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Os melhores anos da cigarra Simone

05/04/2009

 

 

Fotos: Divulgação
Simone tem importante parte de sua obra relançada
 

Cantora tem discos da década de 70 reunidos em caixa de 11 CDs, com faixas bônus e um título nunca lançado no Brasil

Lauro Lisboa Garcia

No auge da popularidade - e da pasteurização sonora, como se dizia na época -, Simone se arvorava a vender 1 milhão de discos. Conseguiu ultrapassar essa marca à custa de concessões ao mais comercial, com produtos que o tempo se encarregou de jogar no limbo. No começo, porém, não era assim. Para quem quiser comprovar, estão aí seus melhores álbuns, reunidos na caixa O Canto da Cigarra nos Anos 70 (EMI), com 11 CDs (R$ 185), que a princípio não serão vendidos separadamente.

O projeto é do pesquisador Rodrigo Faour, que também assina os textos dos encartes. "Esse trabalho foi fruto da minha insistência junto à EMI. Acho que Simone tem uma importância fundamental para a evolução e a modernização da MPB e essa história nunca tinha sido contada", diz Faour.

Com exceção de um título, Festa Brasil, inédito em qualquer formato no País (leia no quadro abaixo), os demais já tinham saído em CD. Outra novidade é que três desses álbuns - Quatro Paredes (1974), Gotas d?Água (1975) e Simone (1980) - voltam com faixas-bônus. De acordo com a época em que surgiu, magnética e incisiva, os interesses de Simone eram diferentes dos da segunda década de sua carreira, bem como da estética sonora de seus (piores) discos. "Também acho a sonoridade dos anos 80 bem datada, não só no Brasil, mas no mundo todo", concorda hoje a cantora. Ela, que completa 60 anos no próximo Natal, está começando a escolher repertório para um CD que vai gravar a partir de junho pela Biscoito Fino.

Incensada pela mesma crítica que a desprezaria na década seguinte, a Simone dos anos 70 se estabeleceu com ousadia, originalidade e convicção, seja no aspecto político, musical ou feminino. "Não sei que discos são considerados os mais importantes da minha carreira nem por que motivos", diz a cantora. "Acho que a década de 70 foi uma grande década da música brasileira, importantíssima para a minha geração em geral."

No primeiro disco, Simone (1973), ela gravou Joyce, Ivan Lins, três de um certo Daltõ, Taiguara, a marcha-rancho Bandeira Branca (Max Nunes/Laércio Alves) e Maior Que o Meu Amor (R. Barros), do repertório de Roberto Carlos.

Apesar de ser um disco um tanto irregular, era notável o timbre da voz e a personalidade que já se delineava. Simone cantava com uma naturalidade sedutora e deu um passo significativo com Quatro Paredes, que teve direção musical do maestro Gaya, orquestrações de Luiz Eça e Hermínio Bello de Carvalho (figura fundamental em sua carreira no período) como assistente de produção.

Gravou novamente uma canção do repertório de Roberto (Proposta) e equilibrou novatos (João Bosco e Aldir Blanc, Aquino, Hermínio, Thereza Tinoco) e consagrados (Luiz Gonzaga, João de Barro, Caetano Veloso, Roberto e Erasmo). Esse disco veio na sequência de três outros que Simone dividiu com Roberto Ribeiro e João de Aquino (À Bruxelles), Aquino e Hermínio (Festa Brasil) Marcia, Leny Andrade e Ari Vilela (Expo-Som), este ao vivo.

Naqueles anos, Simone contou com a colaboração de produtores e grandes músicos com ideias ousadas. Gotas d?Água, produzido por Hermínio e Milton Nascimento, reúne os mineiros do Clube da Esquina. Além de Milton (que ela aponta como sua principal referência de intérprete), participam do disco Wagner Tiso, Toninho Horta, Nivaldo Ornellas, Novelli, Pascoal Meirelles. O fabuloso elenco de instrumentistas contou também com o Tamba Trio (Luiz Eça, Bebeto Castilho e Elcio Milito), Paulo Moura, Wilson das Neves, Chico Batera, Dino 7 Cordas, entre outros.

João Bosco, que toca violão em sua Latin Lover (letra de Aldir Blanc), foi um dos compositores modernos em que ela apostou no período. Nos anos contemplados pela caixa, ela lançou ou reforçou a potência do cancioneiro de Milton, Chico Buarque, Ivan Lins, Sueli Costa, Paulo Cesar Pinheiro e Gonzaguinha. Simone diz que se identificava com eles em "literalmente tudo".

A melhor sequência de discos na carreira de Simone tem Face a Face (1977), Cigarra (1978) e Pedaços (1979). A canção Cigarra, feita especialmente para ela por Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, abria outro bom álbum, recheado de novidades de Milton, Gonzaguinha, Gilberto Gil, Sueli Costa e regravações de Fagner e Abel Silva, Lupicínio Rodrigues e de novo Roberto e Erasmo.

Ao mesmo tempo em que cantava com maior desenvoltura, ela gravou Face a Face (que talvez tenha ficado melhor com o tempo) sob uma certa pressão, como disse na época, porque trabalharia sem Hermínio. "Foi o disco que eu tomei as rédeas e me produzi, junto com Renato Corrêa", lembra a cantora hoje. "Mas fiquei muito feliz com o disco."
 

(© Estadão)


Em Pedaços ela cantou clássicos da abertura

Lauro Lisboa Garcia

Pedaços é considerado o melhor álbum da carreira de Simone por vários motivos. Um deles é o contagiante samba Tô Voltando (Maurício Tapajós/P.C. Pinheiro), que funde com maestria sensualidade e intenção política, como metáfora do retorno dos exilados, depois de extinto o AI-5. Virou uma espécie de hino da abertura, como O Bêbado e a Equilibrista (João Bosco/Aldir Blanc) foi o da anistia, na voz de Elis Regina.

Respirava-se, então, ares menos carregados depois de anos de chumbo. Não por acaso, o disco abre com Começar de Novo (Ivan Lins/Vitor Martins). Para além de mais metáfora política, é um manifesto de liberação feminista, adequadamente utilizado como tema de abertura (sem trocadilho) do programa Malu Mulher, que fez história na televisão. Além dessas, há várias outras pedradas de Ivan e Martins, Sueli Costa com Pinheiro e Abel Silva, Fátima Guedes, Milton e Fernando Brant, Chico Buarque, além de mais uma do repertório do "Rei", Outra Vez, de Isolda.

Em Ao Vivo (1980), Simone ressuscitou a panfletária Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores (Geraldo Vandré). Bastante criticado, no entanto, o disco não deixa de ter sua importância na história da cantora, porque foi o registro de um show de enorme sucesso no Canecão, a arrancada para a consagração nacional. O último CD da caixa, da virada para a década seguinte, leva apenas seu nome e marcou sua saída da EMI para a Sony. Cantando como nunca, ela contou mais uma vez com um time invejável de músicos e os mesmos compositores com quem se identificava - como Ivan e Martins, autores de Atrevida, um dos hits dentre as inéditas do disco. Aí vieram de fato os penosos anos 80 e muito de sua música desencantou na assepsia demasiada em tons de branco e azul, com um acerto ou outro. Como Roberto...

(© Estadão)


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