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Mundo Livre no esquema da compilação

 

 

 

Banda encabeçada por Fred Zeroquatro faz uma coletânea com seus melhores momentos

José Teles
teles@jc.com.br

As afinidades entre The Clash e Fred Zeroquatro, da Mundo Livre S/A, vem de longos anos. O disco de estréia da banda, Samba esquema noise, teria uma versão de Guns of Brixton, intitulada Balas do Jordão, porém, a editora da banda inglesa não liberou a música. O mais novo disco do grupo Combat samba parafraseia Combat rock, do Clash (1982): “Foi feito ainda na época da Guerra Fria, e eles falavam de política, do Irã. Antes fizeram Sandinista, que mesmo hoje em dia seria uma ousadia”, elogia Fred Zeroquatro. Na verdade, o novo CD da Mundo Livre S/A tem um título mais extenso: Congresso nacional do futebol e do samba apresenta: Combat samba e se a gente seqüestrasse o trem das 11? (Deckdisc), a primeira coletânea da banda: “Este projeto é meio antigo, deve ter uns três anos, seria para celebrar os 20 anos da banda, o título era E se a gente seqüestrasse o trem das 11? Quase desistimos deste subtítulo, mas acabou ficando, para reforçar nossa vinculação com o samba, e não apenas com o estilo de Ben Jor, como também com outros estilos”, continua Zeroquatro.

Mas o objetivo principal da compilação foi refrescar a memória de parte do distinto público, já que a maioria dos CDs da banda está fora de catálogo. Assim como também para apresentá-la a uma outra parte mais jovem que ainda não conhece ou tem uma idéia equivocada da sua música: “Existe uma galera que tem preconceito contra a Mundo Livre S/A, acha que a música da gente é difícil, viajada. Como tem outra que só conhece Meu esquema. Então fizemos uma seleção mostrando como a banda é multifacetada”, explica Fred. Depois de ter feito algumas listas de músicas, os integrantes do grupo delegaram ao produtor Carlos Eduardo Miranda a definição do repertório: “Convidamos Miranda, porque foi ele que descobriu a Mundo Livre, no sentido de levar a banda para gravar, e nos livramos um pouco dessa confusão de escolher as faixas. Ele não conhecia bem os discos mais recentes, fez questão de ouvir com calma, e começou a fazer sugestões. Por exemplo, eu adoro os sambas mais melancólicos da gente, aí Miranda disse que era preciso tomar cuidado para a coletânea não ficar uma coisa muito soturna. O resultado é bem equilibrado, passa uma boa idéia do que é a música da Mundo Livre S/A”.

Das 14 faixas do CD, uma é inédita, Estela (a fumaça do pajé Miti Subtixxy), gravada em março, produzida por Carlos Eduardo Miranda. A letra é de Zeroquatro, que divide a parceria da melodia com Areia, Bac Simpson, Xef Tony e Tom Rocha. É mais outra música em que Fred Zeroquatro coloca em pauta as mazelas de um mundo cada vez mais sem fronteiras e sem leis. Desta vez, o tema é a patente de novos seres, algo que parece saído de um romance de William Gibson, um dos autores prediletos dos mangueboys nos anos 90: “Me inspirei primeiramente num documentário chamado Corporation, que fala da origem da pessoa jurídica, origem das corporações. O documentário questiona que tipo de pessoa é esta tal pessoa jurídica. Um outro questionamento é a corrida para registrar novos seres. Isto é coisa real, fala sobre novos laboratórios que comercializam sangue humano. Não é teoria da conspiração, é a chamada biopirataria, uma denúncia da agência Amazônia de Notícias, de que linhagens de células e DNA do sangue de índios brasileiros estão sendo vendidas pela internet”. Inspirado nesta história de horror da era da cibernética, Zeroquatro criou novos personagens, que aparecem na letra da canção, cujos nomes são corruptelas de grandes corporações. Além do pajé Miti-Subitixxi, tem Hy-un-dai/Cara Jaja, Makyn Thochi, e ainda o Caciqqy Stardust (inspirado em Ziggy Stardust, de David Bowie).

Combat samba terá ainda outras utilidades... Como a banda não faz disco novo desde Bebadogroove, de 2005, a coletânea será a base para o repertório da turnê que a banda faz este mês pelo Sudeste e Sul do País: “Temos duas semanas de folga, e vamos aproveitar para ensaiar as músicas do disco, que não chega a ser novo, mas é um lançamento. Ele pode ser também o mote para o primeiro DVD do grupo, que estamos pensando em fazer no início do ano que vem”.

(© JC Online)


A mistura de todos os temperos

Combat samba é uma abrangente repassada na obra da Mundo Livre S/A, um CD para agradar a gregos, que gostam das músicas mais radiofônicas, e troianos, chegados às diatribes de Zeroquatro. Quem abre o carnaval desta obra é Mistério do samba, de Por pouco (2000), inspirada no ensaio homônimo do antropólogo Hermano Vianna.

Édipo, o homem que virou veículo, de Carnaval na obra (1998), composta depois de uma roda de samba da Velha Guarda da Portela, vem logo em seguida. Edu K, produtor desta faixa, toca uma bateria de lixo reciclável e barulhento. Livre iniciativa é a próxima, uma das mais pedidas nos primeiro shows da Mundo Livre nos idos dos anos 90 e está em Samba esquema noise (1994). A inspiração, revela Fred Zeroquatro, veio do esquema meio punk do Do It Yourself (Faça Você Mesmo) do Cinema Novo: “uma câmera na mão e uma idéia na cabeça”.

Muito obrigado é mais recente, de O outro mundo de Manuela Rosário (2003). Libelo contra a ordem dos Músicos do Brasil, numa época em que a OMB, seção PE, estava na ordem do dia.

Seu suor é o melhor de você engana no título. Não tem nada de sexo na parada. A origem da canção está num show de Iggy Pop, visto por Zeroquatro há 20 anos, em São Paulo, quando ralava em São Paulo como datilógrafo de uma farmácia de manipulação. Expressão exata foi a única faixa de Carnaval na obra feita especialmente para este CD (as demais vinham dos heróicos tempos da Ilha Grande, em Candeias). De samba esquema noise, Terra escura é provavelmente a primeira e única música de uma banda de pop/rock brasileira a se inspirar no trabalho do antipsiquiatra R.D.Laing (muito curtido pela turma do contrastaria nos anos 70). Na letra, há citações do livro O eu dividido. Saldo de aratú e mais uma de Samba esquema Noise. Meu esquema é o sucesso de Por pouco. Musa da Ilha Grande era cantada em corinho pela platéia dos shows da Mundo Livre nos primórdios do manguebeat, também de Samba esquema noise. E a vida se fez de louca, de O outro mundo de Manuela Rosário, com letra de Zeroquatro e Xico Sá, tem origem nos anos 70, quando Zeroquatro, com 15 anos, um promissor aluno do Colégio Militar do Recife, leu O cortiço, de Aluísio Azevedo.

Super homem plus, de Por pouco, fala de mísseis que atingem o Super-Homem, é um panfleto-de-breque. Única faixa de Bebadogroove na coletânea, Carnaval inesquecível na cidade alta, estava no EP Bebadogroove vol.1 - garagesambatransmachine, estréia da Mundo Livre S/A na independência. Combat samba fecha com a citada Estela (a fumaça do pajé Miti-Subtxxy), que deixa no ar a inquietante pergunta que não quer calar: eram os tupãs astronautas? (J.T.)

(© JC Online)

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