de cima, moro no nono andar. Juro que eu queria que ele tocasse aquele violão mais alto. Infelizmente, nunca ouvi o violão do João. João, toca mais alto!", protesta a vizinha. 

Segundo Krikor Tcherkesian, ex-advogado, ex-empresário e amigo íntimo de João Gilberto, ele toca, sim, o seu violão no apartamento. "O João canta de 14 a 16 horas por dia. Ele fica ensaiando, procurando a nota. Ele ficou anos tocando Menino do Rio. Tocou umas 500 vezes a música até achar que ela estava perfeita."  

Krikor explica que difícil mesmo é fazer com que o músico toque fora de casa. "Quando o João toca violão fora da casa dele, ele fica preocupado se tem algum microfone escondido gravando suas músicas, suas composições." O amigo e ex-empresário também conta que a vida do pai da Bossa Nova começa às duas da madrugada. "Nesse horário ele começa a ficar ativo. Quando tem amigos na sua casa, ele mostra as músicas. Ele diz: ‘Escuta essa, olha isso, escuta essa nova’. E assim ele vai, madrugada adentro." 

Você já viu o João? 

No prédio, não conseguimos mais nada. O jeito foi percorrer os arredores e sair perguntando: "Você já viu o João Gilberto por aí?". O primeiro a responder a pergunta foi o jornaleiro Edmilson de Almeida, 37 anos. "Se eu já vi o João Gilberto? E você, já viu uma nota de duzentos?", brinca. Mesmo assim, Almeida garante que viu João uma única vez. "Ele saiu com uma pasta embaixo do braço e ficou conversando com um homem, que parecia ser um empresário. Eu acho que eles estavam conversando sobre shows ou dinheiro", lembra. 

Em um simpático café, pertinho do prédio de João, as atendentes falam sobre o gênio da Bossa Nova. "Aqui, a gente só encontra a Miúcha, ex-mulher dele. Eu acho que ele não deve gostar muito de café", analisa a balconista Luzia Quirilo, 32 anos.  

Percebemos que encontrar João Gilberto é uma espécie de prêmio ou, como disseram alguns vizinhos, uma bênção. Por isso, muitas lendas surgiram ao redor do edifício Jardim Leblon. Por exemplo, os guardadores de carro da região garantem que existe um sósia do músico circulando pela Rua Carlos Gois. "Toda vez que o João vai sair, um sósia desce primeiro e despista todo mundo", garante Antônio de Souza, 41 anos, 20 deles trabalhando bem em frente ao prédio de João Gilberto.  

"Ele adorava dirigir. Pegava o carro e saía pela madrugada dirigindo. Hoje, João não dirige mais por dois motivos. Porque já está com mais idade e porque não ia ficar legal ser assaltado no semáforo ou morto por algum bandido", comenta o amigo Krikor. 

Na videolocadora, localizada embaixo do prédio, uma atendente (que pediu para não ser identificada) conta que uma mulher jovem costuma retirar vídeos para João Gilberto. Que tipo de filme o músico assistiria em casa? "Comédias leves", revela a atendente. 

A história mais surreal de todas, no entanto, é a do vendedor de coco Severino Avelino, 39 anos. O homem trabalha para uma barraca na praia do Leblon chamada João. "Nada a ver com o João Gilberto. João é apenas o nome do dono da barraca", explica. Avelino afirma que já serviu uma água de coco para João Gilberto. "Ele estava sem camisa e de bermuda, sentado de frente para o mar. Eu ficava levando coco pra ele. E ele tomando sol e curtindo a praia."  (colaborou Felipe Branco Cruz)

(© Estadão)


João Gilberto fará shows em São Paulo, Rio e Salvador

AE - Agencia Estado

SÃO PAULO - No ano em que a Bossa Nova completa 50 anos, João Gilberto retorna aos palcos para apresentações em São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador. Na capital paulista, o público terá a oportunidade de ver o cantor em dois shows, nos dias 14 e 15 de agosto, no Auditório do Ibirapuera. Daqui, ele segue para o Teatro Municipal carioca e, depois, para Salvador, onde se apresenta no Teatro Castro Alves. A venda de ingressos será anunciada em breve.


Esta é uma das raras chances de ver o músico, que faz poucas aparições no cenário artístico. Para este ano, estão previstos apenas oito shows, incluindo as quatro apresentações que ele fará no Brasil. No dia 22 de junho, o baiano fará uma única apresentação no Carnegie Hall, em Nova York, e, em novembro, três concertos no Japão.


João Gilberto é considerado um dos criadores da Bossa Nova. O músico passou meses ensaiando exaustivamente até encontrar a batida ideal do seu violão e um jeito de cantar que limpava todos os excessos. Ao unir seu som e sua voz às melodias de Tom Jobim e às letras de Vinicius de Moraes, João inventou o gênero, cujo marco inicial é o lançamento do disco ''Canção Do Amor Demais'', de Elizeth Cardoso, só com composições de Tom e Vinicius. Ali já havia o violão de João Gilberto em duas faixas. Entretanto, a voz do cantor só surgiu quando ele lançou, em 1958, os clássicos Chega de Saudade e Bimbom. As informações são do Jornal da Tarde

João Gilberto. Dias 14 e 15 de agosto, no Auditório Ibirapuera. Avenida Pedro Álvares Cabral, s/nº. A venda de ingressos será anunciada em breve. Informações: (011) 5908 - 4290 ou www.auditorioibirapuera.com.br

(© Estadão)

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Bossa Nova 50 Anos - Especial Estadão

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