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José Teles historia a modernidade do frevo

11/06/2008

 

 

 

Jornalista lança o ensaio premiado no concurso promovido pela Prefeitura do Recife durante as comemorações do centenário do ritmo pernambucano

Marcos Toledo
mtoledo@jc.com.br

Ele já fez 101 anos e continuam falando a seu respeito, cada vez de uma forma mais peculiar. O ritmo mais autenticamente pernambucano volta a ser tema de uma publicação com o lançamento do livro O frevo: rumo à modernidade (Prefeitura do Recife, 92 págs., preço médio: R$ 15). Vencedor de concurso de ensaios promovido pelo governo municipal no ano passado, o texto do jornalista, escritor e crítico de música deste JC, José Teles, destaca-se pelo viés escolhido, que isenta a obra do lugar comum, que é a narrativa didática – embora seja acessível a qualquer leitor.

No trabalho, desconstruído em tempo e espaço, predomina a vocação do ritmo para a polêmica desde sua origem. Ao mesmo tempo em que amarra a colagem de acontecimentos que giram em torno do gênero, o ensaísta faz uma análise socioantropológica do último século não com base científica, mas amparado por uma ampla pesquisa sobretudo periodical.

Autor de mais de duas dezenas de títulos, entre ensaios, coletâneas de contos, crônicas e textos humorísticos, além de livros infanto-juvenis e didáticos, José Teles escreveu uma obra que se tornou referência na história recente da música pernambucana: o livro Do frevo ao manguebeat (Editora 34, 2000, 360 págs., esgotado). Diferentemente de outros estilos, contudo, o ritmo centenário deu panos para as mangas de modo a merecer ser dissecado e analisado com uma perspectiva de futuro.

“O frevo é único”, afirma o jornalista. “É a única música daqui de Pernambuco que você só sabe fazer se souber música. Tanto que não existe frevo de domínio público. O povo não faz frevo.”

Ele cita como exemplo um dos temas mais tradicionais do gênero, Três da tarde, de Lídio Macacão. Apesar da genialidade da peça, marco do Carnaval olindense, a mesma só passou a existir por intermédio de algum arranjador que transcreveu para a partitura os solfejos do idealizador, que a tornou possível de ser executada.

Apesar de ter seus acordes irradiados em horário nobre na televisão, pelo menos uma vez por ano, durante o mês que antecede o período de Momo, o frevo continua desconhecido pela maior parte da população brasileira, quando muito afeiçoada ao tema Vassourinhas. “O frevo é muito difícil, complicado”, explica Teles. “O único frevo que estourou lá fora foi Evocação (do maestro Nelson Ferreira, mais conhecido como Evocação nº 1)”, ressalvando a unanimidade que é o Vassourinhas. O crítico lembra que artistas como Jackson do Pandeiro, por exemplo, que também gravou frevos, optou por dar-lhe uma outra roupagem.

Ao contrário de outros livros sobre o assunto, que se centram na história do frevo tendo como linha mestra as composições de Capiba e Nelson Ferreira, O frevo: rumo à modernidade surpreende de cara o leitor dedicando duas páginas à importância do frevo baiano para a divulgação do primogênito pernambucano. “Nos anos 60, Caetano (Veloso) emplacou uns cinco frevos nacionais. O Carnaval da Bahia que a gente conhece hoje começou ali”, afirma Teles. “Na época, (o jornal) O Globo deu uma matéria de duas páginas sobre se o frevo era baiano ou não.”

A partir desta provável maior polêmica da história do gênero, o jornalista remonta a trajetória do frevo desde sua origem, ainda no século 19 (lembrete: os 101 anos de existência se referem à primeira vez que o termo foi publicação). Tal qual o samba, lembra o autor, o frevo surgiu como sinônimo de festa. No rol das inúmeras citações incluídas no livro, há menção ao frevo como samba e choro, por exemplo.

Outra preocupação que é tão antiga quanto o próprio ritmo – e própria dele, se comparada com os demais –, é a de sua inovação, como bem chama a atenção o prefaciador Mário Hélio, também jornalista e pesquisador: “Como quis o tradicional ser moderno, como tentou ser moderna a tradição”.

Curiosamente, conforme o relato histórico, a evolução do frevo sempre esteve atrelada a momentos de renovação tecnológica e cultural. Da popularização entre a classe média, na década de 1920, por meio de partituras e dos discos de 78 rotações, passando pela propagação do gênero por meio da Fábrica de Discos Rozenblit, a partir dos anos 50, que colocou o frevo na voz de nomes nacionais, como Carlos Galhardo, Ângela Maria, Dalva de Oliveira e Orlando Silva, e, depois, nos anos de 1960, pelo trio elétrico e pelos tropicalistas.

Quando começava a se firmar a era do mp3 e do iPod, veio o maestro Spok com seu frevo de influências jazzísticas – que há um século tanto foram condenadas pelos puristas – adicionando guitarra, baixo, bateria e piano, tal qual Luiz Gonzaga fez com o forró, na década de 1970. “Spok tornou o frevo um coisa moderna, de hoje”, considera Teles que, por causa de seu temperamento, quase desistiu de sua obra.

“Eu nunca participo (de concursos) e já ia desistindo. O último dia do prêmio caía em um sábado e adiaram para a segunda. Meu filho foi e levou”, conta o crítico com a mesma simplicidade que encara a missão de pesquisar um século de história e sintetizá-lo em um quase-pocket-book com menos de cem páginas.

Para ele, vencer o Concurso de Ensaios sobre o Frevo, no ano do centenário, foi uma surpresa. “Tem gente que tem trabalhos muito bons. A pesquisa em jornal foi fundamental”, ressalta. Em tempo: o livro é ilustrado com rico acervo iconográfico da Editoria de Pesquisa do JC.

(© JC Online, 10.06.2008)


Livro em braille é lançado na França

Isabella Valle
bella.valle@gmail.com
Especial para o JC

Inspirada por sua experiência com crianças cegas no Brasil, a escritora Mariangela Valença inicia hoje o lançamento e divulgação do seu livro Aula-espetáculo: 100 anos de frevo na França. A obra, que é o primeiro registro escrito em braille sobre o frevo, foi traduzida para o idioma francês e será entregue em instituições que trabalham com deficientes visuais, além de bibliotecas públicas. Os pequenos cegos franceses têm agora a oportunidade de conhecer melhor a cultura pernambucana. O livro também é pioneiro ao ser publicado inicialmente em braille antes da versão impressa a tinta.

Mariangela vai doar 20 exemplares em francês especialmente publicados no sistema de leitura com o tato para cegos. “O livro é um documento importante sobre a história do frevo e proporciona uma leitura lúdica e educativa para as crianças cegas, que não possuem tantas publicações adaptadas às suas necessidades”, diz a autora. Bailarina, psicóloga e produtora cultural, ela ministra ainda hoje a primeira de uma série de oficinas de frevo, na Casa de la Cultura de la Seine-Saint-Denis, na Grande Paris. Mariangela também acompanha dois espetáculos da Spok Frevo Orquestra, junto ao bailarino Paulo Cristo.

A idéia da viagem surgiu após um encontro com o vice-prefeito de Paris, Jean Pierre Guis, que esteve no Recife em maio por conta de eventos relacionados ao Ano da França no Brasil (2008). O político auxiliará a escritora na distribuição do livro em instituições que trabalham com cegos em toda a França.

O projeto é um desdobramento do livro em braille lançado em janeiro, na Livraria Cultura, que teve metade dos exemplares – impressos com recursos do Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura) – doados a instituições que trabalham com deficientes visuais no Estado e em todo Brasil. A tradução para o francês foi realizada pelo professor Wilton Soares.

Após uma experiência com pequenos surdos que dançavam ao ritmo do frevo, Mariangela Valença passou idealizar um projeto voltado para crianças especiais. “Quando veio a idéia do livro, pensei imediatamente em publicá-lo em braille”, diz a autora, que dedica sua primeira experiência como escritora às crianças entre 6 e 11 anos de idade.

Aula-espetáculo: 100 anos de frevo destaca os elementos e percursos do frevo, em forma de romance. A capa, a contracapa e a folha de rosto são ilustradas por Ítalo Cajueiro. “Não é porque a criança é cega que ela não deve ter um livro bonito. A ilustração é uma forma de integrar”, esclarece Mariangela. A história é narrada em terceira pessoa e possui um caráter fortemente autobiográfico. Mariangela é Marifrevo, uma professora de escola pública do Recife, e Stefane Capibaribe da Silva, de 11 anos, e Andrey José Arrecifes, de 10 anos, são seus alunos. Juntos, esses personagens conduzem a narrativa.

A iniciativa faz parte de um projeto maior de divulgação e ensino do frevo, que a autora já vem desenvolvendo desde o ano 2000, com suas aulas-espetáculos. A versão em português impressa a tinta deve ser lançada no final deste ano com o apoio da Prefeitura do Recife.

(© JC Online)

Com relação a este tema, saiba mais (arquivo NordesteWeb)


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