Jornalista lança o ensaio premiado no concurso promovido pela
Prefeitura do Recife durante as comemorações do centenário do
ritmo pernambucano
Marcos Toledo
mtoledo@jc.com.br
Ele
já fez 101 anos e continuam falando a seu respeito, cada vez de
uma forma mais peculiar. O ritmo mais autenticamente
pernambucano volta a ser tema de uma publicação com o lançamento
do livro O frevo: rumo à modernidade (Prefeitura do Recife, 92
págs., preço médio: R$ 15). Vencedor de concurso de ensaios
promovido pelo governo municipal no ano passado, o texto do
jornalista, escritor e crítico de música deste JC, José Teles,
destaca-se pelo viés escolhido, que isenta a obra do lugar
comum, que é a narrativa didática – embora seja acessível a
qualquer leitor.
No trabalho, desconstruído em tempo e espaço, predomina a
vocação do ritmo para a polêmica desde sua origem. Ao mesmo
tempo em que amarra a colagem de acontecimentos que giram em
torno do gênero, o ensaísta faz uma análise socioantropológica
do último século não com base científica, mas amparado por uma
ampla pesquisa sobretudo periodical.
Autor de mais de duas dezenas de títulos, entre ensaios,
coletâneas de contos, crônicas e textos humorísticos, além de
livros infanto-juvenis e didáticos, José Teles escreveu uma obra
que se tornou referência na história recente da música
pernambucana: o livro Do frevo ao manguebeat (Editora 34, 2000,
360 págs., esgotado). Diferentemente de outros estilos, contudo,
o ritmo centenário deu panos para as mangas de modo a merecer
ser dissecado e analisado com uma perspectiva de futuro.
“O frevo é único”, afirma o jornalista. “É a única música daqui
de Pernambuco que você só sabe fazer se souber música. Tanto que
não existe frevo de domínio público. O povo não faz frevo.”
Ele cita como exemplo um dos temas mais tradicionais do gênero,
Três da tarde, de Lídio Macacão. Apesar da genialidade da peça,
marco do Carnaval olindense, a mesma só passou a existir por
intermédio de algum arranjador que transcreveu para a partitura
os solfejos do idealizador, que a tornou possível de ser
executada.
Apesar de ter seus acordes irradiados em horário nobre na
televisão, pelo menos uma vez por ano, durante o mês que
antecede o período de Momo, o frevo continua desconhecido pela
maior parte da população brasileira, quando muito afeiçoada ao
tema Vassourinhas. “O frevo é muito difícil, complicado”,
explica Teles. “O único frevo que estourou lá fora foi Evocação
(do maestro Nelson Ferreira, mais conhecido como Evocação nº
1)”, ressalvando a unanimidade que é o Vassourinhas. O crítico
lembra que artistas como Jackson do Pandeiro, por exemplo, que
também gravou frevos, optou por dar-lhe uma outra roupagem.
Ao contrário de outros livros sobre o assunto, que se centram na
história do frevo tendo como linha mestra as composições de
Capiba e Nelson Ferreira, O frevo: rumo à modernidade surpreende
de cara o leitor dedicando duas páginas à importância do frevo
baiano para a divulgação do primogênito pernambucano. “Nos anos
60, Caetano (Veloso) emplacou uns cinco frevos nacionais. O
Carnaval da Bahia que a gente conhece hoje começou ali”, afirma
Teles. “Na época, (o jornal) O Globo deu uma matéria de duas
páginas sobre se o frevo era baiano ou não.”
A
partir desta provável maior polêmica da história do gênero, o
jornalista remonta a trajetória do frevo desde sua origem, ainda
no século 19 (lembrete: os 101 anos de existência se referem à
primeira vez que o termo foi publicação). Tal qual o samba,
lembra o autor, o frevo surgiu como sinônimo de festa. No rol
das inúmeras citações incluídas no livro, há menção ao frevo
como samba e choro, por exemplo.
Outra preocupação que é tão antiga quanto o próprio ritmo – e
própria dele, se comparada com os demais –, é a de sua inovação,
como bem chama a atenção o prefaciador Mário Hélio, também
jornalista e pesquisador: “Como quis o tradicional ser moderno,
como tentou ser moderna a tradição”.
Curiosamente, conforme o relato histórico, a evolução do frevo
sempre esteve atrelada a momentos de renovação tecnológica e
cultural. Da popularização entre a classe média, na década de
1920, por meio de partituras e dos discos de 78 rotações,
passando pela propagação do gênero por meio da Fábrica de Discos
Rozenblit, a partir dos anos 50, que colocou o frevo na voz de
nomes nacionais, como Carlos Galhardo, Ângela Maria, Dalva de
Oliveira e Orlando Silva, e, depois, nos anos de 1960, pelo trio
elétrico e pelos tropicalistas.
Quando começava a se firmar a era do mp3 e do iPod, veio o
maestro Spok com seu frevo de influências jazzísticas – que há
um século tanto foram condenadas pelos puristas – adicionando
guitarra, baixo, bateria e piano, tal qual Luiz Gonzaga fez com
o forró, na década de 1970. “Spok tornou o frevo um coisa
moderna, de hoje”, considera Teles que, por causa de seu
temperamento, quase desistiu de sua obra.
“Eu nunca participo (de concursos) e já ia desistindo. O último
dia do prêmio caía em um sábado e adiaram para a segunda. Meu
filho foi e levou”, conta o crítico com a mesma simplicidade que
encara a missão de pesquisar um século de história e
sintetizá-lo em um quase-pocket-book com menos de cem páginas.
Para ele, vencer o Concurso de Ensaios sobre o Frevo, no ano do
centenário, foi uma surpresa. “Tem gente que tem trabalhos muito
bons. A pesquisa em jornal foi fundamental”, ressalta. Em tempo:
o livro é ilustrado com rico acervo iconográfico da Editoria de
Pesquisa do JC.