Notícias
'O Dragão da Maldade' reestréia com cópias restauradas

 

 

Divulgação

Cena de 'O Dragão da Maldade'
 

Longa de Glauber Rocha foi lançado originalmente em 1969 e foi vencedor na categoria direção em Cannes

Alysson Oliveira, da Reuters

SÃO PAULO - Mais de três décadas depois da destruição dos negativos de O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, em um incêndio em um laboratório em Paris, o longa de Glauber Rocha reestréia em cópia restaurada, em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília nesta sexta-feira, 30.

A curadoria da restauração é assinada pelo brasileiro radicado na Inglaterra João Sócrates Oliveira, um dos maiores especialistas internacionais em restauração de filmes, que assinou a recuperação de obras como Cabíria (1914), de Giovanni Pastrone.

O trabalho contou também com a supervisão de fotografia de Affonso Beato, que também foi diretor de fotografia do filme de Glauber.

A volta de O Dragão da Maldade aos cinemas faz parte de um projeto que inclui o lançamento de uma caixa com quatro DVDs na próxima semana, que inclui também Terra em Transe, A Idade da Terra e Barravento, todos restaurados. Há também na caixa quatro documentários sobre os longas.

O Dragão da Maldade foi lançado originalmente em 1969. Naquele ano, ganhou o prêmio de direção do Festival de Cannes, além de estampar a primeira capa em cores da revista francesa Cahiers du Cinéma, conquistando admiradores pelo mundo todo - como o cineasta norte-americano Martin Scorsese.

O filme é uma espécie de seqüência de Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), trazendo novamente o personagem Antonio das Mortes (Maurício do Valle), um mercenário matador de cangaceiros.

Em O Dragão da Maldade surge o cangaceiro Coriana (Lorival Pariz), que se diz ser a reencarnação de Lampião. Anos depois de ter matado Corisco, Antonio das Mortes fica intrigado com essa nova figura e vai até a pequena cidade de Jardim das Piranhas para encontrá-lo.

Se num primeiro momento o Dragão da Maldade é o próprio Antonio das Mortes, mais tarde será um latifundiário quem assumirá essa posição.

O próprio Glauber disse certa vez que "tais papéis sociais não são eternos e imóveis e que tais componentes de agrupamentos sociais solidamente conservadores, ou reacionários, ou cúmplices do poder, podem mudar e contribuir para mudar. Basta que entendam onde está o verdadeiro dragão".

Por isso, de certa forma, O Dragão da Maldade é um despertar da consciência de Antonio das Mortes, que começa a ver com outros olhos a estrutura sócio-econômica do Brasil, descobrindo quem é o verdadeiro inimigo do povo.

Essa jornada de Antonio das Mortes é povoada com personagens secundários, como um professor desiludido (Othon Bastos), um delegado ambicioso (Hugo Carvana), um padre em crise (Emmanoel Cavalcanti) e uma mulher solitária (Odete Lara).

A força de O Dragão da Maldade está não apenas em suas alegorias sobre o Brasil - que, passados quase quarenta anos, ainda são bem pertinentes - mas também em suas imagens bonitas e poderosas. Por isso mesmo, o filme merece ser visto e revisto - até por aqueles que já o conhecem - pois nunca esteve tão bem na tela.

(© Estadão)


Quem tem medo do Dragão da Maldade?

Clássico de Glauber Rocha, que lhe valeu o prêmio de direção em Cannes no festival de 1969, está de volta aos cinemas em cópia restaurada

Luiz Zanin Oricchio

Depois de um trabalhoso processo de recuperação, chega de novo à tela grande aquele que talvez seja, dos filmes de Glauber Rocha, o mais conhecido e apreciado no exterior - O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro. A restauração do longa faz parte do processo contínuo de recuperação e divulgação da obra de Glauber, e será acompanhado do lançamento de uma preciosa caixa de DVDs contendo, além do próprio Dragão da Maldade, Barravento, Terra em Transe e A Idade da Terra. Em São Paulo, a caixa será lançada dia 20 de junho na Sala Cinemateca. Os quatro filmes têm cópias restauradas digitalmente e vêm acompanhados de muitos extras, entrevistas, depoimentos e fortuna crítica dessa obra sempre tão polêmica.

O Dragão da Maldade apresenta algumas peculiaridades. Quarto longa de Glauber, é também o seu primeiro em cores, na bela fotografia de Affonso Beato. Representa, também, uma tentativa de diálogo maior com o público. Tanto assim que O Dragão da Maldade é conhecido como aquele filme de Glauber do qual mesmo seu detratores gostam. E, de fato, ele é, digamos assim, menos ''rugoso'' que obras como Terra em Transe (1967) ou A Idade da Terra (1980), filmes em que Glauber aprofunda sua ruptura com a narrativa clássica e impõe descontinuidades, um tom épico paradoxal e distanciamento crítico radical - características que dificilmente seduzem o público médio em sua busca de entretenimento e evasão.

O esforço de Glauber valeu o reconhecimento do Festival de Cannes, que lhe atribuiu o prêmio de direção em 1969. No mesmo ano, o filme foi capa da Cahiers du Cinéma. Curiosa sincronia: a primeira capa colorida da Cahiers para o primeiro longa em cores de Glauber Rocha.

E O Dragão da Maldade tem nesse colorido um recurso de linguagem importante. Glauber queria cores explodindo na tela, cores tropicais fortes e não o matizado da paleta européia. Como fizera antes com o preto-e-branco, estourado pela luminosidade intensa do Nordeste dos primeiros filmes, neste apresenta as ''cores do Terceiro Mundo'', saturadas, sem concessões ao barroquismo que desejava imprimir à sua obra, mesmo sendo naquela em que buscava comunicar-se com público mais amplo.

De Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), Glauber importa seu personagem mais conhecido, Antonio das Mortes, mais uma vez interpretado por Maurício do Vale (1928-1981). Ele ressurge, sempre acompanhado da canção célebre de Sérgio Ricardo, para combater o cangaceiro Coirana (Lorival Pariz), tido como reencarnação de Lampião. A comunidade de Jardim das Piranhas é formada de seres emblemáticos, representativos das diferentes camadas sociais. Jofre Soares é o coronel; Odete Lara, sua amante; Hugo Carvana faz o delegado Matos, autoridade fraca, sujeita ao poder real representado pelo coronel; Othon Bastos é o professor, a consciência crítica, hesitante e por fim determinado à ação. A questão é a da escolha - de que lado Antonio irá ficar? Do lado do latifundiário, que lhe paga para se livrar do cangaceiro e seguidores, ou de um hipotético ''povo'', aglutinado por cantos e ritos? Enfim, povo ainda em formação, sem ''consciência-de-si'' para usar o termo específico. A situação toda é muito complexa e não se esgota na banalidade de um duelo entre o bem e o mal, como daria a entender o título e mesmo os propósitos do diretor. Aqui, tudo é contradição e violência; êxtase e beleza.

Serviço
O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (BRA/1969, 100 min.) -

Drama. Dir. Glauber Rocha.

Cotação: Ótimo

(© Estadão)


"Banquete tropicalista" de Glauber volta restaurado

Clássico "O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro" reestréia hoje

Premiado em Cannes-69, filme de Glauber Rocha teve negativos perdidos em incêndio e faz parte de pacote de relançamentos

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Este maio ganha ainda mais sentido com o relançamento oportuno de "O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro", filme que na cultura brasileira se impôs, ao lado do disco "Tropicália ou Panis et Circensis", como a expressão nacional dos ideais de uma época, 1968, de que neste mês se comemoraram 40 anos.

A restauração do filme de Glauber Rocha (prêmio de melhor direção em Cannes em 1969) promove a revisão no "tropicolor" original da obra, cuja sobrevivência esteve ameaçada desde que seus negativos se perderam num incêndio em 1972 no laboratório GCT, na França.

Em 1983, uma cópia dublada em francês foi entregue à Cinemateca Brasileira por seu co-produtor Claude Antoine. A partir de 2003, quando Paloma Rocha assumiu a frente dos trabalhos de preservação dos filmes do pai, começou a ser feito um processo de pesquisa e reconstituição de cinco longas de Glauber.

Segundo Paloma, "a segunda fase do projeto, cujo objetivo é restaurar os filmes que Glauber realizou no exílio, como "O Leão de Sete Cabeças" e 'História do Brasil", está em fase de captação de recursos".

O restauro contou com a supervisão de técnicos envolvidos na produção original. Envolve também aspectos rocambolescos, como o áudio de "O Dragão...", cuja versão em português foi feita a partir de uma cópia que se encontrava na Cinemateca de Cuba e teve um pequeno trecho resgatado de material pirata na internet.

A estética glauberiana, acusada recentemente pelo humorista Marcelo Madureira de ser uma "merda", é de difícil assimilação. Há uma saturação de sentidos em sua interpretação dos mitos e da desigual estrutura social brasileira, intensificada pela forma modernizante, de ruptura e antropofágica, que Glauber impõe.

"O Dragão..." é um desdobramento da épica que o cineasta formulou em "Deus e o Diabo na Terra do Sol". À dimensão popular (do povo como protagonista, da religiosidade como força de rebelião) e à retomada do cangaceiro Antonio das Mortes, ele agrega a dimensão da política no coronel, retrato do Brasil repressor naquele momento e em outros tempos.

Em "O Dragão...", Glauber emula a epopéia do western, devora os códigos gerados pela matriz norte-americana e os devolve sob a forma de alegoria, excessiva e violenta, com cortes abruptos, descontinuidades e encenação sempre no limite.

Este banquete tropicalista, iluminado pela vestimenta roxa de Odete Lara, pode até ser visto como uma "merda", mas não deixa de ter a nossa cara.

O DRAGÃO DA MALDADE CONTRA O SANTO GUERREIRO
Produção:
Brasil, 1968
Direção: Glauber Rocha
Com: Mauricio do Valle, Othon Bastos
Onde: a partir de hoje no Espaço Unibanco Pompéia; classificação: 14 anos
Avaliação: ótimo

(© Folha de S. Paulo)


Quatro longas do diretor ganham versões em DVD

DO CRÍTICO DA FOLHA

Em simultaneidade ao lançamento em cinemas de "O Dragão da Maldade...", a Versátil coloca no mercado uma caixa (ao preço de R$ 149) que reúne a este título de 1968 "Barravento" (1962), "Terra em Transe" (1967) e "A Idade da Terra" (1980). Todos os filmes incluídos no pacote vêm em suas novas versões, em DVDs duplos que trazem abundante material documental sobre o processo de restauração, além de depoimentos e análises de especialistas em Glauber.

"Barravento" é o longa de estréia de Glauber e um encontro com os elementos que, segundo Glauber, "fazem parte de minhas preocupações: o fatalismo místico, a agitação política e as relações entre a poesia e o lirismo, uma relação complexa num mundo bárbaro".

Mesmo que o cineasta tenha interpretado "Barravento" como "um ensaio cinematográfico, uma experiência de iniciante", já se encontram ali as forças elementares de sua ficção e, em germe, uma estética que explora, de modo dialético, a luz e o escuro, o branco da areia e do mar e o negro da pele dos protagonistas como modo de contrapor as relações mediadas pela força da religião e do poder numa comunidade pobre.

Já os extras de "O Dragão da Maldade..." contam com o riquíssimo documentário "Milagrez", realizado por Joel Pizzini e Paloma Rocha. Dividido em dez partes, o filme, exibido apenas na TV Brasil, resgata o material de um protomaking of das filmagens de "O Dragão...", em Milagres, interior da Bahia, dirigido pelo alemão Peter B. Schumann e descoberto durante a pesquisa feita no restauro.

"Milagrez" aborda, sob vários aspectos, os bastidores da realização de "O Dragão...", desde a aventura da produção durante as turbulências políticas do ano que se encerrou com a edição do AI-5 até as memórias de seus protagonistas vivos, que recordam as relações com a comunidade de Milagres.

Nestes depoimentos, emerge com clareza o pensamento em ação de Glauber, seja nas soluções técnicas (como a inventiva fotografia em "tropicolor" de Affonso Beato), seja no método de criação, revelado nas memórias de Odete Lara, Hugo Carvana, Emmanoel Cavalcanti e Conceição Senna, atores que participaram da aventura tropicalista. (CSC)

(© Folha de S. Paulo)

Com relação a este tema, saiba mais (arquivo NordesteWeb)


powered by FreeFind