Projeto chega chega às lojas no início de
junho e cantor avisa que inicia temporada de shows em agosto
Jotabê Medeiros, de O
Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - Com uma videoconferência
pela internet, nesta quarta-feira, 14, o cantor, compositor e ministro
da Cultura, Gilberto Gil anunciou sua primeira obra inédita desde que
assumiu sua posição no governo, em 2002. Banda Larga Cordel (CD
e DVD) chega às lojas no início de junho
e Gil avisou que inicia temporada de shows em
agosto por todo o País, após voltar de uma licença-turnê por Estados
Unidos e Europa.
Foi uma estranha entrevista, já que o
disco não chegou à imprensa antes da coletiva, o que impedia perguntas
mais específicas sobre arranjos e letras e circunstâncias de composição.
A mesa também não permitia ao ministro responder perguntas em relação à
política ministerial. "Nós estamos limando", avisou a coordenadora.
Gil disse que seu disco já vem de
encontro a uma nova circunstância tecnológica, que põe em xeque a
própria noção de álbum. Disse que está em discussão "uma certa aura
romântica da autoralidade", e que um disco "com um conceito, com uma
amarração", coisa que incluía do Sgt. Peppers, dos Beatles, da
capa do disco até o jeito como as faixas eram amarradas, até o Cê,
do Caetano Veloso, e seus próprios discos. "No caso de Banda Larga
Cordel, eu já abri mão da seqüência de faixas, do encadeamento. Era
impossível para mim, com todas essas referências de fragmentação, de
criação coletiva."
Gil afirmou que seus afazeres como
ministro o fizeram trancar nos últimos anos, em algum lugar
desconhecido, sua capacidade criativa. "Saía do ministério de noite e ia
para casa, e se deixasse a porta aberta para a inspiração, dizendo
‘Venha, entre’, ela ia me pegar pelo rabo às 9 horas da noite e me botar
numa cadeira, e eu ia até as 1h, 2h, 3h, 4h da manhã e a inspiração ia
me dizer: ‘Você vai ficar aqui até a hora que eu quiser. E como eu ia
trabalhar no outro dia de manhã.? Eu passei esse tempo sem deixar o
espaço para a criação, eu era ministro, não podia me dar ao luxo disso.
Mas fui retomando, mas daqui a pouco acaba o ministro, e vou fazendo
minha reentrada aos poucos na atmosfera do mundo criativo. Nos últimos
12, 15 meses, compus 9, 10 canções. Estou reconciliado com a musa."
Ele rebateu acusação de propagandear,
mas de aderir muito timidamente, a mecanismos de liberalização de
canções na internet, como o Creative Commons. Disse que é preciso
"utilizar moderadamente" essas possibilidades, "para não ficar bêbado".
Segundo Gil, "um porre de liberalização de abertura" não vai dar em
nada, "só em uma bebedeira".
O ministro tropicalista considera que
uma das tendências da geração que teve "ímpetos revolucionários" nos
anos 1960 e 1970 é hoje enxergar com pessimismo o avanço da tecnologia e
das novas mídias, a internet entre elas. Ele considera que é um
"pessimismo injustificável", mas que também não afina com aqueles que
acham que só a tecnologia pode fazer o bem para a humanidade. "Essas
coisas estão aí para o bem e para o mal."
Elogiou os mecanismos de produção,
divulgação e comércio de música criado pela cena do tecnobrega de Belém
(PA). "Eles têm ali palcos ambulantes, ao estilo do trio elétrico",
assinalou. Para Gil, toda essa nova cena, que passa batida pelas
"editorias dos jornais de São Paulo e Rio de Janeiro, os estúdios de TV
de São Paulo e Rio de Janeiro, as rádios, elas muitas vezes não ficam
sabendo de nada disso, dessas realidades novas com maquinarias novas."
O cantor chama a isso de
"micropulverização do empreendedorismo", citando as bandas que fazem sua
música em estúdios domésticos, seus shows na garagem, fazem seus discos
e levam para vender depois dos shows, e que a decorrência seria uma
"fragmentação de acesso ao lucro, à vantagem", concluiu. "Não querem
ficar ricos, querem viver", disse.
"Não há condição de todo mundo ser
rico, então todo mundo quer viver e sobreviver. Então a arte passa a ser
informada por isso, a produção passa a ser informada por isso, a
produção passa a ser informada por isso. Enfim, a vida. Processos
organizados com liberdade, com fragmentação empreendedora,
protagonística", considerou.
Gil tinha um contrato com a gravadora
Warner, que lhe encomendou cinco discos. Faria quatro álbuns. Banda
Larga é o quinto. E depois disso? Gil iniciou sua exposição dizendo
que é a atividade de shows que traz a remuneração essencial dos
artistas, e comentou sobre uma possível nova parceria com o grupo Warner
num plano que chamou de "recanto para recombinações criativas" e que
está envolvido numa nova parceria com a empresa. Não chegou a se
estender sobre o projeto, mas festejou a posse integral de Banda
Larga Cordel. "É o primeiro disco totalmente meu, a propriedade dos
fonogramas é minha."
Para o compositor, o que está em jogo
hoje em dia é muito mais o que ele designa como "abertura do espaço
experimental", e que isso envolve inclusive uma redefinição do papel das
antigas companhias discográficas. "A Warner não pode mais ser chamada de
gravadora, é um espaço múltiplo."
O disco traz uma nova canção dedicada à
mulher do músico, Flora Gil. Trata-se de A Faca e o Queijo (ele
já tinha dedicado a ela as canções A Linha e o Linho, Flora,
O Seu Olhar, entre outras). Outra mulher que ganha uma canção é
a mãe de Caetano Veloso, a centenária Dona Canô, que Gil aprecia pela
"lucidez, vivacidade e o gosto pela vida". O ministro contou que tinha
feito a música para cantá-la em Santo Amaro da Purificação, durante a
festa de aniversário de Dona Canô. "Mas eu tava muito rouco naquela
ocasião e não consegui cantar", afirmou.
Gil explicou longamente a inclusão do
samba Formosa, de Baden Powell e Vinicius de Moraes, no
repertório. "É um samba que eu adoro, e que tem todos aqueles elementos
das chamadas raízes do samba carioca clássico. Baden era muito ligado a
isso. Ele fez uma série chamada os afro-sambas que reproduzia isso,
tanto ele quanto Carlos Lyra, Jobim também. Tinham essa capacidade de
compreensão e apreensão do samba clássico que se desenvolveu no RJ.
Vinicius também, era um poeta com essa ligação profunda com o imaginário
popular, do RJ. É um samba minimalista. ‘Formosa, não faz assim.’ As
frases musicais todas pequenininhas. O estilo João Gilberto, de fazer
essas economias poéticas, de cortar uma palavra da frase. Eu passei 4
anos cantando esse samba em casa, à João Gilberto, namorando no violão,
fazia parte do projeto de discos de sambas, não fiz, e como não fiz,
aproveitei o que vinha trabalhando para aquele repertório e pus nesse
disco."
Ele analisou também a permanência do
movimento no qual se engajou nos anos 1960, o tropicalismo. "Os tempos
de agora são irremediavelmente tropicalistas. Tudo que hoje é linguagem
corrente, tudo isso foi proposto lá atrás. As operações poéticas, no
campo simbólico, e as operações políticas: tudo isso é a herança do
tropicalismo."
(©
Estadão)
Gilberto Gil lança álbum pela internet
Em entrevista coletiva virtual,
compositor diz que mundo digital de hoje concretiza idéias tropicalistas
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Doze anos depois de ser o primeiro artista brasileiro de ponta a lançar uma
canção pela internet (exatamente "Pela Internet"), Gilberto Gil lançou ontem
um disco inteiro pela rede: "Banda Larga Cordel", que chegará às lojas em
junho.
Porém, os melhores momentos das mais de
duas horas de entrevista coletiva virtual remeteram a 40 anos atrás. Parece
uma contradição, mas não é, ao menos para Gil. Ele vê no mundo digital de
hoje a concretização das idéias tropicalistas.
"São tempos irremediavelmente
tropicalistas, porque o tropicalismo era a capacidade de operar com
fragmentos, o que hoje é a linguagem corrente", disse ele, que respondeu num
estúdio a perguntas enviadas por meio de um chat por jornalistas de vários
países.
Gil concordou com uma repórter que opôs à
sua visão otimista do mundo digital a pessimista de parte da "geração 68".
"A esquerda sacrificada, que era
comprometida com uma idéia de revolução, tem uma tendência justificada, por
causa de traumas, a ter uma leitura pessimista desse maravilhoso mundo novo.
Eu nunca acreditei muito na possibilidade de um comunismo idealizado. Fui
fazer o tropicalismo, execrado por essa visão racionalista."
Por enquanto, "Banda Larga Cordel" só
estará disponível na internet para streaming (a pessoa pode ouvir as
músicas, mas não baixá-las para seu computador). Em 17 de junho, quando os
CDs (um com 14 faixas e outro com 16) serão lançados em 24 países, as
canções estarão à venda em lojas virtuais.
"É a primeira vez que não me preocupo com a
ordem [das faixas] de um disco", disse ele, prevendo para breve lançamentos
musicais apenas por meio da internet.
"Será tudo pelo terminal de TV. Nos Estados
Unidos, o disco físico já é quase peça de museu. Aqui, ainda temos
necessidade de uma segunda ou terceira abolição, para que todos tenham
acesso às máquinas do mundo contemporâneo."
Gil não respondeu a perguntas específicas
sobre o Ministério da Cultura -do qual vai se licenciar em junho e julho
para uma turnê. Mas deixou claro que sairá em breve.
"Passei quatro anos sem deixar espaço para
inspiração. Agora, estou retomando o processo criativo. Sei que não vou ser
ministro a vida inteira. Daqui a pouco acaba. Esse disco é para dizer:
"Estou de volta, me reconciliei com a musa"."
A maior parte das músicas é inédita em
disco, como "Despedida de Solteira", "Não Tenho Medo da Morte", "O Oco do
Mundo", "Máquina de Ritmo" e "Canô" -feita para a mãe de Caetano Veloso.
Outras já tiveram outros registros, como "Os Pais" e "Outros Viram"
(parcerias com Jorge Mautner), "A Faca e o Queijo" (para Flora, sua mulher),
"Samba em Los Angeles" (do disco "Nightingale", de 68) e "Formosa" (Baden
Powell/ Vinicius de Moraes).
(©
Folha de S. Paulo)
Gil se reconcilia com a música em
novo CD
Depois de seis anos sem lançar nada
inédito, o cantor-ministro fala de Banda larga cordel, álbum que chega
nas lojas a partir da semana que vem, e diz que volta a fazer turnê este
ano
Jotabê Medeiros
Agência EstadoCom uma
videoconferência pela internet, ontem, o cantor, compositor e ministro
da Cultura, Gilberto Gil anunciou sua primeira obra inédita desde que
assumiu sua posição no governo, em 2002. Banda larga cordel (CD e DVD)
chega às lojas na semana que vem e Gil avisou que inicia temporada de
shows em agosto por todo o País, após voltar de uma licença – turnê por
Estados Unidos e Europa.
Foi uma estranha entrevista, já que o
disco não chegou à imprensa antes da coletiva, o que impedia perguntas
mais específicas sobre arranjos e letras e circunstâncias de composição.
A mesa também não permitia ao ministro responder perguntas em relação à
política ministerial. “Nós estamos limando”, avisou a coordenadora.
Gil disse que seu disco já vem de
encontro a uma nova circunstância tecnológica, que põe em xeque a
própria noção de álbum. Disse que está em discussão “uma certa aura
romântica da autoralidade”, e que um disco “com um conceito, com uma
amarração”, coisa que incluía do Sgt. Peppers, dos Beatles, da capa do
disco até o jeito como as faixas eram amarradas, até o Cê, de Caetano
Veloso, e seus próprios discos. “No caso de Banda larga cordel, eu já
abri mão da seqüência de faixas, do encadeamento. Era impossível para
mim, com todas essas referências de fragmentação, de criação coletiva.”
Gil afirmou que seus afazeres como
ministro o fizeram trancar nos últimos anos, em algum lugar
desconhecido, sua capacidade criativa. “Saía do ministério de noite e ia
para casa, e se deixasse a porta aberta para a inspiração, dizendo
‘venha, entre’, ela ia me pegar pelo rabo às 9 horas da noite e me botar
numa cadeira, e eu ia até as 1h, 2h, 3h, 4h da manhã e a inspiração ia
me dizer: ‘Você vai ficar aqui até a hora que eu quiser. E como eu ia
trabalhar no outro dia de manhã.? Eu passei esse tempo sem deixar o
espaço para a criação, eu era ministro, não podia me dar ao luxo disso.
Mas fui retomando, mas daqui a pouco acaba o ministro, e vou fazendo
minha reentrada aos poucos na atmosfera do mundo criativo. Nos últimos
12, 15 meses, compus 9, 10 canções. Estou reconciliado com a musa.”
Ele rebateu acusação de propagandear,
mas de aderir muito timidamente, a mecanismos de liberalização de
canções na internet, como o Creative Commons. Disse que é preciso
“utilizar moderadamente” essas possibilidades, “para não ficar bêbado”.
Segundo Gil, “um porre de liberalização de abertura” não vai dar em
nada, “só em uma bebedeira”.
O ministro tropicalista considera que
uma das tendências da geração que teve “ímpetos revolucionários” nos
anos 1960 e 1970 é hoje enxergar com pessimismo o avanço da tecnologia e
das novas mídias, a internet entre elas. Ele considera que é um
“pessimismo injustificável”, mas que também não afina com aqueles que
acham que só a tecnologia pode fazer o bem para a humanidade.
(©
JC Online)