Notícias
Tom Zé: pensamento livre

28/06/2008

 

 

Divulgação

Tom Zé chega ao disco virtual
 

Prestes a lançar um novo disco, pela primeira vez num formato virtual, Tom Zé aventura sua peculiar filosofia para falar de música e Internet, entre muitas outras coisas

Por Filipe Luna
Fotos Autumn Sonnichsen
    
Pioneiro em invenções sonoras surreais que parecem produtos de uma mambembe ficção científica, Tom Zé protagoniza a estréia de um novo formato de distribuição de discos criado pela sua gravadora, a Trama. O álbum virtual estréia com uma versão ao vivo do último trabalho do músico baiano, Danç-Êh-Sá. O álbum terá suas músicas, capa e extras disponibilizados gratuitamente no site www.albumvirtual.trama.com.br . A conta, como no download remunerado, outro projeto da gravadora, quem paga são os anunciantes do site. Tom Zé nos recebeu no seu apartamento para filosofar sobre sua aventura musical no cyberespaço. Acompanhe as respostas, interrompidas por peculiares, divertidos e instrutivos fluxos de pensamento do veterano tropicalista, abaixo.
 
    
Tem algo de diferente em lançar um álbum de forma virtual?
Não resta dúvida porque, para mim, é mesmo a inauguração de uma espécie de loja, né? Quando era criança trabalhei na loja de meu pai. Depois ele mudou de negócio e teve uma padaria, uma lanchonete e um bar. Foi uma alegria para mim quando ele voltou a ter loja. Porque, ao contrário da padaria e do bar, em que era tudo muito melado - com açúcar, líquido, álcool -, a loja era aquela coisa limpa. E agora estou numa loja ainda mais limpa, a Internet, né?
   
No começo o disco vai estar lá gratuitamente, certo?
Sim, mas eu ganho. Uma das idéias interessantes que a Trama apresenta é essa.
      
Você passou por todos os formatos na sua carreira...
Sim, mas a Internet era um lugar inimaginável. Quando era pequeno, uma lâmpada elétrica era um fato de um alumbramento tal que me lembro ainda hoje o dia que vi, na casa do farmacêutico de Irará, Seu Chaves, a lâmpada nua. Uma lâmpada só era um objeto tão totêmico que não tinha nada para vestir uma lâmpada. Fiquei olhando aqueles raios, a cor, o tipo de luz era completamente diferente, uma luz que não tinha fonte. Enfim, tudo da civilização foi um alumbramento e um encanto. Nos anos 1960, o único computador que tinha em São Paulo era do tamanho dessa sala, no Sesi. A pessoa para trabalhar botava um guarda-pó porque o bicho soltava algumas faíscas. Rapaz, são tantas coisas tão diferentes para quem veio da idade média como eu.
    
Como interferiu no seu trabalho sair de uma idade média, no sertão, para uma outra realidade moderníssima?
Uma das coisas mais difíceis é o problema ético. No meu mundo, a ética era o assunto mais conversado. Me lembro, por exemplo, do meu avô, que era fazendeiro, dono de almas e terras, Seu Pompílio Santana, e de um outro fazendeiro amigo dele, Emídio Pau D'arco - um homem enorme, muito gordo, o que naquele tempo era uma raridade, todo mundo era magrinho. Eles sentavam e só conversavam sobre ética. Veja bem, eles eram donos de almas e terras, como na Idade Média. Só que em Irará, o senhor feudal tinha um problema especifico do Nordeste, as almas eram contadas, a população era muito pequena. Qualquer problema que aparecesse tinha que ser resolvido com aquele equilíbrio entre a autoridade e a força. De uma maneira que fosse útil para todos. Porque não se podia perder ninguém - mandar embora ou matar. Era muito bonito ver todo o trabalho intelectual dessas criaturas contando os casos, os acontecimentos, como a coisa caminhou para se resolver.
     
E falta ética hoje?
A cada dia tem uma degradação moral mais acentuada em todas as camadas da sociedade. Fico preocupado quando o governo lança a moda do desrespeito moral com o dinheiro, o recurso dos outros. Tudo isso cai como se fosse uma bomba no meu coração. Vejo com aquele olho de infância, né? A moeda mais importante na minha infância era a própria a língua. A palavra falada tinha um valor imenso no Nordeste. Um fio de bigode vale mais que um contrato assinado porque ninguém escreve, é um povo analfabeto. E tem uma coisa engraçada, também sou analfabeto como nordestino, só que agora tenho a palavra para definir: sou analfatóteles.
     
O que significa isso?
Somos analfabetos de Aristóteles, de Euclides, de Descartes. Veja, outro grande acontecimento como a Internet foi a segunda revolução industrial. Na época do tropicalismo, ela já estava no horizonte como um navio que você já enxerga o mastro. As coisas mais importantes dessa revolução eram o processamento de dados, a linguagem do cartaz, a publicidade e a televisão. Nós éramos analfatóteles, ao contrário de todos os outros compositores do Brasil: Chico [Buarque], Edu [Lobo], até [Geraldo] Vandré, que era nordestino. Como o eixo central da educação deles era a palavra escrita, todos disseram "vade retro satanás" para a segunda revolução, porque pressentiam que isso ia desbancar a palavra escrita. Mas nós, analfatóteles, ficamos curiosos. "A cor do céu me compõe / O mar azul me dissolve / A equação me propõe / Computador me resolve". Veja que coisa intuitiva filha da mãe! Não sabia que isso era tão significante na hora que fiz. Ou então eu estava prevendo que ia ser lançado assim pela Trama [ risos].

(© Revista Cult)

Clique aqui para fazer o download gratuito do disco


Disco de Tom Zé chega de graça à web

RIO - Tom Zé se diz um caipira, que nem conhece o Radiohead. Mas vai se unir ao rebanho, liderado pelo grupo inglês e formado ainda por bandas como Nine Inch Nails, Smashing Pumpkins e Coldplay, que explora os caminhos (sem volta) do mercado musical na web, lançando discos inteiros na rede. O novo álbum do baiano, "Danç-Êh-Sá ao vivo", vem a público nesta sexta-feira, só na internet, e os fãs poderão baixar tudo (faixas, encarte e vídeos) de graça no site da gravadora Trama. O cantor Ed Motta e a banda Cansei de Ser Sexy vão pela mesma estrada.

- Sou caipira, não conheço o Radiohead. Na minha infância, em Irará (BA), não existia nem carro. Mas não se pode ir contra o tempo. Uma vez, num festival na França, olhei para aquele monte de gente e pensei: "Caramba, esse povo todo não compra mais disco" - diz o septuagenário tropicalista.

Todo mundo sabe, há tempos, que a internet mudou o mercado musical e reduziu o prazo de validade dos CDs. Mas essa revolução ficou ainda mais clara no fim de 2007, quando o Radiohead esnobou a antiga gravadora (EMI) e lançou o álbum "In rainbows" em seu próprio site, enfatizando que os fãs decidiriam o quanto pagar (ou não pagar) pelo download. Os caras, como sempre em sua carreira, lançaram uma tendência. Em março, Trent Reznor, do Nine Inch Nails, pôs as faixas do novo "The ghost I-IV" à venda em seu site e, mês passado, jogou na web outro disco, "The slip", acompanhado da frase "Este é por minha conta". Um milhão de pessoas baixaram o CD, de graça.

- Eu queria atingir as pessoas e não preciso mais pedir permissão a ninguém. Estamos livres da burocracia - disse ao jornal "The New York Times", na semana passada, o americano Reznor, que se livrou da gravadora Interscope.

"Do a Radiohead" ("Fazer um Radiohead") virou expressão, usada quando uma banda decide distribuir música por conta própria na rede. O Smashing Pumpkins avisou que, no futuro, vai aderir. Até o Metallica, tradicional opositor dos downloads, agora almeja essa liberdade.

Mas a busca pelo novo nem sempre exclui as gravadoras. Tom Zé vai inaugurar uma invenção da Trama, o "Álbum virtual". Seu novo trabalho poderá ser baixado de graça, e artista e gravadora vão lucrar com a publicidade veiculada no site da empresa.

- Não há mais só um modelo de comercialização. A realidade é o multiformato. Ninguém mais compra CD no Brasil, mas os artistas têm que ganhar dinheiro. Com o "Álbum virtual", o público vai ter música de graça, e o artista e a Trama ganham vendendo espaço no site para anunciantes - explica João Marcelo Bôscoli, presidente da Trama, antecipando que os próximos na fila são Ed Motta e as bandas Macaco Bong e Cansei de Ser Sexy. - Mas Tom Zé avisou que não vai fazer propaganda de cerveja nem de cigarro. Vamos respeitar.

O Coldplay não rompeu com a parceira EMI, mas o lançamento de "Viva la vida or death and all his friends" também driblou o convencional. Um single foi posto na internet para download grátis. Depois, sem avisar, a banda jogou o álbum no MySpace (sem a opção de download) uma semana antes de mandá-lo às lojas, o que só ocorreu na quinta passada. O disco foi ouvido mais de um milhão de vezes.

- Internet não é um bicho-papão. É aliada. Há novas formas de comercializar música. As gravadoras estão diversificando negócios. A EMI não só vende CDs. Nossos contratos incluem agenciamento e divulgação de shows - destaca Paulo Junqueiro, diretor artístico do cast nacional da EMI.

Lá fora, por exemplo, a gravadora cuida da turnê do grupo americano Korn, cujo vocalista, Jonathan Davis, gravou e vendeu no ano passado, por conta própria, "Alone I play", seu primeiro disco solo.

Saiba onde ouvir sem pagar:

TOM ZÉ: - "Danç-Êh-Sá ao vivo" é a regravação de "Danç-Êh-Sá - Dança dos herdeiros do sacrifício". Lançado de forma independente em 2006, o trabalho passou por mudanças na turnê e, segundo o baiano, está quase irreconhecível. Estará disponível para download grátis no www.albumvirtual.trama.com.br , mesmo site que deve lançar, em breve, os discos de Ed Motta, Macaco Bong e Cansei de Ser Sexy.

(© O Globo)

Clique aqui para fazer o download gratuito do disco

Com relação a este tema, saiba mais (arquivo NordesteWeb)


powered by FreeFind