José Teles
teles@jc.com.br
O circuito
Barra-Ondina, principal vitrine do Carnaval de Salvador este ano, teve
também frevo e maracatu, num trio elétrico sem cordão de isolamento. E o
responsável por este feito foi um grupo pernambucano que não atua distante
da cena musical da Região Metropolitana, Os Matingueiros. Nascido em
Petrolina há uma década, está acostumado a quebrar regras. Foi o primeiro a
levar a música pernambucana até a China, em 2002, onde fizeram 40
apresentações. De lá trouxeram, além da experiência, alguns instrumentos que
incorporaram aos que já tocavam, o ou luo zlê (cujo som se assemelha ao da
rabeca), o are hoo (mais ou menos um violino chinês), e o cheng (um
ancestral da sanfona, tocado com a boca).
Os
Matingueiros planejam comemorar os dez anos de carreira com shows, disco e
um longa-metragem. Quem conta os planos do grupo é seu fundador o recifense
Wagner Miranda, um ex-professor de literatura e redação, que trocou as
praias do litoral pelo Rio São Francisco em 1999: “Quando cheguei a
Petrolina, a cidade culturalmente estava muito parada. Então a gente começou
a reunir artistas que trabalhavam com linguagens diferentes e fundamos Os
Matingueiros, que une música, à dança e artes visuais. A influência maior
veio do manguebeat, já que Wagner vivia na capital quando Chico Science e
sua turma engrenaram o movimento de renascença da cultura pernambucana. O
Maracatu Nação Pernambuco também serviu de linha-mestra para o trabalho do
grupo: “Foi com o pessoal do Nação Pernambuco que conseguimos realizar a
turnê para a China. O nosso trabalho tem a ver com o que eles fazem, porque
não somos apenas uma banda, temos cenários, coreografias, somos também o
Maracatu Nação Matingueiros, que este ano tocou pela primeira vez no
carnaval do Recife e em Olinda Hoje vamos além do grupo, nos tornamos um
Ponto de Cultura, o maracatu é o nosso lado social.”,
Wagner
concedeu a entrevista, durante o 1º Festival Internacional da Sanfona, no
Grande Hotel de Juazeiro, na Bahia, cidade com a qual ele tem tanta
afinidade quanto com a vizinha Petrolina, que fica na outra margem do rio:
“Na verdade eu considero o Matingueiros não um grupo de Petrolina, mas da
região. Infelizmente, ou felizmente, quem segura mais a nossa onda é a
Bahia. Tocamos no Carnaval de Salvador com apoio da TV-E e do governo
baiano. E foi o que impressionou o pessoal que brincava o Carnaval em
Salvador. A princípio eles olhavam meio assustados porque a música não era a
que estavam acostumados a dançar, e depois porque o trio era livre, sem
cordões de isolamentos. Mas a situação da cultura em Pernambuco está
mudando. Com esta interiorização que está sendo promovida pela Fundarpe, as
coisas passaram a acontecer mais fora da capital”.
O
Matingueiros é composto por 20 integrantes, entre músicos, bailarinos,
cenógrafos (estes comando pela mulher de Wagner, a designer Gicla Wazda).
Mantém uma sede na parte antiga de Petrolina (cedida em comodato pela
prefeitura, tendo como contrapartida o trabalho social que fazem) e é um
exemplo para outros grupos que atuam muito longe das capitais. Mas não foi
fácil se manter atuante todo este tempo: “Até aqui foi muita peleja, raça,
eu, minha mulher, os integrantes. Mas está valendo a pena, porque fazemos o
que gostamos e contribuímos para mudar uma realidade cultural. Até o
surgimento do Matingueiros não se falava neste tipo de música que fazemos,
coco, maracatu. Hoje, em Petrolina, já existem outros grupos que surgiram
depois da gente, e procuramos diversificar sempre o nosso trabalho. Temos
espetáculos específicos para o Carnaval e para o São João, mas uma coisa não
exclui a outra. No que já estamos ensaiando para o São João tem também
coisas do Carnaval.
O grupo está
atualmente divulgando o disco que lançou no ano passado, Pluri
(independente, distribuído pela Trattore). Um CD que conta com mais
convidados especiais do que a quantidade de músicos da banda Matingueiros.
Entre outros deram uma canja aos petrolinenses: Geraldo Azevedo, Naná
Vasconcelos, Toinho Alves, Sérgio Campelo, Siba, Genaro, Dominguinhos,
Genival Lacerda, Fred Andrade, maestro Forró (que viajou com o grupo na
excursão à China) e Jessier Quirino: “Fizemos o disco com o patrocínio da
Chesf e aproveitamos o tempo de estúdio para gravar músicas para mais de um
disco”, conta Wagner Miranda. Este segundo disco deve ser lançado em maio,
coincidindo com os dez anos de fundação do grupo. Além do disco tem o
longa-metragem Na quadrada das águas perdidas, mesmo nome de um álbum de
Elomar Figueira: “Não é baseado no disco de Elomar, mas é inspirado no
universo da obra dele dele. Tem muito dos elementos que se encontram na
música e na poesia de Elomar, bodes, onças, cobras, e a caatinga como
cenário”, continua Wagner, que pode estar criando um novo rótulo para o
cinema brasileiro, o caatinga movie, que está sendo rodado com recursos
próprios: “Só a infraestrutura foi uma enorme colaboração que recebremos do
Exército Brasileiro”.
O filme, que
deve ser lançado no próximo ano, tem apenas um personagem humano, o ator
Mateus Nachtergaele, no mais, só animais e a paisagem inóspita do Sertão
baiano: “E Mateus não diz uma única palavra durante o filme, que é a
história de um cara que caminha pela caatinga levando numa carroça dois
bodes para vender. No caminho, enfrenta cobras, onças, e por aí vai”, diz
Wagner, também diretor do filme, cuja trilha sonora tem a música do
Matingueiros, de Geraldo Azevedo e Elomar. Do que o mais Matingueiros se
ressente é da falta de um produtor: “Precisamos disso, de uma produção que
nos dê suporte, porque fazemos tudo, do figurino à contratação de shows”.
Talvez com um produtor eles tivessem continuado no circuito internacional,
lamenta Wagner Miranda: “Depois da China recebemos convites do Kwait, mas aí
veio Bush e começou aquela guerra no Oriente Médio e os shows foram
cancelados. Recebemos também convite para shows na Grécia, quem iria ceder
as passagens era o governo brasileiro, mas demoraram muito, e a turnê não
rolou”.