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O militante Genivaldo Vieira da Silva protagoniza O Tempo e o Lugar |
O Tempo e o Lugar, de Eduardo Escorel, mostra a trajetória do agricultor
que, fiel a seus princípios, renegou a política e o MST
Ubiratan Brasil
Foram três encontros, três momentos decisivos - no primeiro, em 1996, o
cineasta Eduardo Escorel gravava um comercial para um banco quando conheceu
o agricultor Genivaldo da Silva, da cidade alagoana de Inhapi. As conversas
que tiveram no intervalo da gravação marcaram Escorel, que registrou tudo em
uma fita cassete. Em 2005, disposto a escrever um roteiro de ficção, o
cineasta voltou a Alagoas, onde gravou (agora em vídeo) um novo depoimento
de Genivaldo.
''Insatisfeito com o roteiro, que nem cheguei a filmar, voltei a Inhapi no
ano passado decidido a fazer um documentário sobre Genivaldo e sua
trajetória original'', comenta Escorel que, a partir do material que cobria
11 anos da vida do agricultor, elaborou O Tempo e o Lugar, que estréia hoje
em São Paulo.
É conveniente atentar para o título, que não apenas revela mudanças
ocorridas com o passar dos anos como, no sentido inverso, a fixação do
personagem pelo local onde nasceu e agora vive. Filho de um pai autoritário
e neto de coiteiros (protetores de cangaceiros) de Lampião, Genivaldo
conviveu com a seca e, ainda jovem, tornou-se fiel da Igreja Católica.
Adulto, passou uma temporada trabalhando na Bahia mas, com o pensamento
voltado para seu local de origem, retornou a Inhapi, onde, a serviço da
Igreja, construiu casas, realizou batizados, oficiou casamentos. Logo, era
membro do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, ativista do Movimento dos
Sem-Terra e filiado ao PT.
Candidato derrotado a prefeito de sua cidade, em 2000, Genivaldo sofreu uma
série de decepções com as entidades às quais era ligado até decidir
afastar-se da Igreja, do MST e da militância partidária para assumir uma
liderança na sua região, onde atua à margem da política institucional na
Ceapa, central que articula o trabalho de associações de pequenos
agricultores de sua região.
É esse homem, sonhador por 11 anos e agora um cético, que motivou Eduardo
Escorel a retratá-lo em três tempos. ''Logo que o conheci, durante a
gravação da série Gente Que Faz para o banco Bamerindus, descobri um homem
carismático, excelente contador de casos e com rara noção da dimensão da
história da sua família'', conta o cineasta, que descobriu o fio condutor do
documentário a partir de um sábio pensamento de Genivaldo, ciente de que seu
lugar é na terra onde nasceu.
O documentário começa com a chegada da equipe de Escorel à casa do
agricultor, em 2007. Logo, a primeira surpresa: a casa fora totalmente
pintada. ''Ele planejava fazer ali a festa de casamento da filha, que acabou
não acontecendo'', conta o cineasta, que logo percebeu o faro apurado de seu
colega Eduardo Coutinho, o maior documentarista brasileiro. ''Quando
conversei com Coutinho sobre o projeto, ele me aconselhou a investir mais na
história da família. E, ao notar que a filha não se casara por conta dos
desejos possessivos do noivo (que não pretendia deixá-la continuar
estudando), além da rivalidade existente entre Genivaldo e o filho Claudemir
(que se opõem na ação política), Escorel descobriu ali um grande filão para
o documentário.
Assim, durante três semanas do ano passado, o diretor e sua equipe
acompanharam os passos do agricultor e sua família, buscando colher
depoimentos com o mínimo de interferência possível. O que diferencia O Tempo
e o Lugar de outros documentários, no entender de Escorel, é a chance
oferecida a seu personagem principal de rever a própria história e,
especialmente, as próprias opiniões.
Dessa forma, nos primeiros minutos de filme, o Genivaldo de 2007 revê, em um
monitor, a entrevista do Genivaldo de 2005, um homem ainda empolgado com a
fé religiosa e a política. Ele observa também, incrédulo, recortes de
jornais que contam sua trajetória ao longo dos anos 1980. ''De repente, ele
se descobre'', comenta Escorel. ''Fatos que nem lembrava mais retornam à sua
mente e permitiram que ele tivesse uma noção mais bem acabada da importância
de sua carreira.''
A forma como o filme retrata a reversão de expectativas de Genivaldo, aliás,
tem gerado acaloradas discussões. Suas atuais restrições ao MST, por
exemplo, são sempre contestadas nos debates dos quais o documentário tem
participado. Escorel esquenta a fervura ao fazer uma comparação entre a
trajetória de Genivaldo com a do presidente Lula - o alagoano começou a
militar na Igreja Católica ao mesmo tempo em que Lula surgia como
sindicalista no ABC. ''O que hoje os afasta é a descrença de Genivaldo da
política partidária, mesmo que não abra mão de suas convicções e
compromissos com a causa do pequeno agricultor.''
Para o cineasta, Genivaldo é um ''herói com caráter'', um ''cabra marcado
para viver'', referindo-se ao personagem Macunaíma, de Mário de Andrade, e
ao clássico documentário de Eduardo Coutinho, do qual foi montador e que
também une filmagens realizadas entre momentos espaçados.
(©
Estadão)
Personagem entra em cena em época ideologizada
Luiz Zanin Oricchio
O Tempo e o Lugar, de Eduardo Escorel, sob o pretexto de retratar a
trajetória de um pequeno agricultor alagoano, serve de estímulo a
comentários políticos dos mais variados. Isso se deve à natureza da história
de vida do retratado, Genivaldo Vieira da Silva, um ex-líder do Movimento
dos Sem-Terra, agora transformado em proprietário de dois sítios e candidato
(derrotado) à prefeitura de Inhapi, no interior de Alagoas.
O tipo é sedutor. Fala bem, expressa-se com simpatia e entrega-se com
evidente prazer à releitura da própria vida. Vê jornais antigos, em que
aparece preso como agitador. Exclama ''que tempo!'', como se sentisse
saudade ou orgulho do passado. Mas quem agora presta depoimento à câmera é o
pequeno proprietário que fala do MST como de uma seita de fanáticos, que
recebe treinamento do grupo guerrilheiro peruano Sendero Luminoso. É
suficientemente ambíguo para admitir que ''95 % do que sei aprendi com
eles''.
As contradições de Genivaldo expressam-se em sua própria família. A mulher
criou os filhos sozinha, porque o marido estava sempre na luta. Um dos
filhos é militante do PT e intransigente na oposição ao pai. Um segundo
filho está em posição contrária. E outros dois trabalham como seguranças em
Maceió. Uma das filhas desfez o casamento porque o noivo queria uma mulher à
antiga, que não estuda e muito menos trabalha. O pai apóia a filha. Mas, em
outros aspectos, se mostra de um tradicionalismo a toda prova. A câmera do
documentarista, próxima dessa família, revela as linhas de força, não raro
opostas, de um Brasil que deseja se renovar e ao mesmo tempo também ser
conservador.
Lança também seu olhar sobre a política dos pequenos municipíos, com suas
necessidades prementes e o tipo de alianças que aí se fazem - uma realidade
da qual os grandes centros e a imprensa parecem não cuidar e que, no
entanto, é a política que age por capilaridade no interior e dela o ''Brasil
profundo'' tira a sua força e sua inércia. Nesse sentido, a trajetória de
Genivaldo é mais do que reveladora, em seu deslizar da posição
revolucionária à reformista, terminando pela preocupação particular com a
família e consigo mesmo. Hoje, Genivaldo fala de uma pequena gleba que
prepara na Bahia como um ''paraíso particular''. O ex-incendiário suspira
por seu Éden privado.
Escorel tem dito que não gostaria que o filme fosse visto como estudo geral
sobre o MST ou sobre o governo Lula (Genivaldo diz que se desiludiu com o PT
em 2005). Mas talvez seja inevitável que isso aconteça, dado o momento
excessivamente ideologizado por que passa a sociedade brasileira. Nesses
períodos costuma-se haver pouca serenidade para refletir sobre algumas
questões que esse filme propõe. Por exemplo, o das diferenças culturais
entre regiões, que pode intrometer-se mesmo em uma luta política, a força da
religião e o apego à propriedade.
Escorel surprende-se com o mal-estar que o filme tem causado no público
simpático ao MST e ao PT. Não deveria. Um filme (de ficção ou documental)
nunca é neutro e nem neutro é o público que o assiste e debate. O cineasta
escolhe as imagens para captar. Depois, opta por uma montagem dessas
imagens, entre tantas possíveis. Tudo é escolha e o público que o assiste
também tem suas idéias e faz suas opções. Esse filme esclarecedor
provavelmente chega em época errada. A maneira como será interpretado dirá
talvez muito mais sobre os intérpretes do que sobre o filme em si.
(©
Estadão)
Escorel volta a falar do relacionamento entre esfera pública e
privada, tendo como foco questões políticas
Alysson Oliveira, da Reuters
Divulgação
Cena de 'O Tempo e o Lugar'
SÃO PAULO - Em seu mais novo documentário, O Tempo e o Lugar, o
cineasta Eduardo Escorel (35 - O Assalto ao Poder) volta a
falar do relacionamento entre a esfera pública e a privada, tendo como
foco questões políticas.
No seu longa anterior Vocação do Poder, de 2005, Escorel
mostrava alguns candidatos praticamente anônimos e sua batalha para
ganhar as eleições para vereador.
Em O Tempo e o Lugar, que estréia em São Paulo e no Rio nesta
sexta-feira, 16, o documentarista volta a sua câmera para Genivaldo
Vieira da Silva, agricultor da região semi-árida do Estado de Alagoas. O
personagem tem uma trajetória política que poderia ser igual à de muitos
de seus conterrâneos, mas é bem peculiar.
Escorel conheceu Genivaldo em meados da década de 1990, quando o
documentarista dirigia o programa Gente Que Faz, que era
patrocinado por um banco e exibido na televisão aberta. O agricultor foi
o protagonista de um desses filmes.
Na época, o documentarista também produziu um cassete de áudio no qual
Genivaldo contava a sua vida. Quase uma década depois, Escorel voltou à
cidade, para fazer um filme de ficção sobre a sua vida. Só mais tarde
resolveu que a trajetória do personagem renderia um documentário.
O Tempo e o Lugar é o resultado desses mais de dez anos de
contato entre Genivaldo e Escorel. O personagem se destaca por diversos
motivos, principalmente sua militância política - foi candidato
derrotado à prefeitura de Inhapi pelo PT em 2000 também líder do
Movimento Sem-Terra.
Agora, porém longe de partidos políticos, movimentos ou outras
instituições, ele não abandonou a militância social.
Embora, quando jovem, tenha emigrado para a Bahia, onde trabalhou num
pólo petroquímico, Genivaldo não se adaptou a essa nova realidade e
voltou para sua cidade natal. Mais tarde, ligado à Igreja Católica,
realizou diversos serviços, como construir casas, fossas e até ajudar na
missa e oficializar casamentos.
Atualmente, Genivaldo faz um trabalho à margem da política institucional
numa central que articula o trabalho das associações de pequenos
agricultores do Alagoas. E, por isso, ele diz que atualmente luta por
uma causa que é sua, e antes, pela causa dos outros.
Ao longo de O Tempo e o Lugar é como se Escorel estivesse
contrapondo as duas imagens de Genivaldo: aquela do filme publicitário -
mais idealizada, quase irreal - e esta do personagem verdadeiro, que
realmente é o homem que acumula várias realizações.
(©
Estadão)
Veja também:
Trailer
de 'O Tempo e o Lugar'
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Com relação a este tema, saiba mais (arquivo NordesteWeb)
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