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Com a marca do oito baixos no sangue

11/06/2008

 

 

Foto: JC Imagem

Os irmãos Calixto lançam novos CDs
 

Os irmãos Zé e Luizinho Calixto mostram virtuosismo num instrumento difícil de ser executado

José Teles
teles@jc.com.br

A homenagem a Dominguinhos, no Prêmio TIM de Música, no Theatro Municipal, no Rio, terminou com uma celebração à sanfona. Em torno de Dominguinhos reuniram-se alguns dos melhores instrumentistas do País. Quem entende e gosta de sanfoneiros sentiu falta de um paraibano, de Campina Grande, Zé Calixto, 74 de idade, e 62 anos de oito baixos: “Eu estava a cem metros do Municipal, tocando no Teatro Rival, mas não fui convidado”, diz o tranqüilo sanfoneiro. Ele e o irmão Luizinho Calixto tocam no bar Arriégua, numa festa intitulada Os dezesseis baixos dos Calixtos. Ambos lançam seus CDs novos: Poeta da sanfona, de Zé Calixto, e A discoteca do Calixto, de Luizinho Calixto.

Tanto um quanto o outro são lendas do oito baixos, um dos mais complexos instrumentos do gênero: “Ela abre num tom e fecha em outro, se o tocador não pegar o macete se enrola todo. Tem muito tocador de fole que começa a beber e acaba se complicando. O pior é que não há manual ensinando. Para mim é um instrumento em extinção, porque pouca gente está aprendendo o oito baixos. Eu estou velho para ensinar. Luizinho é que está com idéia de criar uma escola de oito baixos”, diz Zé Calixto, cuja primeira influência foi o pai dele, Seu Dideu: “Ele no início tocava triângulo, mas no convívio com outros sanfoneiros foi aprendendo e acabou vivendo só de música. Aos oito anos eu já tocava, aos 12 passei a tocar profissionalmente”, conta Zé Calixto. O palco disponível era a feira de Campina Grande, os arrasta-pés de subúrbios e os cabarés: “Toquei muito em cabaré, valsa, choro, bolero, que naquele tempo não existia ainda o forró. É uma grande escola porque ali você tem que tocar qualquer tipo de música. Claro que aconteciam umas briguinhas. Mas fole meu nunca ninguém furou. Nem meu nem do meu pai, que era um homem assim baixinho mas muito brabo”.

Luizinho Calixto, também considerado uma dos maiores tocadores de fole do País, entrou na profissão ainda menino, pelas mãos do lendário Rosil Cavalcanti, que mantinha, na Rádio Borborema o programa de maior audiência de Campina Grande, O forró do Zé Lagoa: “Quando ele me viu disse logo que eu tocava muito e comecei a me apresentar no programa dele”. isto aconteceu há 40 anos, quando Zé Calixto já era estrela de primeira grandeza na constelação do forró. Ele foi levado para o Rio no final dos anos 50 pelo compositor João Silva: “Fui na Phillips, toquei umas coisinhas para um diretor de lá e ele quis logo que eu assinasse contrato. Gravei de cara quatro 78rpm”. A primeira gravação de Zé Calixto foi Forró de Seu Dideu, uma composição do pai dele. O próximo CD que Luizinho produzirá será intitulado Em nome do pai, e terá ele, Zé Calixto, Bastinho Calixto e João Calixto interpretando composições do patriarca, seu Dideu.

(© JC Online, 09.06.2008)


Discoteca, poesia e um só sobrenome

Pelo título, Discoteca do Calixto passa a impressão de que Luizinho Calixto está se bandeando para o lado da música fácil e comercial. Ledo engano. Mesmo morando atualmente em Fortaleza, terra onde nasceu a fuleiragem music, e é infestada por ela, faz um disco que não poderia ser mais, com perdão do termo em inglês, “roots”. “No Rio mora um tocador de oito baixos, nascido no Rio Grande do Norte, Manoel Elias. Ele tem 95 anos, deve ser o mais velho músico deste instrumento. Manoel gravou dois discos, um chamado A gafieira de Manoel Elias e o outro Discoteca de Manoel Elias. Eu peguei músicas destes dois discos para montar o repertório do meu”, explica Luizinho Calixto.

Discoteca do Calixto tem 20 faixas, uma verdadeira lição do forró instrumental. Começa matador, com Recordando 32, choro de Manoel Elias, um clássico. Segue por Xaxadinho das Alagoas, de Severino Januário, o melhor sanfoneiro da família Gonzaga. Este arrasta-pé foi tão tocado no Nordeste, que existia até uma letra pornográfica, colocada por garotos, na melodia. Pense-se em clássicos do fole e eles estão aqui, tocados com uma perícia que impressiona. São composições como a obrigatória Escadaria, de Pedro Raimundo, Rato molhado, de Pedro Sertanejo, No cantinho da parede, de Bastinho Calixto, Forró na floresta, de Geraldo Correia. E no acompanhamento nada do fundamentalismo instrumental de zabumba e triângulo apenas. Luizinho gravou com Marcio Ramalho, no violão de 7, Melk, contrabaixo, O próprio Luizinho toca cavaco e percussão e Urôa, bateria (tem ainda numa faixa o cavaco de Francisco Carlos). Um disco irretocável.

A discografia de Zé Calixto monta em sete CDs, e 26 LPs (os vinis ele acha que dificilmente serão relançados). Sempre do mais puro forró. Em Poeta da sanfona ele se aproxima um pouco da MPB. O disco começa com Forró do mengo (Dominguinhos/Anastácia), com um belo duelo de pé-de-bode e o violino de Nicolas Krassik. Dominguinhos canta num pot-pourri de arrasta-pés, do qual faz parte a clássica Sai do sereno. Não poderia faltar um chorinho num disco de oito-baixos, e Zé Calixto toca Eu quero é sossego, de K-ximbinho. O que ele não toca desta vez é frevo: “Em quase todo disco eu botava frevo. Mas é muito difícil tocar frevo em oito-baixos, e na minha idade, fica mais difícil ainda”, explica Zé Calixto.

Assim como Luizinho, ele faz um disco que chega a ser didático, revisitando alguns dos maiores nomes do forró: Luiz Gonzaga (Pé de serra), Sivuca (Homenagem à velha guarda), Truvinca (Forró em Camaratuba). A homenagem aos 50 anos da bossa nova está em Bossa nova nos oito baixos, lançada por Zé Calixto há 47 anos, quando a BN estava no auge. Os dois irmãos ratificam que o forró é muito mais do que os xotes românticos que viraram praga nos últimos anos no Nordeste. “Eu acho que mais instrumentos só enriquecem, eu não dispenso um violão de 7 cordas e um cavaquinho. Antigamente se usava até banjo no forró”, diz Zé Calixto, que ratifica o que afirma, com uma interpretação de Rosa, que Pixinguinha aprovaria, com o auxílio luxuoso do violão de Valter 7 Cordas.

(© JC Online)

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