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Zé Limeira ganha edição caprichada

29/06/2008

 

 

Edição anterior de Zé Limeira – Poeta do Absurdo, de Orlando Tejo

José Teles
teles@jc.com.br

Zé Limeira – Poeta do Absurdo, de Orlando Tejo volta às lojas, em sua mais bem-acabada edição (Editora Caliban, 264 páginas, R$40). Desde seu lançamento inicial, há 35 anos, o livro só fez incensar o mito Zé Limeira, de cuja vida se sabe muito pouco. Que foi grande cantador em seu tempo é duvidoso. Nascido segundo algumas fontes em 1886 e falecido em 1954 (para outras, nasceu em 1900 e morreu em 1955), sua suposta fama não faz jus às citações que recebeu de livros importantes sobre o repente, entre os quais Vaqueiros e cantadores, de Câmara Cascudo (1939), ou Repentistas e glosadores, de Francisco Coutinho Filho (1937), ambos publicados por especialistas, quando Zé Limeira estaria com mais ou menos 40 anos.

Embora somente agora chegue à 11ª edição, o livro de Orlando Tejo fez um furor bibliográfico impressionante. Vendeu seguidas edições, recebeu atenção das principais revistas e jornais do País. Intelectuais teceram loas ao versejar surrealista do cantador paraibano, cujos repentes foram alvo de ensaios, elucubrações mil. Seu sobrenome deu origem a “limeirice”, uma forma nonsense de fazer poemas.

Zé Limeira merecia tamanha atenção? Pelo o que comentavam seus contemporâneos, como o recém-falecido violeiro Zé Vicente da Paraíba, não. Mas, parafraseando a tirada famosa, quando a versão é mais importante do que o fato, fiquemos com a versão. É certo que Zé Limeira existiu, vagou pelo sertão durante pelo menos cinco décadas. A imagem dele em Poeta do absurdo é partilhada por todos os que o descreveram: negro alto, alto, de voz tronituante, chapéu, óculos escuros, lenço encarnado no pescoço, e anéis por todos os dedos das mãos.

E creditemos o sucesso do livro, e a fama póstuma de Zé Limeira, ao texto leve, objetivo, sem firulas desnecessárias do paraibano Orlando Tejo. Uma ressalva para um capítulo com alfinetadas nos poetas concretistas e modernistas. Não que as críticas não tenham procedência, o capítulo é que ficou datado. O livro é bom mesmo quando é óbvio que Zé Limeira foi inserido num episódio, acontecido no baixo meretrício, em Campina Grande, apenas para ilustrar a história A cantoria que não foi ouvida, excelente conto cujo enredo gira em torno de um desordeiro que arma o maior bafafá no cabaré, tendo como mote a frase: “Comigo não tem pirreps!”. Depois de bater em mulher, velho, na polícia, ele se escafede, apagando a luz, e gritando seu slogan impagável: “Comigo não tem pirreps”.

“A burra deu uma popa/ que derrubou Salomão/ a fortuna de Sansão/ o rei carregou na sopa/ a burra gritando opa!/ Sansão fazendo ingrizia/ Salomão comeu a jia/ vomitou pro delegado/ foi berro pra todo lado/adeus até outro dia/”. Versos de um improviso de Zé Limeira em uma peleja com Antônio Barbosa em Juazeirinho, interior da Paraíba. Citando personagens bíblicos ou históricos em impensáveis rimas, sem se ater ao que pedia os temas sugeridos. Orlando Tejo fez o pais inteiro rir, copiar, repetir o que cantava o violeiro maluco beleza (ao qual Tejo atribuiu o pioneirismo no tropicalismo): “Às tantas da madrugada/ o vaqueiro do prefeito/ corre alegre e satisfeito/a trás da vaca deitada/ deitada e bem apojada/ com a rabada pelo chão/ a desgraça de Sansão/ foi trair Pedro Primeiro/ o aboio do vaqueiro/nas quebradas do sertão”.

Segundo Zé Vicente da Paraíba, muitos destes versos malucos saíram da cabeça de Otacílio Batista. Ambos já faleceram para se desmentirem. Porém certamente não são todos de Zé Limeira, até porque ele não foi o primeiro a criar rimas estapafúrdias. Em 1883, o sergipano Sílvio Romero registrou estes versos do violeiro Manoel cabeceira: “Eu sou Manoel Cabeceira/ cantador lá das Gangorras/ se me vires não te assustes/ se te assustares não corras/ se correres não te assombras/se te assombrares não morra”. Ele cantava com José Pedro Gouveia que assim rebateu: “José Pedro de Gouveia/ cantor de boa idelha/ os astros metereológicos/vivem sempre na assemblelha/ brincam o teatro na rua/ e eu assisto de platelha”.

Que os exemplos de versos hilários e surrealistas incluídos por Orlando Tejo em Zé Limeira poetado absurdo são divertidos, é algo fora de discussão. Que nem tudo ali pertenceu a Limeira, idem. No citado Repentistas e glosadores, Francisco Coutinho Filho atribui a José Pedro de Gouveia, os seguintes improvisos: “José Pedro de Gouveia/ cantor de força vulcânica/ prolodogicadamente/ cantor sem nenhuma pânica/ só não pode apreciá-lo/ pessoas semvergônhicas”. Em Poeta do absurdo os seguintes versos são colocados na boca de Zé Limeira, em 1940, ao ser interpelado pelo vigário de Piancó, Sertão da Paraíba. “Quem vem lá, é de paz? “Indagou o religioso. Ao que Zé Limeira teria respondido: “Quem vem lá é Zé Limeira/ cantor de força vulcânica/prodologicadamente/ cantor sem nenhuma pânica/ só não pode apreciá-lo/ pessoa senvergônhica”.

No entanto, no Dicionário biobibliográfico de repentistas e poetas de bancada, de Átila Augusto F.de Almeida e José Alves Sobrinho (Editora Universitária, 1978), os autores afirmam que estes versos não são de José Pedro Gouveia. Se não são também de Limeira, de quem serão? Talvez só a prodológica da pilogamia possa responder!

(© JC Online)

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