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Odete Lara em 'O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro', de
Glauber Rocha
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Erika Azevedo - O Globo OnlineRIO - O legado de Glauber Rocha, um dos maiores mestres do cinema brasileiro, ganha novo fôlego esta semana. Chega aos cinemas nesta sexta-feira "O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro", de 1969, em versão completamente restaurada. Simultaneamente, acontece o lançamento da caixa de DVDs duplos que contém, além do longa citado, os clássicos restaurados digitalmente "Deus e o Diabo na Terra do Sol", "Terra em transe", "Idade da Terra" e Barravento", com direito a extras. Os lançamentos chegam em boa hora, já que meses atrás o mestre do Cinema Novo foi alvo de uma discussão midiática em torno do valor de sua obra.
- Esses lançamentos são importantes para revisar a obra de Glauber. Aliado aos filmes vem o pensamento dele, que em 42 anos de vida teve uma produção fulminante. O país fica negando o tempo todo seu passado e restaurar a obra de Glauber Rocha significa preservar a memória da Cultura brasileira. Isso é uma questão de civilidade, que faz parte do desenvolvimento de um país. Em qualquer lugar do mundo, se você vai a uma Fnac da vida, vai encontrar em uma prateleira seus clássicos. É muito importante que aqui aconteça a mesma coisa - conta Paloma Rocha, coordenadora do projeto de restauração e filha do cineasta.
"O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro" chega aos cinemas com apenas três cópias, que chegam a Rio, São Paulo e Brasília, para depois seguirem para outras capitais, como Salvador, Belo Horizonte e Porto Alegre.
- Não é um lançamento comercial - destaca Paloma.
A idéia é, além de preservar uma parte da memória da cinematografia brasileira, dar a oportunidade a amantes do cinema nacional de assistir na tela grande, e em película, o trabalho de um dos cineastas brasileiros que mais contribuiu para a formação da linguagem cinematográfica moderna.
- Glauber hoje é estudado para vestibular nas Escolas de Cinema. É matéria obrigatória. Ele faz parte do universo dos clássicos, mas tem gente que não entendeu isso ainda. Com a restauração, as pessoas vão entender - explica.
Mas o grande trunfo do projeto de restauração, realizado pelo centro cultural Tempo Glauber com patrocínio da Petrobras, é o lançamento dos DVDs, que levará para o grande público obras que até agora eram difíceis de serem encontradas. Serão 20 mil caixas com os cinco longas, mais cinco mil cópias avulsas de cada. Os DVDs terão ainda distribuição internacional, em países como França, Espanha, Itália, Estados Unidos, Canadá, Japão, Alemanha e Suiça.
- O Cinema Novo é estudado no mundo inteiro - destaca Paloma.
Com os lançamentos, chega ao fim a primeira fase da restauração de toda a obra de Glauber Rocha, e, como conseqüência, termina também o patrocínio. A fundação agora luta para captar novo apoio para a segunda fase do projeto, já aprovada, mas ainda em processo de captação.
- É um espasmo menor. O problema é manter o centro aberto e dar acesso a essa obra. Mas já está melhor do que estava. Recebemos o patrocínio para a restauração de quatro filmes para o formato digital e dois para película, mas fizemos mais: restauramos cinco filmes e ainda fizemos um documentário, o "Anabazys", que encerrou o Festival de Veneza no ano passado. O projeto teve grande projeção. Fechamos uma fase, mas temos muito para fazer ainda. O problema maior é dar continuidade - afirma.
Com negativos originais destruídos, 'O Dragão da Maldade' foi recuperado com cópia francesa e áudio vindo de Cuba
Erika Azevedo - O Globo Online
RIO - A versão restaurada de "O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro" foi exibida pela primeira vez no festival Cine Ceará no ano passado. O complexo processo de recuperação do negativo do filme levou quase quatro anos: batalha que Paloma Rocha chegou a pensar ser impossível de vencer.
- A gente nem imaginava que ia conseguir. "Terra em transe" foi muito complicado porque foi o primeiro filme que nós restauramos, mas "O Dragão da Maldade..." foi muito mais precário. O resultado está aí - revela.
Os negativos originais do filme foram destruídos há 35 anos em um incêndio no Laboratório GTC, em Paris. No Brasil, só havia preservado um negativo de câmera, com um granulado muito forte, o que impossibilitava o uso da imagem. Uma cópia francesa, dublada, foi usada como base, enquanto o áudio foi recuperado a partir de outro negativo que estava em Cuba. Para juntar as duas pontas, a restauração foi completamente feita na Inglaterra, no Laboratório Prestech, com curadoria de João Sócrates Oliveira e supervisão de Affonso Beato, diretor de fotografia do filme.
- São os adventos da tecnologia. O Beato usava uma fotografia que foi chamada de Tropicolor, hipersaturada, que foi desbotando com o tempo e é muito difícil de recuperar. A versão brasileira do filme tinha cenas censuradas. As outras cópias tinham cenas a mais. Foi preciso levar tudo em consideração - explica.
O resultado final é um trabalho de mestre.
- Restaurar é colocar pequenas próteses para aquilo ganhar vida de novo. É como cirurgia plástica. Às vezes é melhor deixar um pequeno defeito do que usar muitos artifícios e o resultado não ficar natural.
Apesar do renovado interesse pela obra de Glauber, ainda não há perspectiva para que as novas gerações possam assistir em uma tela de cinema o filme que é considerado sua maior obra prima. "Deus e o Diabo na Terra do Sol" ganhou uma restauração digital para ser lançado em DVD em 2003, mas possui apenas duas cópias em negativo, que estão em estado muito precário.
- Temos a intenção de levar "Deus e o Diabo" para o cinema, mas por enquanto só é viável para digital. Não temos condições de colocar o filme em película: fazer uma cópia custa R$ 200 mil. Para restaurar o negativo são mais R$ 700 mil - alerta Paloma, que não esconde a ansiedade por este processo, apesar dos custos: - É urgente.
(©
O Globo)