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Joaquim Nabuco usa guerra chilena para criticar Brasil

 

 

Acervo Museo Histórico Nacional de Chile

Batalha da Placilla, episódio final da guerra civil chilena de 1891

Cosac Naify reedita obra em que abolicionista tenta entender "novos tempos" após suicídio do presidente Balmaceda, em 1891

Tragédia no país vizinho foi forma que monarquista encontrou para, por analogia, fazer ataques à República brasileira, diz especialista


SYLVIA COLOMBO
EM BUENOS AIRES

Em 1891, o Brasil era uma República recém-nascida, e Joaquim Nabuco (1849-1910), um intelectual monarquista inconformado com o fim do Império. Enquanto isso, no Chile, um presidente acuado por uma rebelião parlamentar e pelas conseqüências de uma guerra sangrenta cometia suicídio.

O célebre abolicionista brasileiro, então, resolveu investigar a tragédia pessoal de José Manuel Balmaceda (1840-1891) e o drama político que explodira naquele país andino. Nabuco queria entender os novos tempos que a América Latina vivia, admitindo, nitidamente com pesar, que o Brasil republicano teria agora de fazer parte dela.

"Balmaceda", publicado originalmente em 1895, sai agora em nova edição pela Cosac Naify. Já no prefácio, Nabuco avisa que não conhecia bem os meandros da política chilena, mas que tomaria dos acontecimentos os elementos que lhe fossem úteis para expor as debilidades do sistema republicano e os "acidentes" que este poderia causar.

Na sua opinião, o militarismo, a corrupção, o desmembramento e a anarquia. "Nabuco estava procurando formas de fazer campanha contra a República no Brasil. Tinha horror a Floriano Peixoto e ao autoritarismo daqueles primeiros anos. Nessa conjuntura, era difícil fazer críticas diretas ao governo. Escrever sobre o caso Balmaceda foi um artifício por ele encontrado para traçar analogias com a situação brasileira", afirma Angela Alonso, professora de sociologia da USP, pesquisadora do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e autora da biografia "Joaquim Nabuco".

Durante praticamente todo o século 19, o Chile havia sido um exemplo de estabilidade num continente transtornado por guerras civis e disputas entre caudilhos. O segredo, dizia-se, estava na seqüência de governos conservadores, apoiados pela oligarquia, que o país tivera desde a independência.

A presidência de Balmaceda, iniciada em 1886, veio romper esse padrão. De perfil liberal, ele começou a modernizar as instituições e as regulações civis do país de modo radical, além de reorganizar os partidos. Centralizando cada vez mais o poder, passou a fazer frente a velhas lideranças da elite e ao parlamento conservador. O processo levou o país a cindir-se em duas facções. De um lado, estava o chefe do Executivo, apoiado pelo Exército; de outro, o Legislativo, que tinha o suporte da Marinha.

O desfecho foi violento, e um banho de sangue não demorou a acontecer.

Refugiado na embaixada argentina, Balmaceda deixou ordens a seu secretário, Julio Bañados Espinosa, para escrever um livro que justificasse as suas atitudes. Isso feito, apertou o gatilho e encerrou a própria vida.

Com o livro de Bañados ("Balmaceda, su Gobierno y la Revolución") em mãos, Nabuco analisou o ocorrido, tomando o partido do parlamento revoltado. Para ele, Balmaceda havia cometido vários erros.

O principal, querer governar sem o Congresso, tornando-se um ditador. Condenava a tentação à novidade que seduzira o líder chileno. Dizia que o afã pelo novo o levara a cometer excessos característicos do jacobinismo.

Por fim, que suas leituras desordenadas tinham amolecido seu cérebro, pois agia como "um títere de biblioteca", que não sabia organizar suas idéias.

Para o autor chileno Jorge Edwards, que assina o prefácio do livro, a análise do brasileiro é demasiado partidária. "Nabuco é muito conservador e deixa para segundo plano a importante ruptura que Balmaceda promoveu com uma elite histórica", disse, em entrevista à Folha. O escritor explica que, hoje, Balmaceda é um mito no Chile. "Tornou-se um herói para a esquerda, e um de nossos primeiros líderes antiimperialistas. É uma surpresa que Chávez ainda não o tenha utilizado", brinca.

Edwards chama a atenção para a semelhança entre o final dramático do personagem e os de Salvador Allende e Getulio Vargas. "Ambos citavam Balmaceda, que se tornou um símbolo da defesa trágica de princípios." Ainda assim, o escritor vê aspectos positivos no ensaio de Nabuco. "O fato de um intelectual brasileiro se interessar por um episódio chileno é original e nos dá um exemplo de como deveríamos tentar conhecer melhor a nós mesmos."

"Pulsação continental"

Nas últimas páginas, o abolicionista chama a atenção para a existência de uma "questão da América Latina". Diz que, depois de proclamada a República, o Brasil passara a fazer parte de um sistema político mais vasto e que, por conta disso, deveria obrigar-se a "auscultar o murmúrio, a pulsação continental". Aponta, com certo tom de lamento, que seria impossível escapar do "imã do continente". Alertava para o perigo de a região tornar-se uma área em "estado permanente de desgoverno e anarquia".

Sua resposta para esse problema estaria na formação de um extenso "poder moderador" e a participação dos homens cultos de cada país em defesa desta causa comum.

Edwards, ainda em sua crítica a Nabuco, não concorda com suas conclusões, mas vê uma relevância atual em suas preocupações. "Mesmo que muitas de suas respostas não sejam válidas, a maioria das perguntas, na verdade, o são; elas jogam luz sobre um passado de pouco mais de um século e sobre o presente imediato. E isso tem sentido para o Chile, para o Brasil e para toda a complicada região latino-americana."

BALMACEDA
Autor: Joaquim Nabuco
Editora: Cosac Naify
Quanto: R$ 47 (252 págs.)

(© Folha de S. Paulo)

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