Entre os vários significados da palavra
“saravá”, um deles se encaixa perfeitamente no objetivo da Saravá
Discos: ser uma forma de cumprimento. É esta idéia de respeito e
saudação que inspiram o selo criado pelo cantor maranhense Zeca Baleiro
e a empresária Rossana Decelso, cujo objetivo é lançar ou recolocar no
mercado os trabalhos de artistas brasileiros que têm pouco espaço na
mídia.A Saravá, segundo o
maranhense Baleiro, está longe de ser um projeto comercial. Isto fica
claro pelo fato dos CDs terem uma tiragem pequena e serem vendidos em
pontos estratégicos e no site do próprio cantor. “O interesse em
redescobrir artistas que fizeram parte da minha história de vida e que,
de alguma forma, me influenciaram e me influenciam me moveu a criar o
selo”, diz.
No mês de maio, a Saravá prometia mais
dois lançamentos de artistas “desconhecidos”. Um deles é o cearense
Tiago Araripe, com o disco “Cabelos de Sanção”. Baleiro conheceu o
trabalho do cantor em 1986, quando resolveu comprar um de seus discos
por simplesmente ter achado a capa curiosa. “Desde então, o disco não
sai da minha cabeça”, conta.
Aos 56 anos, Araripe trabalha com
publicidade e propaganda em Fortaleza. No entanto, não abandonou
totalmente a música. “Faço participações esporádicas em shows de
artistas como o Tom Zé e o Zeca Baleiro, quando eles vêm aqui na
capital”, diz o cantor, que vê o relançamento resmaterizado de seu álbum
como uma oportunidade para retornar à cena musical de maneira mais
ativa.
Segundo Baleiro, as músicas de “Cabelos
de Sanção” têm influências de artistas regionais como Jackson do
Pandeiro e Luiz Gonzaga e da modernidade do movimento tropicalista.
O outro lançamento é o álbum
“Sinceramente”, o segundo trabalho do capixaba Sérgio Sampaio pela
Saravá Discos -o primeiro foi “Cruel”, que contém uma série de gravações
do artista, morto em 1994. “Conheço a família do Sérgio. Há um carinho
pela pessoa que ele foi”, conta Baleiro.
Ao lado de Raul Seixas, Sampaio,
rotulado de “maldito” da MPB, lançou em 1971 o LP “Sociedade da
Grã-Ordem Kavernista apresenta Sessão das Dez” pela CBS (hoje Sony BMG).
O disco, no qual os dois dividem a composição em uma série de letras e
interpretam as canções ao lado da sambista paulistana Miriam Batucada e
do baiano Edy Star, contém rock, samba e ritmos nordestinos com letras
repletas de sarcasmo.
Baleiro também considera a Saravá
Discos uma espécie de acerto de contas com diversos artistas. Dois dos
primeiros trabalhos lançados pelo selo -“Balançou no Congá”, de Lopes
Bogéa (1926-2004), e “O Samba É Bom”, de Antonio Vieira, de 87 anos- são
verdadeiros documentos históricos, segundo Baleiro. “O mestre Vieira,
por exemplo, é um dos últimos representantes de uma geração de artistas
do Maranhão que ainda está vivo”, conta.
O álbum “Balançou no Congá”, produzido
por Baleiro, contém 17 músicas de forró e, principalmente, de samba,
escolhidas entre as mais de 300 escritas por Bogéa. Beth Carvalho, Rita
Ribeiro e Genival Lacerda, entre outros, participam do disco. Já em “O
Samba É Bom”, gravado em 2001 no teatro Artur Azevedo, em São Luís do
Maranhão, Vieira recebe Célia Maria, Elza Soares, Rita Ribeiro, João
Pedro Borges, Sivuca e o próprio Baleiro em 18 faixas.
Paralelo às “majors”
“A Saravá é também uma contrapartida
aos interesses das grandes gravadoras”, afirma Baleiro. Para ele, as
“majors” só investem em trabalhos de retorno praticamente garantido,
sobretudo em tempos de crise da indústria fonográfica -segundo a
Associação Brasileira de Produtores de Discos, as receitas com vendas de
CDs e DVDs caíram 31,2% no ano passado.
Por essa razão, o cantor maranhense
também aproveita a Saravá Discos para pôr à disposição de fãs e curiosos
trabalhos mais autorais e, por que não dizer, mais experimentais. Em
maio, também pelo selo, Baleiro lança duas trilhas sonoras criadas por
ele para os espetáculos de dança “Cubo”, da Cia. Lúdica Dança, e
“Geraldas e Avencas”, do grupo 1º Ato.
A união entre música e outras
manifestações artísticas na Saravá já é antiga. Um dos primeiros
lançamentos do selo foi “Ode Descontínua e Remota para Flauta e Oboé -
de Ariana para Dionísio”, que contém poemas da escritora Hilda Hilst
musicados por Zeca Baleiro. As cantoras Rita Ribeiro, Verônica Sabino,
Zélia Duncan, entre outras, participam do CD.
Ao mesmo tempo, o maranhense está
produzindo o novo álbum do cantor angolano Filipe Mukenga. “Soube que
ele estava sem gravar há alguns anos, que não tinha recursos para lançar
um disco. Então eu propus a ele que lançasse um novo trabalho pela
Saravá”, conta o cantor, que confessa gostar bastante de música
africana.
Mukenga já teve duas composições
gravadas por Djavan, “Nvula Ieza Kia” e “Humbiumbi”, no álbum “Seduzir”
(1980). De acordo com o maranhense, a música do cantor africano é
bastante peculiar, “quase uma MPB folclórica”. O resultado deve chegar
às lojas ainda neste ano.