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 O maior clássico do Pernambuco udigrudi

 

 

 

Paêbirú – O caminho da montanha do sol, de Lula Cortês e Zé Ramalho, ganha enfim uma versão em CD, depois de se tornar uma lenda bastante cara pelos principais sebos de discos

José Teles
teles@jc.com.br

“A true lost classic brazilian tribal psyche-rock album (a grosso modo, um verdadeiro clássico perdido do psico-rock tribal brasileiro)”, assim a gravadora inglesa Mr.Bongo anuncia em sua página na Internet, o lançamento de Paêbirú – O caminho da montanha do sol, de Lula Cortês e Zé Ramalho. Com praticamente toda tiragem perdida na maior cheia que já atingiu o Recife, em 1975, Paêbirú era até então um dos mais cobiçados discos do país (cotado a R$ 3 mil nos sebos de São Paulo). Um dos mais valiosos, e mais ousados. Numa época em que eram raros os álbuns duplo, a Abrakadabra, pioneiro selo independente fundado por Kátia Mesel e Lula Cortês, em 1973, lançou Paêbirú, que não apenas é duplo, como trazia um encarte, em policromia, de oito páginas. E mais: as músicas foram (re)criadas no estúdio, de improviso: “A trilha de Sumé, foi uma das poucas que não foram feitas na base do improviso”, revela o inquieto Lula Cortês.

Em seus 34 anos de vida (contando com o período de gravação, de outubro a dezembro de 1974) Paêbirú foi cercado de lendas. Uma destas era a de que Zé Ramalho não permitia o relançamento do álbum porque queria sua foto na capa principal, e não na contracapa, como está no original: “Dizem que era uma exigência dele, mas não sei até que ponto isto é verdade. Sei que para esse lançamento, acertei com o advogado que cada um teria direito a metade do que render o disco”, diz Lula Cortês, que atribui a idéia de Paêbirú, ao pintor Raul Córdula: “Conheci Raul Córdula Filho por intermédio de Zé Ramalho, que já havia me falado da pedra do Ingá (pequena cidade paraibana, próxima a Campina Grande, onde se encontra esta enorme pedra com inscrições e desenhos de origem controversa). Eu já vinha com esta coisa de querer fazer um disco temático, e a concepção surgiu daí”.

Com a idéia na cabeça, Lula, Katia, Córdula, Zé Ramalho fizeram uma expedição à pedra: “O primeiro impacto que nos causou a grande pedra perdida na vastidão daquela região inóspita, fica bem clara no texto escrito por mim na época, no encarte do álbum. Documentamos tudo. Fotografamos e copiamos os símbolos para estudá-los e durante este período, ouvíamos as lendas contadas através dos tempos pelo povo do lugar”. A lenda De Sumé, segundo alguns, corruptela de São Tomé, que teria vindo para a América Latina, antes dos descobrimento, civilizar os índios Tupis é muito antiga, e ocorre em outros estados do Brasil, e em vários países latino-americanos. Paêbirú, a estrada do sol, teria sido a trilha que Sumé abriu quando perseguido pelos Tupinambás.

Muito desta expedição acabou no álbum: “A gente levou um gravador muito bom para a época, até melhor do que o do estúdio da Rozenblit, que só possuía quatro canais. O som das águas que se escuta no disco é do regato que passa pela pedra. Pequenos detalhes foram escritos ou determinados por mim ou Zé, que fazíamos o papel de maestros improvisados durante a execução das músicas com gestos combinados para a introdução de cada instrumento ou efeito em sua hora. Zé tinha mais experiência, porque passou por dois conjuntos bons de João Pessoa, Os Quatro Loucos e os Gentlemen”, continua Lula Cortês. Parafraseando Shakespeare, loucura, porém com certo método, assim foram as sessões de gravação de Paêbirú: “Ás vezes começavam pela manhã e entravam pela noite. A gente teve sorte de pegar a Rozenblit com os estúdios ociosos, então não tivemos problemas de tempo. Gravamos em 4 canais, quase sem recurso algum, não dando muita chance a playbacks e coisas do gênero. A sonoplastia, os efeitos e detalhes, eram introduzidos na hora, dentro do estúdio e valendo. Cada tema era executado duas vezes, sendo depois ouvido por todos e escolhíamos um deles como sendo o definitivo”, conta Cortês.

Paêbirú está para o movimento udigrudi pernambucano dos anos 70, como o álbum Tropicália ou panis et circenses para o tropicalismo. Com umas poucas exceções, quase todo mundo que compartilhava dos mesmos gostos musicais no movimento (ou movimentação) participou do álbum: “Eu e Zé resolvemos convidar a todos os músicos, nossos amigos ou não, para que participassem conosco desta aventura deliciosamente alucinante. Não importando seus estilos ou a que banda pertenciam, se desenvolviam ou não um trabalho solo em suas carreiras”. Participam de Paêbirú, entre outros: Geraldo Azevêdo, Alceu Valença, Jarbas Mariz, Ivson Wanderlei, Zé da Flauta, Israel Semente, Diké, o pai-de-santo Zé de Torubamba, Zé Preto, D.Tronxo, Jorge Tavares, Raul Córdula, Marcelo Mesel (como fotógrafo).

E se tem um disco no país que merece a classificação de psicodélico é este. Produzido à base de vários aditivos, o principal de todos, a manita matutina, amanita muscarias, ou seja cogumelos alucinógenos. Bailado das muscarias, por sinal, foi a faixa mais trabalhosa do disco, segundo Lula Cortês, e exatamente pelos aditivos: “Passamos dois dias para terminar porque ou alguém estava de cara (careta) e atrapalhava, ou estava tão viajado que não conseguia fazer nada. Aconteceu isto com Rodolfo Aureliano. Pela manhã a gente ia para o engenho Pasmado, em Igarassu, colher os cogumelos. Dava uma relaxada comendo cogumelos e tomando banho de cachoeira. Tinha dias em que o gramado da Rozenblit virava acampamento hippie. E aí temos que agradecer também a José Rozenblit, a quem devemos por sua visão aberta, seu pioneirismo e sua amizade, uma eterna gratidão.”

(© JC Online)


Nova edição deixou som do álbum coeso

Paêbirú foi o terceiro lançamento da Abakadabra, e um dos cinco discos que formam o ciclo do udigrudi musical pernambucano nos anos 70. O primeiro foi Satwa, de Lailson e Lula Cortês, em 1973. Veio em seguida Marconi Notaro no sub-reino dos metazoários (relançado nos Estados Unidos pelo selo Time-lag, que também relançou Satwa e está para lançar Rosa de sangue, último disco deste ciclo e que nunca chegou a ser oficialmente comercializado). Em 1976, Flaviola lançaria Flaviola e o alegre bando do sol. Neste ciclo de independência e liberdade estética, pode-se acrescentar ainda Caruá, de Zé Da Flauta e Paulo Rafael, e o único disco da Ave Sangria (saído pela Continental).

Paêbirú é uma experimental e pioneira mistura de rock, repente, pontos de umbanda, jazz. Frank Zappa e tropicalismo na mesma bandeja, agora com excepcional qualidade de som na edição da MR.Bongo, que o relança também em vinil, com todos os detalhes gráficos (a arte tem assinatura de Kátia Mesel) do original, mais um texto explicativo de Lula Cortês. Se ouvi-lo antes era um verdadeiro exercício de paciência, agora se curte instrumentos, vozes (distingue-se melhor o que cantam Alceu Valença e Zé Ramalho), ficaram audíveis os efeitos especiais (todos orgânicos), como o som de vidro estilhaçado no final de Maracás de fogo (segundo Lula, trata-se do som dos copos usados pelos músicos atirados ao chão do estúdio). Dividido pelos quatro elementos da alquimia - terra, ar, fogo e água - Paêbirú é feito de climas, de acordo com o elemento. Uma das faixas que ficou com sonoridade surpreendente foi Bailado das muscarias, uma das melhores do disco, com sax e piano. Harpa dos ares é uma valsinha erudita (com Geraldo Azevedo no violão, e Zé Ramalho solando na viola de seis). Raga dos raios é uma das mais psicodélicas do álbum, com um belo trabalho de cítara (Lula Cortês) e guitarra (Don Tronxo).

O disco, com 13 temas, abre e fecha com duas versões da Trilha de Sumé. No encarte do relançamento Lula Cortês confessa que lhe é difícil falar sobre o disco 34 anos depois. Relançado em edição innglesa, essa obra-prima da música underground brasileira infelizmente tem preço salgado: a importação sai por cerca de R$70.

(© JC Online)

Com relação a este tema, saiba mais (arquivo NordesteWeb)


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