José
Teles
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Zé Limeira –
Poeta do Absurdo, de Orlando Tejo volta às lojas, em sua mais
bem-acabada edição (Editora Caliban, 264 páginas, R$40). Desde seu
lançamento inicial, há 35 anos, o livro só fez incensar o mito Zé
Limeira, de cuja vida se sabe muito pouco. Que foi grande cantador em
seu tempo é duvidoso. Nascido segundo algumas fontes em 1886 e falecido
em 1954 (para outras, nasceu em 1900 e morreu em 1955), sua suposta fama
não faz jus às citações que recebeu de livros importantes sobre o
repente, entre os quais Vaqueiros e cantadores, de Câmara Cascudo
(1939), ou Repentistas e glosadores, de Francisco Coutinho Filho (1937),
ambos publicados por especialistas, quando Zé Limeira estaria com mais
ou menos 40 anos.
Embora
somente agora chegue à 11ª edição, o livro de Orlando Tejo fez um furor
bibliográfico impressionante. Vendeu seguidas edições, recebeu atenção
das principais revistas e jornais do País. Intelectuais teceram loas ao
versejar surrealista do cantador paraibano, cujos repentes foram alvo de
ensaios, elucubrações mil. Seu sobrenome deu origem a “limeirice”, uma
forma nonsense de fazer poemas.
Zé
Limeira merecia tamanha atenção? Pelo o que comentavam seus
contemporâneos, como o recém-falecido violeiro Zé Vicente da Paraíba,
não. Mas, parafraseando a tirada famosa, quando a versão é mais
importante do que o fato, fiquemos com a versão. É certo que Zé Limeira
existiu, vagou pelo sertão durante pelo menos cinco décadas. A imagem
dele em Poeta do absurdo é partilhada por todos os que o descreveram:
negro alto, alto, de voz tronituante, chapéu, óculos escuros, lenço
encarnado no pescoço, e anéis por todos os dedos das mãos.
E
creditemos o sucesso do livro, e a fama póstuma de Zé Limeira, ao texto
leve, objetivo, sem firulas desnecessárias do paraibano Orlando Tejo.
Uma ressalva para um capítulo com alfinetadas nos poetas concretistas e
modernistas. Não que as críticas não tenham procedência, o capítulo é
que ficou datado. O livro é bom mesmo quando é óbvio que Zé Limeira foi
inserido num episódio, acontecido no baixo meretrício, em Campina
Grande, apenas para ilustrar a história A cantoria que não foi ouvida,
excelente conto cujo enredo gira em torno de um desordeiro que arma o
maior bafafá no cabaré, tendo como mote a frase: “Comigo não tem
pirreps!”. Depois de bater em mulher, velho, na polícia, ele se
escafede, apagando a luz, e gritando seu slogan impagável: “Comigo não
tem pirreps”.
“A burra
deu uma popa/ que derrubou Salomão/ a fortuna de Sansão/ o rei carregou
na sopa/ a burra gritando opa!/ Sansão fazendo ingrizia/ Salomão comeu a
jia/ vomitou pro delegado/ foi berro pra todo lado/adeus até outro
dia/”. Versos de um improviso de Zé Limeira em uma peleja com Antônio
Barbosa em Juazeirinho, interior da Paraíba. Citando personagens
bíblicos ou históricos em impensáveis rimas, sem se ater ao que pedia os
temas sugeridos. Orlando Tejo fez o pais inteiro rir, copiar, repetir o
que cantava o violeiro maluco beleza (ao qual Tejo atribuiu o
pioneirismo no tropicalismo): “Às tantas da madrugada/ o vaqueiro do
prefeito/ corre alegre e satisfeito/a trás da vaca deitada/ deitada e
bem apojada/ com a rabada pelo chão/ a desgraça de Sansão/ foi trair
Pedro Primeiro/ o aboio do vaqueiro/nas quebradas do sertão”.
Segundo
Zé Vicente da Paraíba, muitos destes versos malucos saíram da cabeça de
Otacílio Batista. Ambos já faleceram para se desmentirem. Porém
certamente não são todos de Zé Limeira, até porque ele não foi o
primeiro a criar rimas estapafúrdias. Em 1883, o sergipano Sílvio Romero
registrou estes versos do violeiro Manoel cabeceira: “Eu sou Manoel
Cabeceira/ cantador lá das Gangorras/ se me vires não te assustes/ se te
assustares não corras/ se correres não te assombras/se te assombrares
não morra”. Ele cantava com José Pedro Gouveia que assim rebateu: “José
Pedro de Gouveia/ cantor de boa idelha/ os astros metereológicos/vivem
sempre na assemblelha/ brincam o teatro na rua/ e eu assisto de
platelha”.
Que os
exemplos de versos hilários e surrealistas incluídos por Orlando Tejo em
Zé Limeira poetado absurdo são divertidos, é algo fora de discussão. Que
nem tudo ali pertenceu a Limeira, idem. No citado Repentistas e
glosadores, Francisco Coutinho Filho atribui a José Pedro de Gouveia, os
seguintes improvisos: “José Pedro de Gouveia/ cantor de força vulcânica/
prolodogicadamente/ cantor sem nenhuma pânica/ só não pode apreciá-lo/
pessoas semvergônhicas”. Em Poeta do absurdo os seguintes versos são
colocados na boca de Zé Limeira, em 1940, ao ser interpelado pelo
vigário de Piancó, Sertão da Paraíba. “Quem vem lá, é de paz? “Indagou o
religioso. Ao que Zé Limeira teria respondido: “Quem vem lá é Zé
Limeira/ cantor de força vulcânica/prodologicadamente/ cantor sem
nenhuma pânica/ só não pode apreciá-lo/ pessoa senvergônhica”.
No
entanto, no Dicionário biobibliográfico de repentistas e poetas de
bancada, de Átila Augusto F.de Almeida e José Alves Sobrinho (Editora
Universitária, 1978), os autores afirmam que estes versos não são de
José Pedro Gouveia. Se não são também de Limeira, de quem serão? Talvez
só a prodológica da pilogamia possa responder!
(©
JC Online)
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