Em seu
terceiro disco em meio século de carreira, a cirandeira vai além do
ritmo que a consagrou no embalo do prolífero Bezerra do Sax
José Teles
teles@jc.com.br
“Esta
ciranda quem me deu foi Lia/que mora na ilha de Itamaracá”, refrão da
mais famosa canção do gênero, surpreendentemente, tem sua primeira
gravação em um trabalho individual de Lia de Itamaracá no disco Ciranda
de ritmos, que ela lança hoje, a partir das 21h, no Nascedouro de
Peixinhos. Um show com entrada franca, e com a presença de convidados
que fazem participações especiais no CD: Bezerra do Sax, as filhas de
Baracho, o rabequeiro Luiz Paixão, o maestro Ademir Araújo, e mestre
Boró, da tribo Fulni-ô.
Este é o
mais requintado disco já lançado por Lia, com um belo trabalho gráfico
(assinado por Daniela Brilhante e Zzui Ferreira), direção musical de
Carlos Zens e Beto Hees. A qualidade sonora também é muito boa,
afastando do CD aquele jeito de trabalho feito apenas para registrar o
artista popular. Surpreende também ser o terceiro título da discografia
da cirandeira, que tem apenas um outro CD (de 2001) e um LP (de 1977),
isto com meio século de ciranda.
Patrimônio Vivo da cultura pernambucana, com constantes turnês pelo
Brasil e exterior, aos 64 anos Lia continua morando na Ilha de
Itamaracá, e anima rodas de ciranda num espaço cultural Estrela de Lia.
“Agora neste tempo chuvoso não dá muita gente, mas no verão é muito
bom”, comenta Lia, que já consegue viver de sua música, mas continua
trabalhando como merendeira numa escola pública em Itamaracá: “Faltam
três anos para minha aposentadoria”, explica a prudente cirandeira.
Quem me
deu foi Lia, está no repertório do LP que a cirandeira gravou na Tapecar
há 31 anos, mas ela diz que quem canta no disco não é ela: “Eu não
gravei antes porque Baracho já havia gravado. No outro CD, eu ia gravar
mas não foi possível, neste agora deu tudo certo”, diz Lia que, no
entanto, já havia gravado, pelo menos uma vez, Quem me deu foi Lia no CD
Cartografia – Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e
Sergipe, lançado em 2001, pelo projeto Rumos Itaú Cultural Música. Tida
como composta por Baracho, Quem me deu foi Lia, garante a cirandeira,
tem melodia sua e letra de Teca Calazans, embora esta também negue que
tenha alguma coisa a ver com a ciranda: “Fiz com Teca Calazans, em 1962,
quando ela veio para minha casa em Itamaracá passar uma temporada.
Depois ela parece que esqueceu, e quando veio no Recife disse que não
lembrava”.
Em
Ciranda de ritmos, Lia diversifica sua música. Se antes se limitava às
cirandas e cocos, neste álbum ela canta um maxixe de Osvaldo Oliveira,
Maxixe da vizinha, e até um frevo, Recife, de Bezerra do Sax, personagem
especial no CD. Morador de Peixinhos, em Olinda, Bezerra, que está com
91 anos, tocou durante 40 anos no grupo de Lia e quando soube que a
cirandeira ia gravar novamente, trouxe um lote de composições inéditas
para ela. No disco tem seis faixas assinadas por Bezerra, um compositor
não apenas prolífico, como inspirado.
Este é
realmente um disco bem diferente para um artista da chamada cultura
popular. Até se aproxima do que se convencionou rotular de MPB, como Lia
comprova em Moreno dengoso (José Barbosa/José Lopes Filho), uma ciranda
lenta, quase uma balada, com acompanhamento de de Carlos Zens, na
flauta, e Pedro Paulo, no violão de seis cordas.