Divulgação
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Sivuca, alvo de disputa de herdeiros
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Projeto da única filha de Sivuca de reunir e divulgar a sua extensa
produção pode ser paralisado por ação judicial da viúva do músico
paraibano, morto em 2006
Roberta Pennafort e Lauro Lisboa Garcia
A quem pertence a obra de um artista depois de sua morte? Ao público que
o consagrou ou aos herdeiros que deixou? A socióloga Flávia de Oliveira
Barreto, filha única de Sivuca, fica com a primeira opção. Em 2001,
cinco anos antes da morte do pai, ela iniciou um projeto de organização
de seu rico acervo, incluindo discos, fotografias, entrevistas e vídeos,
com o objetivo de torná-lo acessível a todo o povo brasileiro.
Sua intenção é fazer uma biografia, produzir shows e montar exposições -
tudo para evitar que ele seja esquecido. ''Se você fala sobre Sivuca com
uma pessoa que entende de música, ela sabe quem é. Mas se perguntar na
rua é capaz de ele ser confundido com o Hermeto Pascoal'', diz Flávia,
que é professora universitária pós-doutorada em estudos culturais.
Iniciada oficialmente em janeiro de 2007, um mês depois da morte do
músico, a pesquisa corria bem até que Flávia ficou sabendo, por
terceiros, que a viúva, Maria da Glória Pordeus Gadelha, tinha outros
planos. Ela recorreu à Justiça da Paraíba, onde vive, para impedir que o
trabalho continuasse.
Uma decisão da juíza Adriana Barreto Lóssio de Souza, da 4ª Vara Cível
de João Pessoa, datada de 19 de fevereiro de 2008, proíbe Flávia de
firmar contrato para ''show, CD, DVD e entrevista, livro ou congênere,
utilizando o nome ''Sivuca''''. Na prática, todo o projeto ficaria,
assim, inviabilizado.
De João Pessoa, Felipe Coutinho, advogado de Glorinha Gadelha (seu nome
artístico), explica: ''Há um documento deixado por Sivuca que autoriza
apenas Maria da Glória a escrever sua biografia. Flávia não pode dar
entrada em projetos relativos a Sivuca porque a inventariante e
testamenteira de todo o espólio é Maria da Glória.''
Cantora e compositora, Glorinha foi a quarta companheira do sanfoneiro.
Teve com ele uma relação estável (de mais de 20 anos) e, durante esse
tempo, compôs e se apresentou a seu lado. Seu advogado falou rapidamente
ao Estado, por telefone, e não retornou as diversas ligações posteriores
da reportagem.
Filha do primeiro casamento de Sivuca (com a cantora lírica Terezinha
Mendes), Flávia, que começou a tocar o projeto a partir de depoimentos
detalhados dados por ele (são horas e horas gravadas), diz que não
consegue compreender a atitude de Glorinha, com quem, conta, nunca havia
se desentendido: ''Não fui notificada oficialmente. Proibir qualquer
pessoa de falar qualquer coisa é inconstitucional. Fere o direito de uma
cidadã brasileira se expressar livremente, de um pesquisador estudar um
assunto e de uma filha falar do pai. Eu gostaria que fossem feitas
várias biografias de Sivuca, não uma só.''
Especialista em propriedade intelectual - já trabalhou para herdeiros de
Tom Jobim, Guimarães Rosa, Jorge Amado e Nelson Rodrigues -, a advogada
Silvia Gandelman, que representa Flávia no tocante aos direitos autorais
de Sivuca, lembra que qualquer pessoa pode organizar homenagens a
artistas. ''É a primeira vez que vejo alguém se apropriar do direito de
imagem. Essa decisão judicial não se aplica'', acredita Silvia.
O trabalho de resgate, os pesquisadores lembram, é fundamental, já que a
memória de Sivuca está fragmentada. ''Meu pai não teve a preocupação de
ficar juntando nada. Só queria tocar. Tem disco que não se encontra em
lugar algum do mundo. Se você não reedita, o que acontece? O artista
morre de novo'', aponta Flávia, que, embora entristecida, ainda acredita
no diálogo para resolver o imbróglio. ''Isso não combina em nada com o
jeito de ser do meu pai.''
Patrocinado pelo Banco do Nordeste, através da Lei Rouanet, e apoiado
pelo Ministério da Cultura, o Projeto Sivuca - Maestro da Sanfona
Brasileira vem sendo tocado por ela e outros três pesquisadores, dois
sociólogos e um jornalista.
Com a ajuda de colecionadores e instituições de vários Estados, eles se
desdobram para recompor, no Brasil e no exterior, todos os lances da
longa carreira do compositor e instrumentista paraibano, que transitou
entre o erudito e o popular sem cerimônias (ele repetia que não importam
os rótulos, já que só existem dois tipos de música: a boa e a ruim).
Severino Dias de Oliveira, nascido em 1930 na pequena cidade de
Itabaiana, morou por muitos anos nos Estados Unidos e na França e teve
passagens marcantes pela Suécia e pela Dinamarca, onde, por incrível que
pareça, chegou a ser até mais popular do que no Brasil - a ponto de lá
ter se desenvolvido um estilo Sivuca de tocar.
Desde que a pesquisa propriamente dita começou, já foram levantadas 324
músicas suas, 34 discos (estima-se que de 200 ele tenha participado de
alguma forma, produzindo ou tocando), além de partituras inéditas e
gravações raríssimas. As informações estão sendo inseridas num banco de
dados criado pela equipe, que, futuramente, poderá ser acessado por
qualquer um que se interesse pela obra.
Arquivo Sonoro
O acordeom de Sivuca figura na ficha técnica de diversos discos
importantes de música brasileira dos anos 1960 aos 2000, além dos
títulos do próprio músico. Autor de mais de 200 composições, ele também
foi gravado por grandes intérpretes brasileiros. Dividindo com Chico
Buarque a autoria de João e Maria, uma de suas músicas mais conhecidas e
regravadas - ao lado de Feira de Mangaio e Adeus Maria Fulô -, Sivuca
assina outras parcerias marcantes na lista de dez canções selecionadas
abaixo - com Paulo Cesar Pinheiro (1 e 9), Humberto Teixeira (2),
Glorinha Gadelha (4 e 5) e Paulinho Tapajós (6, 7 e 8). Uma das mais
belas de seu cancioneiro, a de número 10 é só dele e também foi
registrada pelo autor no antológico show ao lado de Rosinha de Valença
no Projeto Pixinguinha, em 1977.
1. HOMENAGEM À VELHA GUARDA - Aracy de Almeida e Ismael Silva, LP Samba
Pede Passagem, 1966
2. ADEUS, MARIA FULÔ - Mutantes, LP Os Mutantes, 1968
3. JOÃO E MARIA - Nara Leão e Chico Buarque, LP Os Meus Amigos São Um
Barato, 1977
4. CANÇÃO DE QUEM ESPERA - Nora Ney e Jorge Goulart, LP Jubileu de
Prata, 1977
5. FEIRA DE MANGAIO - Clara Nunes, LP Esperança, 1979
6. NO TEMPO DOS QUINTAIS - Elizeth Cardoso, LP O Inverno do Meu Tempo,
1979
7. CAPIM DO VALE - Elba Ramalho, LP Capim do Vale, 1980
8. CABELO DE MILHO - Paulinho Tapajós, LP Coisas do Coração, 1981
9. MÃE ÁFRICA - Clara Nunes, LP Nação, 1982
10. REUNIÃO DE TRISTEZA - Xangai e Quinteto da Paraíba, CD Um Abraço pra
Ti, Pequenina, 1997
(©
Estadão)
Roberta Pennafort
Não é nada fácil reunir toda a obra de um artista que produziu
intensamente durante 61 anos - de 1945, quando tinha apenas 15 anos, a
2006, quando morreu de câncer. Na busca pelos discos de Sivuca, e também
por fotografias e registros de suas muitas aparições no rádio e na
televisão, a incansável equipe do projeto recorreu a colecionadores e a
instituições do Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Brasília e Rio.
Referência nacional quando se pesquisa a Música Popular Brasileira, com
seu acervo de 22 mil discos, o cearense Miguel Ângelo de Azevedo, o
Nirez, disponibilizou 23 discos seus de 78 rotações, gravados na década
de 50 pelos selos Continental, Copacabana e Mucambo. São raridades que
contêm alguns dos clássicos do sanfoneiro, como Adeus, Maria Fulô e
Baião do Salvador. Todos estão agora gravados em CD, protegidos da ação
do tempo.
"Sivuca é um dos maiores representantes da música nordestina, como Luiz
Gonzaga, Humberto Teixeira, Luiz Bandeira, Matias da Rocha e Edvaldo
Pessoa. Esse trabalho de resgate é muito importante, porque o povo é
muito mal informado", defende Nirez. Para o colecionador, num país que
não preserva sua memória, as atenções se voltam ainda menos aos artistas
de Estados do Nordeste. "Existem poucas pessoas interessadas nos
artistas nordestinos. Os biógrafos preferem os sambistas do Rio de
Janeiro."
O jornalista Fernando Gasparini, coordenador-geral do Projeto Sivuca,
lembra que foram inúmeras as viagens atrás de material ao longo dessa
jornada. E outras ainda virão. Semana passada, a filha de Sivuca viajou
para a Europa, à caça de novos tesouros. "Ele lançou mais de um disco
por ano. Em Portugal, por exemplo, achávamos que havia um único disco
gravado, mas um colecionador já avisou que só ele tinha seis em casa!",
conta Gasparini.
O esforço dos pesquisadores foi reconhecido pelo Conselho Estadual de
Cultura do Rio - onde Sivuca morou por muitos anos. Em abril, a entidade
enviou ofício a Flávia se solidarizando com ela, depois de tomar
conhecimento da resistência da viúva ao projeto e sua ação judicial.
"Os conselheiros consideraram esta decisão judicial mais um sinal do
cerco à liberdade de expressão que vem sendo articulado no País, baseado
em leis como as de imprensa, de direitos autorais e de herança de obras
de arte, que são verdadeiros entulhos autoritários e que já deveriam ter
sido abolidos no Brasil democrático", diz o texto, assinado pela
presidente do conselho, a jornalista Ana Arruda Callado, e endossado por
todos os conselheiros, entre os quais Edino Krieger, Hermínio Bello de
Carvalho, Haroldo Costa e Cacá Diegues.
(©
Estadão)
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Com relação a este tema, saiba mais (arquivo NordesteWeb)
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